segunda-feira, 19 de maio de 2014

Eu afunhunho, tu afunhunhas...



Ele esteve submergido por bom tempo. Mas, como padece, digamos, de um tipo de compulsão, a copa despertou-lhe um frenesi por opinar, esclarecer, desafunhunhar o país. A palavra nos foi apresentada pela criatura dele quando de sua primeira e, para nosso azar, campanha à presidência que a elegeu. À época, a palavra saiu no contexto nuncaantesnestepaiz. A expressão foi: Antes do presidente Lula, o Brasil estava afunhunhado.
 Afunhunhar – diz-se que a palavra correta, que nosso Aurélio desconhece, escreve-se afunhanhar – termo caipira para fazer saliência ou espremer um num canto. Logo, a Dilma disse que o Brasil, antes de seu Victor Frankenstein, era... aquela palavra que começa com f e se conjuga em sua forma verbal no particípio passado (composto ou não) para se referir ao Brasil e suas mazelas eternas.
Mas ocupemo-nos do próprio gênio. Estava indignado com as cobranças descaradas de um grupo que quer ir aos estádios, mas deseja deslocar-se de metrô, ônibus, estas comezinhas formas de transporte que, noutros lugares, fazem parte do cotidiano das gentes e que, neles, não são literalmente afunhunhados. Ora, isto é, por suposto, uma exigência de gente “dazelite” que não quer andar nada. Uma babaquice, segundo Lula, levar o metrô para dentro dos estádios. No que tem razão. Imagine o vagão 62 correndo pela direita para fazer um cruzamento. Um carrinho maldoso cometido pelo vagonete de serviço 02. A defesa espetacular da composição Itaquera-Sé.
Sabedor de nossa indigência cultural, ele nos socorre explicando sócio-antropologicamente com uma frase lapidar: “Nós nunca tivemos problemas de andar a pé. Anda a pé, vai descalço, vai de bicicleta, vai de jumento, vai de qualquer coisa. Acha que a gente está preocupada?” Este catedrático nos encanta. Mas é sempre possível que sua labirintite tenha infectado a parte pensante que ainda resta.
Uma semana antes de tão brioso desafunhunhamento transportivo, arreliou-se com outra reivindicação que também, convenhamos, é um disparate típico das classes C, D, E. Parolava sua verborragia cheia de cacoetes de linguagem e ufanismo tolo e então disse algo assim: reclamar da copa por que não tem hospital, olha, sinceramente, eu acho isso um retrocesso. Toma na tua cara!
O sistema público de saúde, fora as poucas ilhas de qualidade, continua afunhunhado. A população que dele depende, essa mesma é afunhunhada até o tutano em cima de macas, parindo em calçadas, morrendo à porta de hospitais fechados, penando em filas gigantescas madrugada afora. E esse zé povinho quer o quê? Hospitais funcionando. Um retrocesso, pois devia era endoidar com a copa, como convidou a Dilma. Falando nela, em momento de sinceridade num jantar com jornalistas esportivos pediu que tirassem o Blater e o Valcker de suas costas. Experiente em afunhunhagem, desde o tempo de terrorista, deixou os jornalistas sem saber do que se tratava. Como assim dois, logo nas costas? Alguém, depois, com coragem insana e atitude kamikaze, indagou o que seria a tão enigmática afirmativa, no que a ex-pistoleira respondeu que se tratava de que eles eram dois “malas”. Ufa, menos mal, já basta o povo afunhunhado.

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