segunda-feira, 27 de dezembro de 2010

Falando sozinha

Mulheres casadas falam mais com o cachorro do que com o marido. Pelo menos é o que diz a nova pesquisa publicada pela Associated Press em parceria com a Petside. Os resultados das enquetes não deixaram dúvidas – um terço das mulheres casadas entrevistadas diz que os seus bichinhos de estimação são ouvintes muito melhores do que os seus maridos.

Fonte: Território Feminino

Ouvi a sua voz inconfundível tagarelando e resolvi chegar pé ante pé. Pensava em dar um susto, fazer alguma molecagem, mas o bafafá estava muito interessante. Reclamava sozinha do casamento enquanto varria a sala de jantar. 
Marilda é uma velha amiga. Sempre teve mania de falar só, o que não significa nenhum destrambelho psíquico, muita gente fala só. Marilda, entretanto, leva isso a outro patamar, é um monólogo teatral com direito a todas as manifestações emocionais, o que termina por ser, para ela, uma boa terapia.
Jocosmo, seu marido, anda meio desatento, isso para dizer o mínimo pelo que pude escutar. O patati patatá seguia e esgueirei-me para uma posição melhor porque tem que se ver Marilda em ação, não basta ouvir. Assim que, varria, parava e falava na direção de uma pequena mesa. Encimado e muito ancho, estava um daqueles cachorrinhos que ambulantes vendem para serem colocados em carros. As cabeças bêbadas que tem balançam o tempo inteiro, parecem lagartixas de muro que também mexem a cabeça sempre concordando com algo que não foi dito ou perguntado.
Parada, com uma das mãos segurando o cabo da vassoura e a outra nas cadeiras: é um traste, isso é o que ele é. Desculpe, não é nada com você ou alguém de sua família, mas é um cachorro! Vê se pode fofinho (ela chama todo mundo de fofinho)? Véspera de Natal e eu aqui que nem uma gata borralheira, talvez pior que a Bertoleza de O Cortiço.
Ele deve estar por aí, o inútil. Agora, eu te digo, mudo meu nome, esquecimento até tolero, mas ai dele se eu perceber ele se assanhando para a sirigaita do 402. Aquilo é mulher que acaba casamento. Tu já viu, fofinho, como é que ela sai de casa? Um escândalo. Não que ela se compare à gostosinha aqui, deu um tapa na própria bunda. Mas oferecida como ela é, os bestas daqui ficam tudo babando, o Joco, então. O marido da Cida, até pilhéria joga pra cima da destruidora de lares. Ah, se eu pego o Joco numa safadeza dessas! Corto a língua dele e sei lá mais o quê.
Me diz, o que a gente espera num Natal? Um presentinho, claro. Todo mundo gosta de receber presente. Não sou como aquelas que ficam se fazendo de cu doce. Não, não precisava. Isso arregalando os olhos e não se aguentando. Pois eu digo. Precisava, sim. Quero presente. Fofinho, vi um vestidinho ali que em mim ia ficar uma coisa. A sirigaita ficaria no chinelo comigo. É meu filho, aqui ainda tem muita quilometragem para rodar, tá pensando?
Mas não, tô aqui, esfolando as unhas, varrendo casa e ainda pensando que tem o chester para assar. Ele não move uma palha, o patife. E ainda enche a casa com aquela família de mortos de fome que ele tem. Chegam aqui tudo de mão abanando, desejando feliz natal. Feliz natal um cacete! Mas neste ano vai ser o balacobaco. Eu não tô boa, fofinho. Quer saber, não vou preparar nada. Eles que se virem. Tu acredita, nenhum acarinhamento ganhei.
E a conversa com o “fofinho” seguia. Para de balançar a cabeça feito idiota, diz alguma coisa. Só concorda com tudo, eu hein! Tá vendo, é isso que eu faço o tempo inteiro. Estacou. Fiz, meu filho, fiz. De agora em diante sem quindim não tem é nada. Larguei de ser besta. Deixa o diabo do Joco chegar aqui que ele vai ouvir poucas e boas. Quê?! Tô me lixando se é natal. Cadê que ele se lembrou que é natal. Não tô entendendo, tu concorda ou discorda? Esse cachorro tá é louco. Virou-se para o pinguim sobre a geladeira. E tu, se abrir o bico, vai virar assado de natal, tá me ouvindo?
Jocosmo entra sorrateiro. Uma duas na cabeça. Entretida, Marilda não percebeu. Resolvi sair de fininho, mas ainda vi. Ele a agarrou por tras, deu-lhe um cheiro no cangote e ainda deu tempo ouvir: para Joco, Ô! Para, menino! Saliente! E deu uma gargalhada.

terça-feira, 21 de dezembro de 2010

Dinheiro na cueca blindada

Um novo dispositivo tecnológico será enviado para os soldados britânicos na província de Helmand, no Afeganistão. É uma espécie de “cueca blindada” para protegê-los de ferimentos na área pélvica, causados pelas bombas do Talebã nas estradas.
Cada um dos homens já está recebendo quatro pares das cuecas, que se parecem com shorts de ciclismo. Elas são feitas com um material balístico especial produzido a partir de seda e tecidos sintéticos.

Fonte: BBC Brasil 17/12/2010
O rebuliço havia passado. O nome dele foi execrado publicamente, sem que ao menos pudesse desmentir, dizer alguma coisa em seu favor. A imprensa quando pega um no dente, diria Josebério, seu amigo de estrepolias políticas, não larga até que o nome do desditoso, especialmente pego em flagrante delito, vire pó.
Falar não era nada, lembra-se Maguro em tom lastimoso, o pior de tudo foi a foto que ilustrou dezenas de artigos que vociferavam contra este estado de coisas. A corrupção generalizada no governo. As quadrilhas, como diziam, que tomaram todos os escalões do executivo de assalto. Quase sempre misturavam aloprados, sanguessugas e mensaleiros no mesmo saco. E agora, para sua desgraça, os mulas de cueca. Faziam alusão às mulas que carregam droga a serem contrabandeadas no estômago para tentar enganar a polícia de fronteira.
Isso é que não. Havia que colocar cada qual em seu lugar. Ele mesmo não partilhava da índole de um aloprado. Longe dele ter o caráter de um mensaleiro. Que um raio lhe partisse, clamava, se algum dia praticasse em sonho o que fizeram os sanguessugas. Ele era um homem leal, isto sim. Fez o que fez por lealdade. Por que não dizer, por convicção ideológica, afinal sua ação ajudaria o partido a ganhar e como tivesse certeza que estava do lado dos que melhor cuidariam do povo, valia qualquer sacrifício, mesmo algo um tanto, diria Josebério de novo, pantafaçudo.
Maguro se ressentia de ser chamado de mula. Se ressentia ainda mais de ser chamado de cuequeiro. Mas também não podia ver a peste da foto que usavam. Aquilo lhe dava até um passamento. O fotógrafo pegou seu pior ângulo. Ainda por cima com boca entreaberta, olhos arregalados em olhar oblíquo e encandeado pelo flash, o que lhe deu um ar de parvo misturado com um desses pés rapados que a polícia expõe todo dia em programas policiais de quinta categoria.
E a galhofa dos humoristas? Estes lhe tiraram o couro. Fizeram montagens com sua foto e disseram dele o diabo. Só lhe restou isolar-se e ficar macambúzio. Até os filhos ganharam apelidos de cuequinhas e ele nada podia fazer. A ideia, olhando à distância, é um primor de asnice, mas pareceu um lugar tão seguro na hora do sufoco. Quem imaginaria que alguém teria o desplante de investigá-lo até nas roupas de baixo? Isso fora a humilhação de terem lhe apalpado a bunda sem a menor cerimônia. E ainda faziam piada para que mostrasse o cofrinho. Que coisa infame! Ele, um nordestino de estirpe e orgulhoso de sua origem. Nem aos presos de Abu Graib humilharam tanto.
Pois bem, meses haviam passado e agora, uma notícia inusitada, dava conta que o exército inglês mandou fabricar milhares de cuecas blindadas. Os pobres soldados eram vítimas constantes de ataques talibãs que lhes atingiam as partes. Antigamente se voltava de uma guerra sem perna, sem braço, agora, estes miseráveis terroristas miram naquilo que até justifica um homem que é homem encarar a refrega, afinal é preciso ter bolas para um negócio desses. Arrancá-lo à bomba? Onde estava a honra dessa gente?
Maguro, só de ouvir falar em cueca com uso inusitado, começou a sentir tudo de novo pelo qual passou. Mas percebeu que não lembraram dele, embora a tal notícia mexesse de novo com seus brios, a imprensa, ao que parecia, havia lhe esquecido. Maguro até pensou em inventar alguma coisa nova com o uso da cueca. Qualquer coisa que lhe desse algum ganho que amenizasse a dura provação que vivera. As mulheres colocaram os sutians para fora, agora é chique mostrar. Os pit boys mostram o cós da cueca, por que não mostrá-la toda? Com os padrões certos, ainda frequantará os grandes salões, delicia-se Maguro, sonhando com encher as burras.

