quinta-feira, 4 de setembro de 2014

E Deus entrou na campanha presidencial



O avião aparentemente se perdeu entre nuvens baixas. O piloto surtado, embicou a aeronave em direção ao chão no centro de uma grande cidade. Entre pedaços humanos e destroços do avião, a caixa preta foi encontrada e acenou com a vã esperança de uma explicação para o inaudito acidente. Surpresa. Nada havia registrado. Conversas banais de outros voos. Estática. Em meio à convulsão emocional, Marina disse que foi a providência divina que não permitiu que ela viajasse naquele dia. Terá ela descoberto antes de todos que Deus resolveu participar da campanha à sorrelfa? Terá o Todo Poderoso entrado de forma apoteótica no embate sufragístico?
Julgar a fala da Marina é uma armadilha com milhares de possibilidades de apenas ser minha própria visão, meus conceitos e desconfianças com este tipo de afirmação. Parece óbvio quando se diz depois de acontecido e cheira a injustiça com os mortos. Sugere escolhas divinas que, do nosso ponto de vista, trazem sempre a semente de um julgamento errado com excentricidades divinas. Fácil é dizer que Deus escolheu Davi a Saul, mas a história está lá toda, explicada pelo próprio Deus. Suas razões e contrarrazões da preferência, além das escancaradas pisadas de bola do desditoso Saul.
O fato é que se Deus entrou na campanha – lá da maneira dEle – as pessoas não estão dispostas a deixá-lo sair. Não há um só suspiro de Marina que não se encontre uma explicação para acusar Deus ou seus, digamos, seguidores, entre os quais Marina se encontra. É como se tivessem um defeito de fábrica e pelo qual se exige um recall.
A alteração no programa a respeito do casamento gay virou a questão-símbolo do problema. Todo mundo pergunta sobre. Dizem que Marina fez isso porque é interesseira e quer atender aos evangélicos (e seus votos) e à pressão dos pastores e outros que tais. Os movimentos audenominados progressistas entre os quais a militância gay, resolveram botar o bloco na rua como se por causa de Deus e sei lá mais o quê Marina tivesse traído a sociedade brasileira. Ninguém explica porque este tema é mais importante do que tudo o mais.
Escandalizado, o premiado escritor Milton Hatoun disse que retirava seu apoio a Marina por causa deste seu defeito moral e de sua tendência a se tornar refém dos religiosos. Segundo ele, seria o equivalente a ela dizer uma coisa e fazer outra. Fiquei me perguntando: se o sr. Hatoun está tão mordido por Marina adequar o programa a sua forma de ver a questão – sem Eduardo Campos é outra campanha, pois não? – por que não vota nos candidatos que defendem com ardor a causa gay? Há dois declarados.
Não sei se Deus se sente numa saia justa neste imbróglio que ele, aparentemente, se meteu. Ou O meteram. Não há provas contundentes de que ele tenha salvado Marina, nem que tenha derrubado o avião. Dirão: Deus conduz a história e pode, sim, derrubar um teco-teco para fazer cumprir sua soberana vontade. Outros confirmarão profecias de que teríamos um presidente evangélico e Deus está só dando uma ajudazinha. Marina ainda não acredita nisso, graças a Deus. Pelo menos ela tem dito de todas as formas que sua fé é algo de foro íntimo, embora se diga – a Folha disse dia 1º/08 – que Marina costuma tomar decisões na roleta bíblica. Valha-nos Deus!
As pessoas não acreditam nessa fé da porta da rua para dentro e a acusam de estar em conluio com Deus para não permitir que o Brasil caminhe para uma Xangrilá de direitos para todo tipo de bicho voante, rastejante e nadante (sem qualquer dever ou estes antenuados ao máximo), que é para onde o PT acenava que nos levaria e transformou o país numa avacalhação de movimentos oportunistas com caras cada vez mais fascistas. Olha que ainda não escapamos do decreto bolivariano-dilmista que criaria a Política Nacional de Participação Social.
De qualquer modo, Marina corre sério risco de ganhar a eleição. Tenho muitas dúvidas sobre sua capacidade e habilidade para navegar num mar bravio de um sistema corrompido até o tutano e no qual o PT tratou de promover a gangrena moral do pouco de seriedade que restava. Ela precisará de Deus, mas não da forma messiânica que muitos pensam.

domingo, 31 de agosto de 2014

Nós não somos nada



Uma família divide mais do que a mesa de refeições — ela divide também as mesmas bactérias. Esses micro-organismos, únicos e identificáveis, estão espalhados pela casa das pessoas e "viajam" com elas para outros endereços. Essas foram algumas das revelações de um estudo publicado nesta quinta-feira na revista Science, que analisou os trilhões de bactérias que habitam casas e apartamentos.

