São Paulo – Um designer americano
chamado Frederik Colting desenvolveu um relógio de pulso que oferece ao seu usuário uma
maneira inovadora, e talvez um pouco mórbida, de checar a hora: chamado Tikker, ele faz a
contagem regressiva para a morte do seu dono.
Fonte: E Exame.com (Gabriela
Ruic, 07/10/2013)
Vai um gadget aí? Falando assim, pareço um
camelô oferecendo um produto duvidoso com nome em inglês só para lhe dar uma
sofisticação rota. Gadget, no
entanto, designa qualquer dessas traquitanas modernosas que os nerds entendem tão bem e que a nós – ainda
meio analógicos, reles aprendizes da
geração Z – restam os vexames ou o tatibitate com estas coisas que funcionam praticamente
sozinhas. É o que eles chamam de intuitividade. A palavra é tão esquisita que o
corretor ortográfico ficou insistindo que eu estava escrevendo errado.
Mas têm
aqueles que não são nerds, mas por
eles estarem na moda – as maiores fortunas do mundo estão em suas mãos – e por
quererem parecer pra-frentex (aposto que metade dos leitores torceu a boca pra
esta gíria da hora), compram tudo quanto é bugiganga. Francisquelissa viu o
anúncio de um relógio do fim da vida e não pensou duas vezes: comprou-o.
Relógio do
fim da vida? Expliquemos. Um sujeito inventou o dispositivo que, após o
preenchimento de um looongo questionário com dados da qualidade de vida do
comprador, tudo isso é socado num programa que carrega o tal relógio e este,
além de medir as prosaicas horas passadas do dia-a-dia tedioso no rodapé do
mostrador, registra com precisão de segundos – o criador faz questão de
enfatizar este detalhe – a hora da morte do proprietário.
Francisquelissa
não sabia de nada disso. Não entendeu. Achou muito chique responder ao
questionário. Isso só se faz com gente importante, pensou lá consigo. Clube
exclusivo, imaginou. Achou um pouco
estranho que o mostrador principal mostrava a quantidade de anos, meses, dias e
horas, minutos e segundos, mas contados de trás pra frente, e só então a local time. Pressentiu que se atrapalharia se alguém
perguntasse as horas.
Pegou-se
olhando o mostrador com aquele registro fatídico. Restavam-lhe 52 anos, 8
meses, 20 dias, 14 horas, 30 minutos e 23 segundos. Mas logo, os segundos, eram
22, 21, 20... No dia seguinte restavam 19 dias e os segundos lá, caindo
implacáveis. Aquilo lhe deu um nó no juízo. Por que diabos fui comprar uma
coisa dessas? A propaganda dizia que mais que saber o restante de tempo de vida,
motivaria o feliz possuidor do relógio a usar seu tempo restante de maneira
sábia, produtiva, alegre... Mas quem
conseguia uma coisa dessas se a cada olhada o tempo escoava com uma ligeireza
que só vendo deixando aquela sensação de perda?
Os dias
passando e Francisquelissa vendo que cada ruga por menor que fosse se tornava
um verdadeiro canyon no rosto. Um fio de cabelo branco virou caso de ataque de
pânico. Perguntou-se se não seria melhor esperar a morte de surpresa. O manual do
mórbido aparato não explicava se se morria de véspera ou só na hora marcada.
Não havia como saber e o call center deles se negou terminantemente a responder.
Apenas recomendou nova leitura do manual e atentar para o capítulo III, alínea
“q” onde se
lia: em caso de dúvida, entre em contato com o call center.
O relógio seria capaz de
adivinhar o local da morte? A bateria aguentaria esse tempo todo? E se falhasse
desregulando a contagem? Seria possível enganá-la, quem sabe, acrescentar uns
poucos anos ao tempo limite? E se o proprietário morresse antes, poder-se-ia
pedir indenização? Sim, porque, no mínimo, é um caso de propaganda enganosa. A
pessoa espera morrer em tal tempo e, de repente, o avião onde viaja cai, assim,
sem mais nem menos.
A vida foi passando e
Francisquelissa hipnotizada com aquele relógio bizarro tiquetaqueando seu
miserável tempo de vida. Sei, poderia tirar a porcaria do braço, mas estava
como que dependente. Não saberia viver sem saber o tempo faltante. Pegou-se um
dia procurando o pino: queria acabar com aquele horário de verão infeliz.