domingo, 12 de dezembro de 2010

Bife de soja, por favor.

Um detento polonês ganhou o direito de ser ressarcido em 3 mil euros (cerca de R$ 6.750) por não ter garantido o direito de continuar a sua dieta vegetariana na prisão.
Janusz Jakóbski, que cumpre pena de oito anos na prisão de Nowogród por estupro, segue regras estritas de não ingerir carne por causa de sua religião budista mahayana.
Ele apelou para a Corte Europeia de Direitos Humanos depois que seus pedidos de pratos vegetarianos foram seguidamente recusados pela prisão.

Fonte: DA BBC BRASIL 10/12/2010 - 07h34

Trata-se de direitos humanos. O estado tem  o direito de me prender e eu tenho o direito de ser alimentado conforme meu costume e crença. Aliás, é uma questão de saúde. Dizia ele com o tom alterado de voz. Estava indignado e prometia, caso não fosse aceita sua reivindicação, uma greve de fome. Quero ver se não me atendem, desafiava.
A coragem propriamente dita para levar a cabo seu desafio não tinha, mas do dia para noite tornou-se o centro das atenções. Chegou a dar entrevista a alguns jornais, mas o diretor da prisão, com quem travava sua guerra pessoal, percebendo que a coisa desandava e virava um verdadeiro circo, impediu novas entrevistas. Isso o deixou transtornado. Ele era, na prisão, um mártir, dizia, a versão wikileakeana do sistema prisional. Avacalharam seu direito e agora censuravam sua voz, esbravejava.
Seus companheiros inicialmente tomaram-no por excêntrico, consideravam-no louco. Mas a coisa ganhou proporções não previstas. Sua insistência o tornou uma espécie de herói entre os prisioneiros. Por outro lado, o diretor enciumado da notoriedade, justo de um preso metido a besta, como dizia, apertava o torniquete retirando regalias, como a diminuição do tempo de banho de sol. Pensava em colocar os ladravazes e outro bichos contra o impertinente vegetariano. Mas nada.
O interesse do público, contudo, aumentava. Informações eram contrabandeadas para fora do presídio dizendo o estado do homem que se levantou contra o sistema. Que sistema? Ninguém sabia, mas caía bem acreditar e falar assim. Logo os jornais aumentavam as parcas informações ou inventavam histórias sobre o mártir da causa vegetariana, da ecologia, da salvação do mundo, por que não?
Ele resistia a comer carne, menos na presença de quem poderia dedurá-lo, porque mais tentador do que dar informações sobre ele quando havia um raivoso censor a postos, era entregá-lo como um não tão fiel assim ao que ele mesmo chamava de princípios inamovíveis de vida. Assim que ele tomava todas medidas para que não o vissem agarrado a um bom osso cheio de tutano.
De todo modo, comendo mal e de maneira sôfrega, às escondidas, durante a noite, com um estômago mal acostumado àquele regime, emagreceu. Se reproduziam na tv e jornais pedacinhos de papel que continham informações sobre sua condição, mostraram até cansar uma foto feita de um celular contrabandeado para dentro da prisão por uma bela repórter que tentou furar o cerco. Sabe-se que passou por revista severa, portanto, há de ter achado um lugar para esconder o aparelho para a ousada ação.
Até Liu Xiaobo, o encarcerado ativista chinês e prêmio nobel da paz, perdeu lugar na mídia para ele, que também recebia informações de fora, mesmo por guardas que alimentavam secreta simpatia por sua causa. Imagine todo aquele gado, ovelhas e bodes peidando metano dia e noite. Eis a explicação do efeito estufa que vai nos afogar a todos com a subida do mar. Escrevia em tom profético em pedacinhos de papel que eram aguardados com imensa ansiedade do lado de fora. Não havia quem não se embasbacasse. Afinal, ele pagava com sua liberdade a causa mundial que abraçara.
Logo haviam incontáveis grupos de direitos humanos pedindo que fosse liberado seu cardápio vegetariano, até sua liberdade, embora tenha assaltado e matado um monte de gente. Isso porém, não foi a causa do desespero do diretor da prisão, o motim que ele liderava com sua fome, animou outros a pedirem também seu próprio cardápio. Aquilo virou um inferno, pois, diziam, se um quer comer só folha e tem direito, nós também temos direito ao que quisermos.
Por fim, já a ponto de ceder a qualquer coisa que fosse, o diretor viu-se diante de um tribunal que o condenou a servir apenas comida vegetariana ao prisioneiro e ainda multou o sistema prisional por extrapolar a condenação a que o preso fez jus por seus crimes. Sem contar que o dito cujo deveria receber uma indenização pelo sofrimento cruel a que foi submetido, à tortura de ter que comer carne, justamente contra aquilo que de nenhum homem deve ser aviltado, seus princípios.

segunda-feira, 6 de dezembro de 2010

Se gritar “pega ladrão”...

