sexta-feira, 15 de novembro de 2013

Sou Pardo



O Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) vai lançar um estudo inédito realizado especialmente para ser divulgado durante a III Conferência Nacional de Igualdade Racial (III Conapir). Baseado nos dados estatísticos do Censo Demográfico de 2010, o mapeamento aponta a distribuição da população por cor ou raça em todo o território nacional.

Fonte: Secretaria de Políticas de Promoção Da Igualdade Racial (05/11/2013)

Não sei dizer. Fico estremecido, como que atado das ideias. Não sei que diga. É assim toda vez que me dão um formulário em que tenho que dizer a cor ou raça. No Brasil, é uma bagunça que começou quando Caminha de forma um tanto tola descrevia, entre admirado e lúbrico, a nudez das índias, que seja, dos índios também. Dizia que eles não tinham pudor de mostrar as vergonhas. Vergonhas vocês sabem. É lá, as partes pudendas. Acho que daí já começou o destrambelho. Imagine se não.
Volto. Pois me desconsola esta história de cor e raça. Porque não sei o que sou. Podia me dizer mestiço, mas a palavra não é usada para registrar pesquisa desde o início do século XX. Por absoluta incapacidade de saber, arrumaram o termo pardo. Isso significa o quê? Nada, digo. Pois não é cor nenhuma. Raça muito menos. Queria dizer uma cor, assim, determinada. Fosse o que fosse. Mas entre preto, índio e amarelo e branco – correndo por fora, o caboclo – só me resta este descolorimento sem sal: pardo.
E olhe que, se alguém presta atenção no tal IBGE é de ficar boquiaberto, porque estes pobres coitados que nem eu só aumentam. Já tentaram misturar nos dados estatísticos, pretos e pardos. Era igual a uma categoria: negros. Mas, acho, os pretos se espezinharam, ou algum estudo disse que eram coisas muito diferentes, mas meio parecidas também, quer dizer nem lá, nem cá. Ora, fosse eu preto retinto, também não queria me misturar, pois nesta condição é como se um descorasse para ficar igual e ninguém quem quer isso. Essa coisa indefinida que nós pardos somos.
Imagine você que há quem louve esta massa pardacenta como símbolo da democracia racial no país. Sei não. Nós pardos aumentamos, aumentamos e já há quem diga que os brancos vão se acabar só da misturança em nós e continuam com um status um tanto desvalorizado. Provo. Alguém já ouviu ou viu falar em política afirmativa para pardos? Duvido. Não tem. Os amarelos também não. Mas estes são um caso à parte. Mas tão se misturando muito também e daqui a pouco vamos ter os pardos amarelados, aí é que vou querer ver. Será que terão o mesmo destino de nós pardos?
Mas dizia. Não tem política afirmativa para os pardos. Não sei se porque é gente demais. A Bahia, veja só, que tem muito preto, é só um tico assim de gente dessa cor. Já pardos é mais da metade da população. De onde é que vem tanto pardo assim? Me dá gastura de pensar que podemos acabar sendo acusados de ter exterminado com as outras cores e raças. Se eles, os de cor de verdade, se misturam, dá cafuzo, mulato, mameluco. Outra cor com os amarelos me escapa no que dá: nissei, sansei... nunsei. Pois bem. Se se misturam, dão nomes assim de estranhos, mas é tudo pardo no final das contas. E se um pardo se mistura com qualquer cor no fim nasce um pardinho.
No Pará, coração, tripa e fato da Amazônia, quase não tem mais índio. É tudo pardo. Foi o IBGE que disse. Onde é que vamos parar, meu Deus?! Então, se digo que sou branco, os brancos se abespinham. Se me assemelho aos pretos, estes me esconjuram. Índio até daria, mas o cabelo meio encarapinhado não ajuda. Amarelo, nem pensar. Teria que ficar segurando o canto dos olhos e aí não fazia mais nada.
O país inteiro ficando pardo e para eles (nós) nada. Isso é que é. Por isso, fico tão desconsolado. Para os pretos e índios há mais cuidado, seja lá a razão que dão. Os brancos, dizem, não carecem de ajuda, embora tenha branco lascado de todo jeito, independente de se no passado eles se deram bem. Pagam agora pelo passado. Os amarelos não ganham nada, mas também não precisam. E se bestar, os gays, com a propaganda que fazem, vão começar a ter cota e bolsa já, já. Do jeito que a coisa vai. 
Desacredito de que seja pardo. Mas também não sei o que seja. Acho que é por isso que não figuramos em nada porque o governo também não sabe o que faça. Vai dar bolsa cota-qualquer-coisa pra nós como? Só se a gente começar a negar esta raça indefinida e essa cor de nada que temos. Isso. Mentir descaradamente. Define-se cor no Brasil é nos olhos. Você diz de que cor quer ser. Ora, eis aí nossa saída! Vamos nos dizer da cor que quisermos. Só não vamos exagerar, né pessoal. Tem que parecer. Até começarem a fazer teste genético como em GATACA, acho que quebra o galho.

