domingo, 29 de março de 2015

A morte não é nada



Criador da teoria do biocentrismo, o renomado cientista Robert Lanza surpreendeu ao propor que a morte não existe. De acordo com seu biocentrismo, todos os conhecimentos que a humanidade adquiriu formam uma “nova teoria do Universo”. Nessa perspectiva, ele encara que a morte é uma ilusão, pois a vida cria o universo e não o contrário.
Fonte: Yahoo! Brasil (16/03/2015)

Augusto dos Anjos, vivo estivesse – fez cem anos de sua morte – teria tido um colapso. Então, onde já se viu – ele que se dizia filho do carbono e do amoníaco, portanto morrível – dizer que a morte não existe? Logo ele, um homem que cultivou a morte em forma de poesia teria, enfadado com tal disparate, tomado a mesma mão que afaga e apedrejado mister Lanza que, do alto de sua sapiência quântica, teria experimentado não um beijo, mas o escarro propriamente dito.
Depois, ainda arredio com a sandice científica, convidaria o operário das ruínas, o verme, comilão do sangue podre das carnificinas, para espreitar os olhos de mister Lanza para roê-los e reduzi-lo a cabelos na frialdade inorgânica da terra. Menos não mereceria o insolente científico. E se isso não fosse suficiente, teria chamado o mesmo urubu para também pousar em sua sorte. Pronto, estaria vingado.
Mas sigamos com o cortejo. Mister Lanza criou uma teoria científica (biocentrismo), esta ainda sob o olhar severo de desconfiança de seus pares, mas, por outro lado, abraçada com entusiasmo por alguns, que afirma que a morte, como destino sem volta, esquecimento ou a reles e banal volta ao pó como diz o texto sagrado, definitivamente não existe. Explica nosso sábio, no que me deixa embasbacado, que a mente que cria tudo, nunca morre. Logo, portanto, a morte é uma ilusão.
Bem verdade que não chega a negar nosso esfarelamento nos tijolinhos básicos que nos constituíram. Menos mal, mas o indivíduo continuaria vivendo, não fosse aqui, qual penada alma, num mundo paralelo que ele teima em negar que seja o céu, menos ainda o inferno. Vejo pelo menos uma utilidade prática na teoria. Drummond saberia responder na hora, pois, como qualquer pessoa normal, desconfiava da morte e a temia: “cantaremos o medo da morte e o medo de depois da morte. / Depois morreremos de medo / e sobre nossos túmulos nascerão flores amarelas e medrosas”
Pois ninguém mais precisaria temer aquilo que, como diz mister Lanza, não está lá. Sim, morre-se e o Gavião, feio de doer, não nos deixa esquecer, nem quando dançam à sua porta – decorada com a caveira e dois ossos como se fosse um navio pirata encalhado – em plena festa de Momo, esquecidos do destino inexorável que lhes aguarda.
Descubro, se levo de eito essa teoria que mata a morte, que desperdiçamos muito chão enterrando gente. Pior ainda, pois com os mortos gastamos lágrimas e flores sem necessidade. E afinal, quem são esses que morreram antes de saber que o fizeram num desaproveitamento enorme de vida? É o que dá não procurar saber das últimas da ciência. Soubessem, tais quais Sísifo, teriam enganado o Hades, sem o medo de serem pegos por um Zeus de maus bofes e condenados a voltar ao mundo dos mortos. Isso é que não aconteceria, pois mister Lanza assegura, sob juramento, que supostamente morrendo num lugar, vive-se noutro como se nada tivesse acontecido, pois haverá em cada universo paralelo, um eu e um você, nossos gêmeos a viver indiferentes a nós. 
Quintana tinha uma ideia que, se não negava a morte como o faz o biocentrismo, raspava a teoria, só que dizia que a morte deveria ser assim: “um céu que pouco a pouco anoitecesse / e a gente nem soubesse que era o fim...” A ignorância nos protegeria, no que daria na mesma, a gente morria sem saber que estava morto, logo, estaríamos vivíssimos, até que o um espírito de porco nos lembrasse que havíamos passado.