A vendedora D., de 39 anos, foi à Ouvidoria Unificada, no 16º Batalhão (Olaria), nesta quinta-feira (2), para dizer que sua casa, no Conjunto de Favelas do Alemão, na Zona Norte do Rio, foi invadida por policiais militares na tarde de quarta (1º). “Levaram minha coleção de perfumes importados. Foram sete vidros de perfumes, três deles ainda fechados. Além disso, eles roubaram R$ 680 que usaria para pagar a fatura do meu cartão de crédito. Agora, estou sem dinheiro para pagar minhas contas”, disse a vendedora.
Fonte: G1
Ouvidoria da Polícia, boa tarde. Eu quero fazer uma denúncia. Seu nome senhora. Drica. Apenas Drica? Sim. Sobrenome. Drica Silva. Desculpe senhora, mas não podemos anotar apelidos. Mas meu nome é este mesmo. Quer dizer. De batismo, assim, é Raimunda Nonata Silva. Mas desde que me entendo por gente me chamam de Drica. Lá pelos dezesseis anos, sabe? É que riam do meu nome na escola e aí eu inventei este nome e pedia para me chamarem somente Drica. Quase esqueci o nome de nascimento.
Pois não, senhora. O que gostaria de relatar? É que esta invasão da polícia aqui na comunidade não foi estas coisas que tão dizendo aí na televisão. Que foi tudo maravilha, que os pessoal da comunidade acolheu tudo, que criacinha dava copo d’água pra polícia e estas coisas e tal. Pois não, senhora. Para eu estar anotando sua reclamação ou sugestão, a senhora tem que ser mais objetiva. O quê? A senhora tem que dizer o motivo de sua ligação, para eu estar anotando e registrando. Ah...
Tô ligando porque os polícia roubaram minha casa. Pode repetir, senhora? Você não tá ouvindo, meu bem? Os polícia invadiram minha casa para catar traficante e roubaram. Eu nem tava em casa.  Positivo. Que objetos foram retirados? Minha coleção de 11 perfumes, sendo dois importados, e setecentos reais. Inclusive, tinha perfume que nunca cheguei a usar. Perfumes... setec... Por que você está repetindo o que eu falo? Senhora, um momento. O que a senhora disse? Perguntei porque repete o que digo. Nós precisamos estar anotando para o registro de sua queixa estar sendo investigado posteriormente.
Sua queixa foi registrada. Obrigado por utilizar o serviço da ouvidoria. Sua identidade será mantida sob absoluto sigilo e será encaminhada ao setor competente. Ei, eu não terminei. Como é que vai ser investigado? E meus perfumes? E o dinheiro que ia pagar o cartão? Tô agora sem perfume, coisa que não posso passar sem e ainda por cima meu nome vai pro spsc e serasa. Sou capaz de reconhecer a cara dos três malandros fardados. Eu tava subindo a comunidade e os três passaram por mim com um saco preto. Eu desconfiei que não estavam fazendo coisa que preste, até senti o cheiro de perfume neles. Aqui pra nós, até rebolei mais, porque um deles até não era de se jogar fora e gosto de homem cheiroso. Nunca podia adivinhar que o patife estava levando meus perfumes que amo tanto.
Senhora, sua queixa foi registrada com sucesso. Sim, e daí, o que acontece agora? Estaremos encaminhando ao setor competente para a devida investigação. A senhora será contatada, caso seja necessário. A senhora confirma que pode reconhecê-los? Claro, um por um. Então não se preocupe. Alguma coisa mais que a senhora deseje estar relatando? Não. A ouvidoria agradece sua participação e lhe deseja um feliz natal e um próspero ano novo.

segunda-feira, 29 de novembro de 2010

Macarrão sem perna

Agentes da Polícia Civil encontraram uma perna mecânica que seria do traficante conhecido como Macarrão, integrante da facção criminosa suspeita de ordenar os ataques em série no Rio. A prótese foi encontrada nesta sexta-feira (26) durante operação na Vila Cruzeiro, na Penha, no subúrbio do Rio. Nesta noite, não havia informações se o traficante tinha sido baleado por policiais (Foto: Marcelo Piu/ Ag. O Globo)

Fonte: Do G1 RJ
José Pereira da Silva, 28, pardo, instrução fundamental incompleta, sem ocupação formal desde os 11 quando trabalhou como engraxate e depois como vendedor de picolé nas praias cariocas. Aos quinze, foi recrutado pelo tráfico. Apesar de altura razoável, não tinha carne para encher a estrutura. É dessa época o apelido de “macarrão”. Alcunha nada assustadora para um assassino frio que atirava até em cachorro ou qualquer coisa que se mexia, quando estava de plantão na boca, só por diversão.
A frieza e crueldade lhe garantiram subida meteórica na estrutura do tráfico. Além disso, sempre contou com uma coragem quase suicida. Aos dezessete, era gerente de boca. Contava então, com quatro mortes. A primeira numa festa porque queria impressionar uma menina. A segunda, num assalto, a vítima espirrou. A terceira, um traficante de um grupo rival e a quarta, outro traficante, que se esqueceu de pagar o que devia. Aliás, esta morte lhe garantiu a gerência.
De gerente, “macarrão” tornou-se administrador de várias bocas. Neste período, com outros colegas, meteram o chefe no microondas para assumir o poder. Criou sua própria facção que denominou Morro Feliz. Num enfrentamento com a polícia, em fuga alucinada pelo morro, caiu de um barranco e destroçou a perna, mas dentro da vala, não foi visto pelos policiais. Companheiros o resgataram e o levaram a um hospital clandestino, mantido pelo tráfico, onde amputou a perna. Desde então, anda com uma prótese mecânica.
A vida mudou muito. Além das brigas por áreas de venda com outros bandidos, o que faz parte do negócio, enfrenta os milicianos – policiais bandidos – também precisa encarar a polícia que criou a ocupação permanente dos morros. A vida era mais simples. Como dizia Lúcio Flávio, seu herói, antes bandido era bandido e polícia era polícia. Agora é uma confusão dos diabos. Ele anda meio macambúzio. Perdeu o morro onde morava e vendia seu produto calmamente, agora vive num buraco e só sai à noite como um rato. Acostumou-se, é verdade, mas o último acontecimento, para ele foi a gota d’água.
É certo que “macarrão” passou poucas e boas com a perda da perna. Mas consolava-se: guerra é guerra. Era como um troféu no corpo, afinal. Ganhou até mais respeito. Para sua idade, no tráfico, era decano. Manteve relativo poder, mas a polícia estava infernizando sua vida. A prótese, por outro lado, era quase uma namorada. Companheira querida. Sabia que com ela podia contar, menos, é evidente, para uma carreira desabalada por vielas das favelas. A prótese, que ele apelidou secretamente de lucinha, devolveu-lhe a sensação de ser homem. Não no sentido sexual, mas na inteireza. Até esquecia que não tinha perna.
Dormia com lucinha, momento em que até podia se separar da prótese, mas macarrão sentia falta, além de achar um desrespeito. Seria justo deixar lucinha num canto, à noite, no frio? E se ela sentisse medo? Pensava. Aquela, sim, era carne de sua carne, não aquelas interesseiras que só gostam da grana do traficante. Ao vê-la pendurada nas costas de um policial que tomou seu último refúgio, doeu fundo. Era por tudo. A perda de lucinha era outra amputação. Sofreu pela desfeita de vê-la carregada como coisa qualquer. Exposta em sua nudez, banalizada, como um troféu barato. Aquele homem, certamente, não tinha coração.

segunda-feira, 22 de novembro de 2010

Esposas por preços módicos

Em postes de Nanning, a capital da província, um panfleto anuncia: "Com apenas 20 mil yuans [R$ 5,2 mil], você pode se casar com uma vietnamita dentro de apenas três meses. Oferecemos garantias: apenas virgens; sem pagamentos extras; enviaremos outra se ela escapar no primeiro ano".
Enfrentando a crescente desproporção entre os sexos, homens chineses estão recorrendo a casamentos arranjados com mulheres vietnamitas, a maioria pobres, via agenciadores ou internet.

