Ele esteve
submergido por bom tempo. Mas, como padece, digamos, de um tipo de compulsão, a
copa despertou-lhe um frenesi por opinar, esclarecer, desafunhunhar o país. A palavra
nos foi apresentada pela criatura dele quando de sua primeira e, para nosso
azar, campanha à presidência que a elegeu. À época, a palavra saiu no contexto nuncaantesnestepaiz. A expressão foi: Antes do presidente Lula, o Brasil estava
afunhunhado.
Afunhunhar – diz-se que a palavra correta, que
nosso Aurélio desconhece, escreve-se afunhanhar – termo caipira para fazer
saliência ou espremer um num canto. Logo, a Dilma disse que o Brasil, antes de
seu Victor Frankenstein, era... aquela palavra que começa com f e se conjuga em
sua forma verbal no particípio passado (composto ou não) para se referir ao
Brasil e suas mazelas eternas.
Mas
ocupemo-nos do próprio gênio. Estava indignado com as cobranças descaradas de
um grupo que quer ir aos estádios, mas deseja deslocar-se de metrô, ônibus,
estas comezinhas formas de transporte que, noutros lugares, fazem parte do
cotidiano das gentes e que, neles, não são literalmente afunhunhados. Ora, isto
é, por suposto, uma exigência de gente “dazelite” que não quer andar nada. Uma
babaquice, segundo Lula, levar o metrô para dentro dos estádios. No que tem
razão. Imagine o vagão 62 correndo pela direita para fazer um cruzamento. Um
carrinho maldoso cometido pelo vagonete de serviço 02. A defesa espetacular da
composição Itaquera-Sé.
Sabedor de
nossa indigência cultural, ele nos socorre explicando sócio-antropologicamente
com uma frase lapidar: “Nós nunca tivemos problemas de andar a pé. Anda a pé,
vai descalço, vai de bicicleta, vai de jumento, vai de qualquer coisa. Acha que
a gente está preocupada?” Este catedrático nos encanta. Mas é sempre possível
que sua labirintite tenha infectado a parte pensante que ainda resta.
Uma semana
antes de tão brioso desafunhunhamento transportivo, arreliou-se com outra
reivindicação que também, convenhamos, é um disparate típico das classes C, D,
E. Parolava sua verborragia cheia de cacoetes de linguagem e ufanismo tolo e
então disse algo assim: reclamar da copa
por que não tem hospital, olha, sinceramente, eu acho isso um retrocesso. Toma
na tua cara!
O sistema
público de saúde, fora as poucas ilhas de qualidade, continua afunhunhado. A
população que dele depende, essa mesma é afunhunhada até o tutano em cima de
macas, parindo em calçadas, morrendo à porta de hospitais fechados, penando em
filas gigantescas madrugada afora. E esse zé povinho quer o quê? Hospitais
funcionando. Um retrocesso, pois devia era endoidar com a copa, como convidou a
Dilma. Falando nela, em momento de sinceridade num jantar com jornalistas
esportivos pediu que tirassem o Blater e o Valcker de suas costas. Experiente
em afunhunhagem, desde o tempo de terrorista, deixou os jornalistas sem saber
do que se tratava. Como assim dois, logo nas costas? Alguém, depois, com
coragem insana e atitude kamikaze, indagou o que seria a tão enigmática
afirmativa, no que a ex-pistoleira respondeu que se tratava de que eles eram
dois “malas”. Ufa, menos mal, já basta o povo afunhunhado.