domingo, 28 de setembro de 2014

O (falso) vencedor



As escolas primárias da rede pública e privada da província de Buenos Aires – a mais populosa da Argentina, mas que não inclui a capital de mesmo nome –, vão eliminar as notas baixas a partir de 2015, segundo confirmou à BBC Brasil, nesta quinta, a Secretaria de Educação do governo provincial.

Fonte: BBC Brasil (Leonardo Soares/UOL – 19/09/2014)

Deixa ver se entendi bem. Uma escola argentina resolveu, à moda do exterminador do futuro, exterminar as notas entre 0 e 4? Descobriram que o aluno ficava com a autoestima nanica quando era presenteado com notas, digamos, em tons avermelhados?
Ainda não foi inventada uma forma de avaliar aluno sem um tipo qualquer de prova e uma consequente nota, letra, conceito, ou algo que o valha. Por estas plagas verde-amarelas já houve experiências em que se decretou que aluno nenhum seria reprovado. Ainda vigora no ensino público. Um primor de conhecimento sobre a motivação humana.
Mas vejam que genialidade de los hermanos. Não sei por que sinto cheiro daquele raciocínio do cara que joga o sofá fora porque pegou sua digníssima em conjunção carnal no próprio com um estranho – para ele, claro. E se a moda sobe Brasil acima, que nem as frentes frias vindas da Patagônia? Que não se duvide, é capaz de amanhã aparecer um oportunista deputado querendo propor uma lei nacional de expurgo dos nesfastos 0, 1, 2, 3 e 4 em defesa da autoestima dos alunos incompetentes, na verdade, para mascarar os desastres das estatísticas e resultados pífios em competições internacionais em que sempre ficamos com os últimos lugares.
Sugiro que nas competições mencionadas, haja uma lei obrigando que se leia, sempre, a lista de cabeça para baixo, no que nos coloca em excelente posição. Será mais fácil. Suspeito que propor que nos coloquem em posições mais para o topo, a despeito de nossa indigência escolar, não será aceito, mesmo que seja pelo bem de nossa autoestima ferida.
 De fato, a mensagem passada e facilmente entendida pelos alunos que não tiram menos que 5 ou que seguirão para o ano seguinte independente da aprovação, ensina que o esforço não vale a pena. Fortalece a preguiça dos professores que sabem que, se pouco fizerem, nada acontecerá. As estatísticas educacionais serão infladas, os políticos venderão números falsos na propaganda institucional e na eleição.
A lógica é insana. Por causa de um aluno ou outro que ficará abatido e minimizado, segundo dizem, desestimulado, afirmam outros, conduzem-no ao autoengano. O sujeito põe o nome na prova e entrega. Nota: 5. Mas ele sabe que burlou o sistema. Cria-se um cínico, o professor um mentiroso e o diretor, um hipócrita.
Como as coisas andam na Argentina com fedor bolivariano, a ideia de jerico tem aquela típica pretensão de estado totalitário que não apenas oferta serviços de baixa qualidade, ele quer dizer o que é melhor para as pessoas, mesmo que elas não queiram ou nem saibam que aquilo é bom para elas. Lembra minha mãe me obrigando a comer jerimum que dava ânsia de vômito e ela dizendo: come menino, que é bom pra saúde!
Acabar com o bom e redondo zero e seus vizinhos até o quatro carrega outra lógica entordadora da psique. Retira-se do indivíduo o exercício da responsabilidade. Poder-se-ia criar monitorias, reforços, provas substitutivas: o arsenal é grande, mas dá trabalho para o sistema. Que nem os professores municipais de São Luís que passam metade do ano (todo ano) em greve, a despeito da ilegalidade de sua ação – decretada em todas as instâncias – e quando são forçados a voltar, impõem que ficarão muito cansados para repor tanta aula perdida. 
Por fim, passar o aluno de ano ou – ousadia! – decretar o fim dos zeros, retira do aluno com autoestima abalada (tadinho!) a possibilidade de lidar com os revezes da vida. Mostra que haverá sempre uma saída sem suor. Catequiza que não existe causa e consequência nos atos ou omissões. Deseduca que o sofrimento pela perda, quando somos culpados, nunca é nossa, mas de outro(s). Que não se deve nunca fazer autoavaliação para reconhecer fracassos, sob pena de ficar com a autoestima dodói e não se tornar aquele vencedor mixuruca que só é real nas redes sociais virtuais