Fonte: Folha de São Paulo

Odiava ser tímido, mas que podia fazer? Quando o assunto era abordar mulheres, então, um quadro sintomatólogico equivalente a um surto se instalava: sudorese, taquicardia, tremor nas mãos, voz embargada, vista turva... Amigos se compadeciam e tentavam ajudar como podiam, mas Chen Fu continuava quase autista diante de uma mulher. Existisse um Freud Chinês e já diria que haveria algo como uma fixação na mãe que o impedia de se relacionar com moças. Mas não era nada disso.
As mulheres chinesas, fruto desta descomunal mudança de costumes e cultura que o capitalismo comunista produziu, transformaram-se completamente. Não chegam a ser feministas, são encarnações de modelos genéricos ocidentais, numa improvável mistura de preparo técnico, consumismo de badulaques femininos e ambição. Além disso, estão numa invejável posição no ranking demográfico do país. Há quase 40 milhões de homens a mais.
Foi-se o tempo daquelas mulheres a passinhos curtos, obedientes, pacatas e à disposição de seu rei, o homem. Querem estudar, crescer profissionalmente, beijar muito na boca e depois, muito depois, achar um cara rico e bem apanhado – não necessariamente nesta ordem –, para casar. Chen Fu não se encaixa muito bem neste padrão. O bem apanhado é secundário quando a grana se contabiliza na casa dos seis dígitos, é certo, mas o danado é que Fu não passa de uma peça numa das incontáveis linhas de produção de uma fábrica.
Vive parcamente, sem exageros e economiza com paciência oriental. Fato que lhe rendeu alguns yuans debaixo do colchão. A solução para o impasse casadoiro, parece, chegou. Um amigo lhe trouxe um folheto que propagandeia a venda de esposas. São vietnamitas famintas. Encomenda-se a mulher e três meses depois, eis o pacote na porta. Não oferecem teste drive. Aliás, dão garantia de virgindade ou o dinheiro de volta. O folheto, no entanto, não explica como podem dar tal garantia. Ah, também garantem a reposição do produto, caso fuja. Sem custos a mais, o que é uma boa vantagem, afinal, nunca se sabe.
Chen contou as economias e aparentemente será possível adquirir uma mulher. O mercado, porém, está inflacionado. A velha lei da oferta e procura faz das suas, mesmo na China. Pior ainda, alguns agenciadores costumam não entregar o produto ou entregam peças já bastante rodadas. Como saber qual é honesto? Pois não dá pra saber. Aliás, o pagamento tem que ser adiantado. Dizem que é para os custos de transporte, alimentação. Por quase nada, entregam a muher maquiada e vestida de noiva se o comprador desejar. Alguns contrabandistas mais afoitos presenteiam  o casal com um vídeo do kama sutra feito nos porões de bollywood. Fu está que não se aguenta, vai comprar o pacote super full size master.

quinta-feira, 18 de novembro de 2010

Quem não tem cão caça assim mesmo

A independência feminina atingiu níveis extremos. Neste domingo, uma taiwanesa informou que se casou consigo mesma depois de oferecer um banquete de casamento.
Chen Wei-yi, 30 anos, anunciou seus planos de "autocasamento" no mês passado e virou sucesso na internet.

Fonte: G1

Fez o que se esperava dela. Estudou, formou-se e conseguiu um excelente emprego. Como boa representante das mulheres modernas, ocupou seu espaço no mercado de trabalho e nem se lembrava de que isso, noutros tempos, era o supra sumo da emancipação feminina. O sucesso no trabalho lhe permitiu ter casa e uma confortável condição financeira. Não que fosse rica, mas podia se dar alguns mimos que toda mulher adora: comprar uma bolsa nova, ir ao cabeleireiro, comprar aquele sapato super na moda. E isso tudo sem se preocupar se iria faltar grana para coisas essenciais.
O chamado da natureza, entretanto, desafiava suas conquistas materiais. Queria um homem que fosse seu. Um com quem dividisse as benesses e as pequenas agruras daquela vida pacata e sem muita emoção. Quem sabe um filho, mesmo que a idade já ameaçasse esta aventura. Não era velha nem feia, tinha lá seus predicados, mas o produto homem estava deveras escasso. Um homem com certas qualidades, bem dito, pois homem do gênero masculino até que se achava e poderiam ser úteis para coisas mais prosaicas, mas a sensibilidade e o bom senso diziam que não bastaria a funcionalidade de um garanhão, era preciso algo mais.
Pretendentes houve, mas o nível de exigência aumentou com o passar dos anos e com isto, a impaciência. Não foi falta de esforço. Participou de montes de saites de relacionamento. Chegou a pagar para profissionais casamenteiros. Nada. Quem precisa de homens? Perguntava entre irada e despeitada. Podemos fazer tudo sem eles, respondia para si mesma. E então, baixada a guarda, se pegava fantasiando com braços fortes que a envolveriam, beijos ardentes e o cheiro de homem, qualquer homem.
Eis que num desses devaneios teve a ideia revolucionária. Por que não casar-se consigo mesma? Certo, o problema principal, a falta de homem, não seria resolvida, mas teria, sem dúvida, um efeito poderoso na sua auto-estima, na sua confiança, no seu amor próprio. Era prova cabal de que homem é bicho relativo e afinal, uma mulher determinada pode fazer tudo sem eles. Que se danassem!
Fez os preparativos, convidou amigos e familiares. Ela se casaria, anunciava. Surpresa geral. Amigas ficaram com raiva por ela não ter dividido o segredo que havia conhecido alguém. Quem sabe descolavam um homenzinho também. Familiares fofocavam que casar, assim, sem conhecer a pessoa, era uma temeridade. Está desesperada, diziam. Ninguém atentou que o convite não tinha nome do noivo.
No dia da festa a curiosidade era geral, pois a esta altura haviam descoberto o pequeno detalhe: faltava um noivo. A marcha nupcial clássica ecoou no recinto. A noiva entrou. Flashes pipocavam, uma equipe captava cada imagem. Buquê, vestido branco, olhos marejados. A emoção tomou conta de todos. As mulheres comentavam o modelo do vestido, o sapato, a maquiagem, a grinalda e a decoração. Metade do mundo já sabia do inusitado autocasamento.
O que era quase insanidade, extravagância, ganhou ares de modernidade, de valor e de moda. Era uma nova revolução feminina. As mulheres já se pegavam fazendo o mesmo ato e provaram isso amontoando-se feito loucas para pegar o buquê. Dali sairia uma sortuda. Os governos desesperados, pois a se concretizar este tipo novo de formação familiar, estariam fadados ao desaparecimento. Os homens? Ah, que se casassem consigo mesmos também.