A montanha que encolheu



A piada de uma agência de publicidade ao postar um vídeo na internet no qual quatro indivíduos "roubam" 25 centímetros da montanha mais alta da Alemanha, Zugspitze, transformou-se em uma confusa história que envolveu até a polícia.
Fonte: UOL F5 – EFE Berlim (26/10/2013)
O chefe de polícia da pacata e quase imperceptível cidade de Garmisch-Partenkirchen estava que não se aguentava. Fulo. Soube meio que sem querer, denúncia anônima. Carta sem remetente sugeria que ele olhasse na internete um vídeo em que pessoas do país vizinho sorrateiramente roubavam algo muito importante da cidade. Avesso a tecnologias, resistiu, mas a curiosidade matou o gato. Foi ver.
Estava desconfiado. E se fosse um daqueles vídeos em que a pessoa assiste e dias depois morre? O chefe adorava filmes de terror categoria B, era impressionável também. A cena, no entanto, lhe parecia muito familiar. Três jovens alpinistas filmavam a escalada da montanha Zugspitze à sombra da qual a cidade vivia. Era a mais alta do país. Motivo de orgulho dos habitantes. Fonte de recursos que o turismo oferecia.
O mundo é meio que feito de orgulhos rotos. O maior, o melhor, o primeiro, o último – num sem número de casos, esta posição pode ser vantajosa, como o lugar onde se sentou mesmo uma subcelebridade e tomou seu último gole de uma bebida qualquer e lá mesmo teve infarto e morreu – e a fila segue com outros graus comparativos dando sentido à vida de cidades e gentes planeta afora. Moradores de Garmisch aprenderam a dizer que nasceram ao sopé do Zugspitze, eram filhos da montanha e outras baboseiras, que era a mais alta do país, frisavam contentes consigo mesmos por tanta sorte. Isso os tornava diferentes dos outros que não tinham uma montanha pra chamar de sua.
Já entediado, o chefe Hans ia desligar aquela banalidade quando os tais alpinistas arrancam um pedaço de rocha, esfregam na objetiva da câmera que tremia e dizem o inominável. Roubaram o “picoroto” da montanha que agora, sem o pedaço de exatos 25 cm, teria apenas 2.961,75. Estava rebaixada à insignificância. Os facínoras prontamente colocaram o pedaço numa mochila especialmente preparada e desceram para seu país do outro lado da encosta. Chefe Hans ficou estatelado na cadeira.
As ideias confusas iam e vinham amontoadas. Olhou para o auxiliar, balbuciou algo. O outro, de olhos arregalados, tentava entender. A cara do homem estava transtornada. Só conseguiu dizer: e agora? Queria dizer não somos mais nada. Fomos reduzidos a um morro ridículo. A cidade inteira já sabia. Estavam apáticos. O ajudante tentou minimizar: ninguém vai saber. É só um pedaço pequeno... e aquilo era lá conselho para se dar quando a cidade inteira havia perdido uma montanha inteira? Sim, porque de que serviria se a montanha não era mais a mais alta do país?
Aquilo merecia uma invasão. Uma blitzkrieg e retomar o orgulho nacional. O país fora invadido na surdina e retirado parte de seu território. Aquilo merecia uma resposta. Ninguém entra e leva um pedaço de nosso solo sagrado nas costas como se fosse um bode. Tentou arregimentar forças, mas só havia ele e o auxiliar meio lerdo e gordo de tanto queijo e linguiça. Os cidadãos se recusavam a fazer a invasão.
Em meio ao pandemônio formado, a cidade fechou entradas e saídas, declarou-se toque de recolher, além de recomendar que daí em diante todos os meios de comunicação estavam censurados, pois estavam escaldados com o Obama. Como a notícia tivesse se espalhado, os alpinistas entraram em contato para explicar que não roubaram nenhum pedaço da montanha, que tudo não passou de uma brincadeira para uma peça publicitária e que o pedaço de rocha foi levado para cima para simular o furto. 
Chefe Hans, homem ladino, não acreditou naquela desculpa esfarrapada. Ele os denunciaria à justiça, ao Papa Francisco e a quem mais fosse. Quem poderia garantir que alguém subiria aquilo tudo com um pedaço de pedra nas costas só para descer depois? E ademais, ele viu com os próprios olhos, conhecia a mãe dele como ninguém. Irreconciliável, só dizia: ou devolviam ou iam ver com quantos pedaços de pedras se faz uma montanha novinha que ele construiria com os tijolos das casas da nação inimiga.

