domingo, 25 de maio de 2014

Avisado

O cliente reclama que seu ingresso de cinema foi carimbado como um alerta sobre conteúdo gay de um filme. Os donos da sala negam e dizem que o carimbo serve de controle para meias-entradas.

Fonte: BBC Brasil em São Paulo (22/05/2014)

O tititi foi grande. Tudo porque a vendedora de ingressos do cinema havia sido orientada a perguntar ao cliente se ele tinha certeza de que queria ver aquele filme. Caso confirmasse, receberia um ingresso com o carimbo: AVISADO. “Tem certeza de que vai querer estar assistindo este filme, senhor? Ele contém cenas fortes de sexo homoerótico.” O simpatizante da causa GLBBTThYZ espezinhou-se com aquilo e postou numa rede social. Em minutos, aquilo virou um meme. A produtora, que não sabia como colocar gente no cinema, aproveitou a deixa inesperada e faturou.
A empresa de cinema, num tempo de gente que se amofina pelas coisas mais comezinhas, teve que vir a público explicar-se que o AVISADO era parte de sua política para sei lá o quê. O debate desandou, mas sem maiores consequências: afinal, suspeita-se que o imbróglio pode ser apenas parte de um golpe publicitário para um filme que não despertou nada mais que bocejos e que, na ausência de uma história empolgante, carregou nas cenas de sexo homossexual. Nota: no festival de Berlim teve recepção fria na mostra competitiva de que participou e não deu nem para saída. Em algumas sessões, as pessoas saíram no meio do filme. Quer dizer, nada a ver com o tal relacionamento gay, é uma obra ruim.
Mas, antes que vocês leitores se entediem com esta conversa morna, imagine a vantagem que seria ter um AVISADO nos muitos bilhetes que você pegou na vida. Sei, sei, você agora se rói porque teve, sim, mas decidiu seguir em frente e quebrou a cara. Até tentou sair no meio da sessão, mas não deu. Teve que amargar todas as cenas até o fim, sem piar.
Diz-se que quem avisa, amigo é. Mas quem se importa? Conselhos ou avisos são ignorados porque cada qual quer ter sua própria experiência de vida. Certo que essa lógica é, na maioria das vezes, burra. Você já disse isso para si mesmo e ainda aguentou os “eu não disse?”
Não aceitar um aviso é, também, fruto de nossa cegueira. O avisador é quase uma espécie de profeta. A experiência e/ou o conhecimento fazem-no ver aquilo que para os demais não está claro. Imagine, num mundo em que se pensa a terra quadrada acreditar por arrazoamentos de um sei lá quem que é redonda. Que o sol estava no centro de nossa galáxia e não a terra.
Como será que eu reagiria, lá nos meus verdes anos, carregado de esperança e desejo de mudança, se alguém me dissesse que o Lula se tornaria o maior mitômano e cínico nuncaantesnestepaiz, eu que o assisti emocionado discursando na Deodoro sobre um outro Brasil que poderíamos ter e ser. Que desancou o Sarney como ninguém o havia feito até então. O avisador acrescentaria: Digo mais, o Lula presidente se aliará solidamente ao Sarney, elogiará este homem, em sua visão, excepcional. Que lhe concederá, de novo, o Maranhão como sesmaria e feudo por meio de patranhas, que dará de ombros às suas misérias por meio de conchavos às sombras escuras do poder.
Bom, eu teria reagido com raiva, teria me indignado com meu avisador. Eu o acusaria de querer minar nossa única esperança em anos. Ele teria rido tristemente e a história seguiria seu curso inexorável cuja realidade, desgraçadamente, assistimos.
Ah, mas como seria bom ter acordado com um aviso de minha mãe ou meu pai. Filho, faça assim. Olha, este caminho e escolha não vai dar em nada. Essa relação é uma roubada! Fica aqui, amigo. Quero-o do meu lado para este projeto. Eu olharia pelo buraco da fechadura e veria a outra vida que aquele aviso me apontava. É como se cada aviso mostrasse uma vida que poderia ser e, agora, é uma história que não aconteceu.

Que bom se nós, na hora do aviso, tivéssemos parado um instante para analisar as premissas, olhado pela pequena janela e visto a paisagem. Vivemos outras vidas e histórias. São nossas e somos nós – Cada um sabe a dor e a delícia de ser o que é... – e você se tornou um avisador e agora se agonia e ri com tristeza das certezas rotas de outros cegos.  

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