sexta-feira, 12 de novembro de 2010

Adultério

Com seus nove anos, é um leitor voraz. Adora histórias. Que outro livro tem tantas histórias intigantes e incrivelmente aventurescas quanto a Bíblia? Sei que esta é uma razão porque gosta de lê-la, e o fato é que pegou o hábito e toda noite lê um tico assim. No momento, lê o Evangelho de Mateus. Perguntado se tinha lido sua porção do dia, ele respondeu positivamente. O que tinha lido? Perguntei. Do adultério, respondeu com uma segurança inabalável.
Como se sabe, este subtítulo destaca a parte do famoso sermão da montanha onde Jesus se dedica a ensinar sobre adultério, por suposto. A resposta aguçou minha curiosidade. O que ele teria entendido? Você sabe o que é adultério? Sei, disse calmamente. Claro, eu quis saber e ele afirmou tão categórico que, por momento, quase acreditei em sua versão. Significa: não adorarás outros deuses.
Ri antes de pensar enquanto ele me olhava confuso, afinal, tinha certeza de que sua definição era a certa. Tive que explicar o que adultério era naquele exato contexto. Ele fez um ah... ensimesmado. Era sinal de que teria compreendido. Suponho, porém, que preferia a versão de seu próprio dicionário.
O menino, em sua intuição infantil, acertou na definição de adultério. Os profetas não se cansam de dizer que o povo adulterou com outros deuses, o que supõe ter abandonado o Deus-marido. E as descrições chegam a níveis bastante detalhados como a figura dantesca da esposa-nação adulterina com as vergonhas expostas, abandonada pelo amante, etc. A aula magna sobre o tema, com esta perspectiva, está no livro de Oséias.
Duas coisas me ocorrem: adultério tornou-se mais um vício de costumes do que um pecado. Os adúlteros de hoje não sentem que tenham ofendido a Deus, quando muito, à pessoa a quem traíram. Pesquisas revelam de vez em quando, em percentuais bastante chamativos, que homens e mulheres são igualmente praticantes da traição amorosa, um pouco mais estes que aquelas. Não por um pendor especial dos homens para a infidelidade conjugal, mas por cultura machista e indigente justificativa de que macho que é macho...
O adultério é, atualmente, algo de foro íntimo, das relações pessoais. Seguindo a evolução dos costumes, até foi banido do Código Penal como crime. É curioso que a mesma sociedade que furtivamente diz que adultera é a mesma que o condena fervorosamente em público. E há os que fazem galhofa com o tema, chegando a haver “clubes de cornos” em alguns lugares do país. Nem se fale das músicas “dor-de-cotovelo” que, entre outras coisas, se inspira nas traições.
A segunda coisa que me ocorre é se seria possível haver adultério com Deus. Explico, não confundo as coisas. Quero dizer, usa-se o nome de Deus, mas os fins são manipulados para outras coisas. Alguns começaram com exorcismos apoteóticos na tv, caçada a demônios em terreiros e aos poucos o eixo foi mudando para oferecer um produto inacreditavelmente bem aceito: promessa de vida melhor, cura de doenças, sucesso financeiro. Tudo aqui mesmo, ao alcance da mão na esquina mais próxima. Vendem milagres - O que nove entre dez igrejas ofertam –, não à toa algumas têm a expressão no próprio nome, quando não, no lema. E estes tão rápidos e impossíveis que faria corar os santos católicos São Judas Tadeu e Santo Expedito que, segundo dizem, tem boa experiência na área. A disputa agora no marketing religioso é para provar que naquele espaço existe algo como que um canal direto com as vastidões celestiais e a resposta é certa. Nada dispendioso, por módica quantia...
Talvez fosse hora de um adultério ao contrário. Seguindo a lógica do pequeno leitor, adulterar com Deus mesmo. Trair estes demiurgos que levam seu nome, como remédios falsos vendidos por camelôs e mais representam egos inflados, santos do pau oco, vendilhões de quinquilharias espirituais, aspirantes a diabo em seu orgulho e loucura.
Traiamos estes deuses pequenos, Simões que se arvoram grande poder. Cheguemo-nos à simplicidade de uma vida que acontece no tempo, no caminho estreito, na luta diária sob a graça, na produção do novo ser no fazer o bem, sabendo que cada dia tem seu próprio mal.

segunda-feira, 1 de novembro de 2010

Segundo turno

Meu calibre, acho, é bom. Se dizia também que uma pessoa conservada era porque tinha boa carnadura, então, digo cá em meu favor, tenho boa carnadura. Não canto vantagem como certos conhecidos meus que pintam o cabelo, bigode e sobrancelha, se entopem de viagra e querem vender saúde e saliência como se tivessem vinte anos, perigando virar notinha de página policial: “idoso morre de ataque cardíaco fulminante nas dependências de um motel”. Me contenho. A mecânica está conservada, mas bem usada, tem que usar com moderação.
Se faço voltas, perdoem-me leitores, apenas quero estabelecer uma base para contar o acontecido. Fato que resulta do destrambelho nesse país, não de minha pessoa. Imagino que todos estão familiarizados com a confusão de documentos que resolveram fazer justo às portas das votações. Obrigam-nos a tirar o título eleitoral, mas, na prática, ele não vale sozinho, para votar tem que levar outro documento com foto. Agora, parece, vota-se apenas com o documento com foto, esta é a picuinha dos burocratas. E o título de eleitor? Falta nos explicarem para que serve mesmo.
A cisma deles, afinal das contas, é com a foto. Se o documento apenas diz seu nome, número, seja do que for, não serve. Acontece que ninguém diz que a foto deve ser assim, assado. Apenas diz: “documento com foto”. Ora, sou pessoa cuidadosa e documento meu dura que é uma beleza. Ainda uso minha primeira identidade.
Fui votar. Chega minha vez. Sempre me emociono. Não tem nada que ver com o ato cívico, cidadania, estas baboseiras todas com que tentam justificar o que nos obrigam a fazer, votar. É nervoso mesmo de errar os botões. Uma mocinha e um rapaz de seus vinte anos eram os mesários. Documento, disse a menina com voz neutra. Eu prontamente entreguei. Ela olhou, embatucou, cochichou com o outro, na minha frente, vejam que educação. Voltou-se para mim. O senhor tem outro documento com foto? Percebam a teima dessa gente. Não, senhorita. Algum problema com meu documento? Ela, sem jeito. Desculpe, é o senhor mesmo? Aquilo foi como uma facada. Como assim, é o senhor mesmo? Claro que sou eu. Um pouco mais jovem... Tomei o documento nas mãos e já duvidava que tivesse pegado errado de outra pessoa. Sim, sou eu. Não via diferença. E a menina insistente. Não parece com o senhor de jeito nenhum.
Numa hora dessas o que que se faz? Olhei para trás e a fila aumentara, o povo incomodado e eu ali sem palavras para provar que eu era eu. Você não consegue ver nenhuma parecença? O quê? Olhe as entradas, são as mesmas, só um pouco mais pronunciadas. E estava eu mostrando a testa que aumentara cocoruto a dentro. Os dois fizeram cara de pasmo. Talvez seja a foto que está um pouco apagadinha. O nariz, minha filha, olha este nariz, é igual. Postei-me de lado para ajudar no reconhecimento enquanto a menina tinha uma enorme interrogação na cara.
Estava desistindo, acabavam os argumentos, sentia-me ridículo e desamparado. Como provar que que aquele que ali estava era eu mesmo? A menina e seu colega também estavam se aperreando, pois da fila vinham muxoxos e reclamações com a lentidão deles e foi isso que me salvou. Olhe, disse ela, eu vou deixar o senhor votar, mas este aqui – apontou para o documento – não parece nada, nada com o senhor. Diante da urna, sem mais qualquer sentimento, absorto na minha desparecença comigo, me vinguei. A sequência de candidaturas ia aparecendo e eu: nulo, nulo, nulo. Eles é que são os culpados deste desmantelo.
Em casa, a mulher me achou esquisito, pois insistia em olhar para o espelho. Quando me dei conta, ela me chamou a atenção, estava eu tresvariando: por favor, diz que eu sou eu memso e me dá logo um beijo na boca. 

domingo, 24 de outubro de 2010

Louro é a vovozinha

O papagaio-verdadeiro (Amazona aestiva) é uma ave comum no Brasil. Soró, morador de Moema (zona sul de SP), faz parte dessa espécie, mas não merece o adjetivo.
Portador de epilepsia, doença rara para um papagaio, Soró tornou-se alvo de uma disputa judicial entre a socióloga Tânia de Oliveira, 63, e o Ibama de São Paulo.