Brasil Absurdo



A partir desta sexta-feira, as prestadoras deverão garantir mensalmente 70% da velocidade média mensal contratada pelos usuários e 30% da velocidade mínima obrigatória.
Fonte: Veja (01/11/2013)
Neste país, uma empresa pode vender, por exemplo, acesso à internete por variados modos: 3g, 4g, cabo, rádio, telefonia, até rede elétrica. Igual noutros países. Igual? Até outro dia, o contrato que o usuário do serviço assinava dizia sem vergonhamente que a concessionária poderia entregar apenas 10% do contratado. E faziam a ressalva. De acordo com a disponibilidade da rede. Ah, bom. Comprar um quilo de arroz na quitanda e levar apenas 100 g parece ilegal, a balança está adulterada e o comerciante malandro seria denunciado por você à polícia, imagino. Mas aceitávamos comprar acesso à internete e levar um décimo do que se contratava e... era legal!!!!
Mas eis que a Anatel resolveu dar um basta neste roubo descarado. Doravante, as concessionárias estão obrigadas a dar 70% de velocidade média ao longo do mês e pelo menos 30% nos dias mais aperreados. Se der apenas os 30% na maior parte do tempo terá que aumentar a velocidade de acesso para compensar. Como? Vou desenhar para você. Se você compra 10mbps (megabits por segundo) eles devem dar 7mbps de média ao longo do mês e no mínimo 3mbps. Traduzindo. Você e eu continuamos a ser roubados.
O Brasil deve ser o único país do mundo em que a condenação de meliantes, como os do mensalão, não significa cadeia. É porque o fato de ser condenado admite o questionamento da condenação(???). E as provas? Que se danem as provas. Se for no Supremo, os condenados recorrerão aos próprios juízes que os condenaram e estes, não raro, mudam o voto, seja por uma filigrana da lei – o juiz é escravo da lei, dizem, mas também do que chamam poder discricionário que, em miúdos, significa que pode interpretar a lei segundo suas convicções. Quanto mais alto o posto no judiciário, mais o sujeito tem múltiplas interpretações. Uma loucura. Para terminar este tema. Quanto maior a condenação, mais os caras têm dúvidas. Quanto mais relações de poder tiverem os réus, nem se fala então. Desculpem “os caras”, sei que se melindram.
No Brasil, o “mais médicos” é boicotado... pelos próprios médicos. Até hoje não entendi (por mais que torça o nariz para o serviço dos cubanos) por não compreender o porquê destes escravos de estado continuarem limitados aos miseráveis soldos da Ilha, sem contar que não vieram porque queriam, embora a maioria se mandaria se pudesse. E o Padilha até ensaiou uma explicação troncha. No Brasil varonil os professores passam mais tempo em greve do que em sala aula e os que vão a ela podem receber facadas, porrada e xingamentos.
No Brasil, os bandidos mandam nas cadeias. Usam telefone e postam fotos em redes sociais, fazem churrasco, se divertem no lugar como se fosse um clube. Via celular comandam os “negócios” de dentro do presídio e se for “dimenor”, mesmo que mate, roube e faça o diabo, trata-se apenas de infrator, mas suas vítimas não mudam de status, continuam sendo cadáveres, roubados, agredidos.
Por aqui, os políticos não entendem que são servidores públicos e nos tratam como se devêssemos nós, seus patrões, alguma coisa. Ser político no Brasil é profissão regiamente paga com 14 salários anuais (em alguns lugares eram 18, uma subversão da dimensão do tempo que nem Einstein imaginaria fazer). Fora isso, eles tem direito a dezenas de regalos aos quais costumam chamar de “auxílio”. Acho o “auxílio paletó” o mais curioso, engraçado mesmo, pela tamanha desfaçatez. E ainda se amofinam se não lhes agradecemos pelos serviços prestados.
No Brasil, tem lei para demora na fila do banco. Eles se superam ano a ano em faturamento, sempre na casa dos bilhões, e continuam com poucos atendentes e tome fila. Aqui a gente paga o carro mais caro do mundo e as montadoras choram miséria todo dia, e dizem que o governo cobra muito imposto. Mas aqui eles têm as maiores margem de ganho por carro do mundo. Mas o governo também cobra muito imposto.
No Brasil, o governo faz propaganda de venda de gadgets baratos e divulga como se fosse uma revolução social. Só como exemplo. Desde que a Dilma disse que se compraria um iphone por quase trocados, com fábrica aqui, o preço nunca baixou e agora foi motivo de espanto que um aparato para jogos custe R$ 4 mil reais. Longe de ser um escândalo, tornou-se propaganda a favor do jogo. Também pagamos o minuto de celular mais caro do mundo e estamos quase na cabeça quando compramos um big mac. E ainda dizem que somos pobres. 
É esquisito. Ser político é ser sinônimo de desonesto. Em quase todo lugar é, apenas entre nós é um fato e a gente ainda se dá por satisfeito quando rouba, mas faz. A gente tem tanto medo da polícia quanto de bandidos. O brasileiro, relativamente e nem tanto, paga os mais altos impostos do mundo e tem os piores serviços públicos do planeta. E você diz: mas isso todo mundo sabe. Verdade. E no que isso mudou seu comportamento quando vota?