Fonte: Revista Veja (28/08/2014)

Depois do projeto genoma e tantas outras pesquisas, a ciência concluiu que nós somos só dez por cento humanos. Significa dizer que, para cada célula do nosso corpo, tem dez bichos esquisitos agarrados à pele, cabelos, intestinos e tudo mais que você imaginar. Isso faz um pensar. A ciência chega a dizer que somos um superorganismo composto de mais ou menos um quilo de bactérias, algo em torno de cem trilhões de microscópicos indivíduos!
Parece que dizer eu singularmente ou a mera pretensão de individualidade é algo definitivamente impossível. As bactérias – se falarmos apenas nelas – participam da digestão à renovação da pele. Dizem que elas são fator fundamental no equilíbrio da saúde, influenciam o sistema imunológico e há quem sugira que da obesidade ao diabetes, eis as bactérias agindo como culpadas ou até na cura destes problemas.
É muita informação para digerir. Haja bactéria! Suspeito que elas, velhas como são e mais espertas nas artimanhas da evolução, nos manipulam com pensamentos e hábitos para seu próprio deleite. Sei que é complicado imaginar isso, mas à medida que os microscópios devassam este mundinho escondido, mais se sabe o quanto elas, sonsas que são, fazem o que querem conosco. Sem contar que, uma comunidade que se chame de José, por exemplo, ao se deparar com outra comunidade chamada do que for, provoca uma guerra fratricida – entre bactérias, pois não? – que resulta, não raro, em doenças na pobre entidade José, às vezes, com diarreias devastadoras.
Imagino as implicações no campo das ciências sociais: sociologia, antropologia e suas primas outras. Um aparente sujeito – palavra que deverá ser modificada para uma pluralidade eterna a partir de agora, a se considerar a população homem-bactéria – precisará ser visto em suas diversidades, quase um universo a ser desvendado e estudado. Cada dito ser humano se torna agora praticamente uma civilização perdida na floresta de gentes. Verdadeira tribo desconhecida a lançar flechas no primeiro microscópio que lhe apontar a lente.
Seria muito engraçado ver a cara de racistas e eugenistas em geral. São um amontoado de bactérias como quaisquer outros. As deles, seres pervertidos, malévolas criaturinhas com pretensões de pureza, mas nadando no mesmo caldo gosmento que nos pariu. Donde veio, portanto, sua besta pretensão? As pesquisas não explicam, mas digo aqui. Bactérias drogadas, bêbadas. Fizeram uma viagem lisérgica e nunca mais voltaram.
Recentemente cientistas bisbilhoteiros descobriram que as bactérias são compartilhadas em família. Aquilo que ainda se chama assim. Pais e filhos, cachorros, gatos e papagaios trocam bactérias entre si, transformando-se numa pequena Babel destes bichinhos a conviver em saudável alegria. A casa em que vivem fica empesteada. Eis a descoberta maior do estudo: se a tal, vá lá, família se muda para outra casa, em poucas semanas as bactérias colonizam o novo ambiente. É como se as coisas mais banais como seu celular, fossem se bacterializando como você. 
As bactérias vão no caminhão de mudança, de mala e cuia, e deixam um rastro de marcas biológicas com registros inequívocos de sua passagem e, horror dos horrores, com traços de seu dna enganchados nelas. É lógico supor que imediatamente se descobriu fins investigatórios detetivescos nessa descoberta. Muminhas diminutas ou esqueletinhos arqueológicos destas ficam no caminho ou nos endereços por onde se passou e dali se pode dizer – como o faziam os peles vermelhas cheirando o ar, colocando o ouvido no chão – quem, quando e quanto tempo viveu no tal local.
As mãos das pessoas são o veículo de compartilhamento das bactérias familiares. Fala-se, por dedução daquela lógica forense, de uma nova impressão digital. Suas bactérias são você ou o que você pensa que é... literalmente. Além da parecença genética, nosso parentesco familiar pode ser visto na palma da mão. O único lugar onde você pode saber que você é você e não um amontoado de bactérias compartilhadas é no nariz. Os pesquisadores cutucaram o nariz – espero que não publicamente – e ali se viu escondidas bactérias que sugerem uma individualidade. Então você já sabe, sua decantada unicidade como ser está dentro de seu nariz.