Fonte: Folha de São Paulo (21/10/2010 – Caderno Cotidiano)

Ainda estou abalado no meu psicológico. Verdade que a juíza foi justa e conscienciosa, pois analisou a condição humana em jogo e não a letra fria da lei pura e simples. Mas, pergunto, até quando? Ainda não é uma decisão definitiva. As consequências de tal perseguição têm sido terríveis. Perdi o apetite, o sono, o humor e me assusto por qualquer coisa. Fui ao médico e ele suspeita que estou com depressão. E como não haveria de estar? Aqui em casa todos estão macambúzios com tudo que está acontecendo. Algo kafkaniano nos persegue.
Vem um e diz: ele deve pagar, ser solto ou ser morto. Baseado em quê? Nada. Uma lei abjeta, imprópria e estes mequetrefes ad libitum (ao bel prazer) querem impingi-la a mim que ab ovo (desde o princípio) vivo na paz e nunca fiz mal a ninguém. Mas o que importa para eles? A lei. As pessoas e suas relações não contam nada. São zumbis de um sistema impessoal que só se satisfaz com o cumprimento da regra e alguém tem que ser punido: Ecce homo (Eis o homem).
Não fosse esta boa decisão da meretíssima, que inclusive pôs a nu o factóide, eu estaria perdido. Não gosto de falar, mas tenho epilepsia que, digo em má hora, se agrava e muito quando estou nervoso. Só hoje dei uns dois piripaques. Certo que, aqui entre nós, exagero um pouco, porque tenho boa vida entre os meus e minha doença de muito diagnosticada, me é o passaporte para a liberdade. Significa ficar em São Paulo, viajar, ir a teatro, cinema, ver TV e muitos etc. Os biltres querem me condenar à selva, assim sem mais. A selva é para os índios, não para mim. Sou lá eu um degredado cabralino que por aqui foi jogado?
Perdoem-me o latinório, mas sou pessoa sofisticada e se não entendem, que se apeguem ao dicionário, assim, ex abrupto (intempestivamente), só posso fazer uma coisa: manter-me na farsa. Minha epilepsia está mais para uma azia dos diabos quando como roquefort, mas fazer o quê? Tive a simpatia de meu médico que cometeu esta impropriedade diagnóstica, coisa à toa quando se trata de salvar uma vida, a minha, claro. Ipse dixit (Ele disse), quem pode contestar?
Minha amiga e companheira chora e se descabela. Estamos juntos há 26 anos, não se desfaz uma amizade destas só porque o Estado exige para satisfazer uma meia dúzia de debilóides verdes. Há que ver o drama humano em jogo. Meu drama. Peço ajuda a todos os amigos. Ora pro nobis (ora por nós). Defendei minha causa que sou injustiçado. Exilado entre muriçocas e cobras e monstros. Quae erit mea sors?(Qual será a minha sorte?) A morte degradante, meus amigos. O fim, despedaçado pelas feras, é isso que me aguarda se ao léu for deixado.
É justo punir quem se autotutelou, ganhou autonomia, se educou e hoje é um cidadão cumpridor de seus deveres? Falam em diferenças, minorias, mas não somos todos parte do mesmo mundo e realidade? Não temos um destino comum? Isso, por si só, não deveria nos fazer solidários uns com os outros? Como já disseram Hobbes e Plauto antes dele: hominem homini lúpus (o homem é o lobo do homem). Nua e crua realidade. Se não fosse a juíza que viu o disparate, o desarrazoado do pedido vil, estaria eu, a esta altura, perdido, manquejando solitário numa hiléia que animal hominem inclinat in (transforma o homem em fera).
Encerro este meu libelo pela liberdade, este apêndice da declaração universal dos direitos humanos (perdoem a altaneirice). Apenas digo: quis libero liberam esse (a liberdade de um homem, é a liberdade de todos). Assino de próprio punho: Soró.

quarta-feira, 20 de outubro de 2010

A máquina de ler pensamentos

Uma mulher de 42 anos foi agredida em Franca porque traía o marido "em pensamento". A vítima, que sofreu agressões na noite de segunda-feira, foi presa no dia seguinte em seu apartamento, no bairro Vicente Leporace.
Segundo o delegado que atendeu a ocorrência em Franca, o acusado disse ter agredido a mulher porque ela o traía "por telepatia" e "pensava em vários homens".

Fonte: FOLHA, DE RIBEIRÃO PRETO

Como é que tu explicas uma coisa dessas, Cróvis? (o nome não é erro de grafia). Ele coçou a cabeça à procura de palavras, mas quando falou desandou a história inteira. Atropelou-se que precisei pedir calma para que se refizesse. O acontecido ainda lhe causava enorme comoção. Não fora preso, mas a vergonha de ter sido exposto e fichado como agressor de mulher, a condenação, mesmo em serviços comunitários, lhe humilhava.
Namorei aquela mulher durante quatro anos. Sempre fui apaixonado, tu sabes disso. Há três meses e pouco resolvemos morar juntos. Nunca tive nada a dizer dela. Carinhosa, atenciosa e companheira. Bem, nunca tive antes. Até que construí a máquina de ler pensamentos. Não duvide, a máquina funciona, não fosse isso, eu não teria descoberto que Delícia era uma adúltera. Eu estava aturdido. Sabia que Cróvis era quase gênio, mas uma máquina de ler pensamentos? Isso era coisa de ficção. Mas não queria que parecesse que eu duvidava de galhofa, de pouco caso. Quis saber mais sobre o tal invento.
Terminei a máquina há alguns meses, guardava segredo porque vai revolucionar o mundo. Semana passada estava eu e Delícia vendo um filme e o mocinho era um destes bonitões de Hollywood. Havia esquecido o aparelho ligado e então, ainda com os fones, comecei a ouvir os pensamentos de Delícia. E o que ela dizia? Me interessei. E eu lá tenho coragem de dizer. O pior desavergonhamento. Na minha frente. O supra sumo do desrespeito.  Quer dizer, devia fazer isso o tempo todo ou não teria agido ali, debaixo de minhas ventas.
Traiu em pensamento, por telepatia se você quiser entender assim, mas traiu. Se fez na minha frente, o que não fazia pelas costas? Mas você acredita mesmo que ouviu os pensamentos de Delícia? Alto e claro. Como é que um homem agüenta uma coisa assim? E ela nem se tocou, acredita? Eu ouvindo tudo e ela balançando a perninha, olho vidrado no pé de pano, enrolando o cabelinho com jeito de dengo. E não foi somente nesta vez. Na rua, na praia, no shopping. Isto não se faz.
Mas Cróvis, precisava bater e prender Delícia em casa. Eu me arrependo. A Delícia sofreu, coitada, perdi a cabeça. Mas por outro lado, eu tinha que deixá-la longe da tentação. Se o olho não vê a cabeça não pensa. Cróvis, não me leve a mal, mas você se sente traído porque Delícia pensou noutro homem? Não é só pensar, é o tipo de pensamento. Perdi a confiança nela, ô diaba que me enfeitiçou. Sinto raiva, dó e amor por ela. Estou um traste. Odeio a máquina, mesmo que agora um monte de gente queira comprar. Mas aviso aos que querem descobrir segredos de suas mulheres. Melhor não saber, vai ser criativa assim na safadeza lá no inferno.

segunda-feira, 11 de outubro de 2010

Vai encarar?

Luiz Felipe Pondé (filósofo)


SOU CONTRA o aborto. Não preciso de religião para viver, não acredito em Papai Noel, sou da elite intelectual, sou PhD, pós-doc., falo línguas estrangeiras, escrevo livros "cabeça" e não tenho medo de cara feia. 
Prefiro pensar que a vida pertence a Deus. Já vejo a baba escorrer pelo canto da boca do "habitué" de jantares inteligentes, mas detenha seu "apetite" porque não sou uma presa fácil.
Lembre-se: não sou um beato bobo e o niilismo é meu irmão gêmeo. Temo que você seja mais beato do que eu. Mas não se deve discutir teologia em jantares inteligentes, seria como jogar pérolas aos porcos.
Esse mesmo "habitué" que grita a favor do aborto chora por foquinhas fofinhas, estranha inversão...
Não preciso de argumentos teológicos para ser contra o aborto. Sou contra o aborto porque acho que o feto é uma criança. A prova de que meu argumento é sólido é que os que são a favor do aborto trabalham duro para desumanizar o feto humano e fazer com que não o vejamos como bebês. E não quero uma definição "científica" do início da vida porque, assim que a tivermos, compraremos cremes antirrugas "babyskin" com cartão Visa.
Agora o tema é o "retorno" do aborto. O aborto entrou na moda neste segundo turno. É claro que esse retorno é retórico. Desde Platão, sabe-se que a democracia é um regime para sofistas e retóricos.
A relação entre democracia e marketing já era sabida como essencial desde a Grécia Antiga. Por que o espanto quando os candidatos, sabendo que grande parte da população brasileira é contra o aborto (talvez por razões religiosas vagas, talvez por "afeto moral" vago), se lançam numa batalha pelo espólio do "direito à vida"?
O marketing é uma invenção contemporânea, mas a necessidade dele é intrínseca a qualquer técnica que passe pelo convencimento de uma maioria, desde a mais tenra assembleia de neandertais.
A democracia é, na sua face sombria, um regime da mentira de massa. Quando essa mentira de massa é contra nós, reclamamos.
Não há nada de evidentemente justo em termos morais ou de moralmente "avançado" na legalização do aborto. O que há de evidente em termos morais é a desumanização do feto como processo retórico (exemplo: "Feto não é gente") e a defesa de uma forma avançada de "safe sex": "Quero transar com a "reserva de comportamento legal" a meu favor. Se algo der errado, lavo".
E não me venham com "questão de saúde pública". Esgoto é questão de saúde pública. A defesa do aborto nessas bases é apenas porque o aborto legal é mais barato. Resumindo: "Safe sex, cheap babies". E não me digam que o feto "é da mulher". O feto "é dele mesmo". E não me digam que "todo o mundo avançado já legalizou o aborto", porque esse argumento só serve para quem "ama a moda" e teme a solidão.
Não pretendo desqualificar a angústia de quem vive esse drama. Longe de mim! Mas em vez de gastarmos tanta "energia social" na defesa do aborto, por que não usarmos essa energia para recebermos essas crianças indesejadas?
Vem-me à mente dois exemplos, aparentemente de campos "opostos". Deveríamos aprender com a Igreja Católica e seu esforço de criar redes de recepção dessas crianças, aparando as mães em agonia e seus futuros filhos à beira da morte.
Por outro lado, são tantos os casais gays masculinos (os femininos sofrem menos porque dispõem de "útero próprio") que querem adotar crianças e continuamos a julgá-los, equivocadamente, penso eu, incapazes do exercício do amor familiar.
Sou contra a legalização do aborto porque o considero um homicídio. Muita gente não entende essa implicação lógica quando supõe que seriam razoáveis argumentos como: "A legalização do aborto permite a escolha livre. Se sou contra, não faço. Se minha vizinha for a favor, ela faz".
Agora, substitua a palavra "aborto" pela palavra "homicídio", como fica o argumento? Fica assim: "A legalização do homicídio permite a escolha livre. Se sou contra, não faço. Se minha vizinha for a favor, ela faz".
Quem é a favor do aborto não o é por razões "técnicas", mas por "gosto" ideológico.

Deus e o diabo (aborto) na terra do sol

Detesto horário eleitoral, disse Madronho. Eu quis saber o porquê. Antes que respondesse, eu, com ar professoral, defendi a necessidade do eleitor assistir ao horário eleitoral para saber das propostas dos candidatos. Madronho ouviu enfastiado, até que respondeu. Olhe, eu sei que o senhor é aí homi de muito conhecimento, cheio de leitura e eu não tenho nem uma coisa nem outra, mas não sou besta. Eu até assistia ao horário eleitoral, mas eles só dizem a mesma coisa. Prometem, prometem e no final das contas cadê o prometido? Eu não podia discordar muito do Madronho e, teimoso, insisti que assim mesmo convinha ouvir, até para saber se algum fala qualquer coisa que faça sentido para que se possa votar. Ele foi respeitoso, mas deu toda a indicação de que não estava nem aí para o meu palavrório.
Olha aí, já está quase na hora. Vamos testar os dois candidatos a presidente agora no segundo turno. É uma boa oportunidade, pelo menos são apenas dois falando abobrinha. Ele concordou, embora preferisse ouvir suas músicas no tocador de mp3 do celular.
        Começa a entrada. De acordo com a lei patati, patatá... horário eleitoral... etc e tal. Eu, de soslaio, acompanhava a linguagem corporal de Madronho que mantinha um ar blasé. Entra o primeiro candidato.
Eu sempre fui a favor da vida. Só uma pessoa capaz de colocar a sua vida em risco como eu fiz – toda mãe faz – pelo meu país, pode vir aqui e defender a vida. É uma infâmia o que estão fazendo comigo. Colocam palavras e opiniões na minha boca que eu nunca disse. Eu sou a favor das mulheres que fazem aborto porque é uma injustiça com elas. Os cristãos verdadeiros estão comigo, líderes renomados da cristandade, eles sabem que preciso de seu apoio e terão muito apoio no meu futuro governo, se Deus quiser. Bastará pedir uma estaçãozinha de rádio e tv, claro que para divulgar a mensagem de vida que eu prego também. Neste sentido estamos assim – encostou os dois indicadores em declaração de intimidade. Como não sou a favor da vida? Sou mulher, sou mãe, agora avó (e coruja – fez que segurava uma lágrima) e guerrilheira, desculpem, quis dizer guerreira pela causa da vida, vejam bem. Em off alguém esbravejou por causa da ideia de gênio de fazer a fala ao vivo. A pretensão era dar mais naturalidade à candidata. Eu agradeço a Deus por ter sido a mais votada. Então é com amor no coração, sob a proteção de nossosenhor, que vamos ganhar. Em nome do pai, do filho, espiritosantoamém. Beijou a pontinha dos dedos, indicador e polegar, que chegaram à boca em união contrita.
Madronho me olhou entre estupefato e incrédulo. Eu calei. Que ia dizer? Entra o segundo candidato.
Todos me conhecem. Sou a mesma pessoa desde que nasci. Eu não mudei de opinião. Sempre fui a favor da vida. É convicção. Madronho estourou. Lá vem esse aí também! Eu fiquei murcho no meu canto. E o candidato continuou. Eu não sou como umas e outras que estão por aí querendo o seu voto, que ontem era quase atéia, sei lá, e hoje mostra uma conversão falsa. Eu sou um cristão praticante e, como diria aquele célebre personagem de novela, praticante e juramentado. Sou a favor dos valores da família. Dos valores cristãos. Eu pelo menos rezo todos os dias, perguntem para minha mulher. Aliás, mulher é coisa sagrada pela sua missão de mãe, então, uma pessoa em sã consciência não pode ser a favor do aborto. Eu sou contra e ponto final. Não digo isso aqui só para agradar ao eleitorado. Mostram uma imagem do candidato lendo a Bíblia para uma eleitora. Volta. Estão vendo. Sou leitor fanático da Bíblia. Aquela moça, coitada, estava desencaminhada, acho até que queria fazer um aborto, mas ali, no meio da rua, eu a encaminhei à boa senda. Mas não me arrogo disso não para convencer você, eleitor, você vota no melhor e, casualmente, o melhor sou eu. Que os irmãos fiquem na Paz. Um beijo no coração.
Madronho me fuzilou com os olhos que cobravam uma explicação. Eu me saí com esta. Tá, Madronho, não aconteceu o que eu disse, mas na próxima eleição, quem sabe.

sábado, 9 de outubro de 2010

O QUE A DILMA DIZ SOBRE ABORTO NÃO É O QUE A DILMA DIZ

As eleições para a Constituinte de 1988 não inauguraram a participação dos religiosos – leia-se cristãos – na política brasileira, mas certamente é um marco que inaugura a fase da redemocratização. Desde então, nas eleições majoritárias, especialmente as presidenciais, eles protagonizam eventos, apoios, repúdios e colocam na pauta das discussões temas que lhe são caros, entre os mais explosivos está o aborto.
O Brasil é, pode-se dizer, um país cristão. A cultura, normas, costumes, todos os setores da vida nacional, estão marcados por aqueles valores que explicam alguns padrões comportamentais, crenças e convicções. Se estes são meros referenciais e, de fato, são poucos seguidos, é outra história. No entanto, um candidato a presidente que pretenda se eleger, ou evitar muita saia justa, deve ter um discurso que agrade  a esta maioria da população.
O recente imbróglio em torno do aborto – ele já apareceu noutras eleições –  explica-se porque a candidata petista, que já se declarou favorável a esta prática, agora afirma um discurso que nega sua antiga opinião. Há duas razões para a conversão de Dilma: Um movimento de repúdio a sua candidatura entre os cristãos, em função de seu apoio ao aborto e o fato de não ter ganhado no primeiro turno.
Posto isso, vejamos porque a Dilma não diz o que diz. No dia 29 de setembro, realizou-se uma grande reunião em Brasília de mais de três horas com lideranças católicas e evangélicas, para estes ouvirem de Dilma o que queriam ouvir. Ou melhor, darem apoio a sua candidata. Assim, como fiéis religiosos que ouvem seu profeta, aceitaram a declaração que transcrevo abaixo tal como a publicou o serviço oficial de imprensa, a Agência Brasil: “Pessoalmente eu não sou a favor do aborto. Sou contra o aborto porque considero uma violência contra a mulher. No entanto, não acredito que uma mulher recorre ao aborto em condições precárias porque quer”, disse a candidata. “Nós já temos uma legislação sobre o assunto”.
Trata-se da declaração final à imprensa pós encontro com os religiosos. Ela repetiria esta fala, com ligeiras modificações, várias vezes Brasil afora. Antes de analisar a fala propriamente dita, uma ligeira lembrança. O plenipotenciário líder da Universal, Edir Macedo, igreja alinhada ao governo, declarou que Dilma não se disse favorável ao aborto. Claro que mentia. Ele mesmo em várias ocasiões já se confessou favorável ao aborto (Está no seu livro, O Bispo, p 223), inclusive recomenda a pastores de seu negócio que o façam, pois ali tem uma norma relativa a número de filhos.
Em seguida, Gabriel Chalita, líder católico, segundo deputado federal mais votado em São Paulo, afirmou: “Dilma nunca disse ser a favor do aborto.” Também mentiu. As duas mentiras se justificam. A Universal é dona do PR (Partido da República) – o vice-presidente, José Alencar, pertence aos seus quadros – e tem interesses político-econômicos enormes. Chalita é aliado da candidata e agora seu avalista.
Agora à fala da Dilma. “Pessoalmente eu não sou a favor do aborto”.  O Lula, seu mentor e criador, disse isso em várias ocasiões quando políticas de seu governo avançaram na liberalização do aborto – está na proposta do Programa Nacional de Direitos Humanos (PNDH3) que ora aguarda votação no congresso. A afirmação dele até valeria uma análise de alguém que se confunde com o Estado, mas não cabe aqui. Enfim, ele colocava panos quentes, dizia que não era “pessoalmente” favorável, mas havia uma questão de saúde pública envolvida. Foi o caso no episódio da declaração do seu atual ministro da saúde, José Gomes Temporão.
O partido ao qual pertence o presidente e Dilma defende a liberalização do aborto. Decisão tomada em seu 3º Congresso (2007) – o tema é defendido, entretanto, desde 1991, pela CUT. Logo, os políticos do PT precisam defendê-lo. Aliás, já houve até ameaça de expulsão aos contrários. Quando tem repercussão popular, eles dizem que é opinião pessoal daquele político. Assim, Dilma mimetiza seu inspirador. Tergiversa. É diversiva. A ênfase na opinião pessoal aqui é um disfarce. Serve, inclusive, caso ganhe e queira implementar lei favorável ao aborto, para se safar de qualquer incômodo. Atentem. O PT, casuísticamente, pretende retirar esta bandeira, justo na hora em que sua candidata está ameaçada.
“Sou contra o aborto porque considero uma violência contra a mulher.” Percebam a sutileza. Esta frase tem o dna do discurso comum dos favoráveis ao aborto. Aqui acontece um baita ato falho da candidata, embora ele tenha trocado os sinais ligeiramente, pois afirma o contrário do que os defensores de carteirinha. E o discurso deles se baseia na liberdade de escolha da mulher – esta é a defesa do Macedo em seu livro. Na violência que a mulher sofre. Na discriminação da mulher. Etc, etc. Nem uma palavra sobre o ser que é extirpado. É como se não existisse.
É claro que mulheres morrem fazendo aborto em clínicas clandestinas e é grave. É possível que, como disse o presidente, os que estão contra a Dilma certamente já estiveram perto de  um aborto se não o praticaram. Embora esta defesa seja um despautério. Mas a discussão não é esta. A questão é que o Estado falha na educação, na segurança – as clínicas de aborto clandestinas todo mundo sabe onde ficam – na implementação de políticas de natalidade, em programas que enfrentem com seriedade a gravidez adolescente e por aí vai. Por que não um programa nacional de adoção de mães que não querem seus filhos, com pré-natal pago pelo estado. Eu me habilito a adotar uma criança. É mais fácil escancarar o aborto.
“No entanto, não acredito que uma mulher recorre ao aborto em condições precárias porque quer” Da violência contra a mulher, fala que contém um bom ranço feminista, Dilma conclui com isto. E o que significa? Nada. Exceto, destaco, que uma mulher que, sozinha, tenha cometido um aborto seja por que meio, deve receber atenção clínica e psicológica. Mas isso sequer justifica o ser contra ou a favor do aborto. Trata-se de uma questão prática, humana e ponto. Aborto tem a ver com um tipo particular de assassinato, a decisão de alguém de acabar com a vida de outro, justificado pela liberdade de escolha, por uma tal autonomia sobre o próprio corpo. O resto é balela. É Dilma e PT enrolando, se desdizendo, alegando que estão sofrendo calúnia e deslealdade. Puro teatro e dos ruins.