O cliente reclama que seu
ingresso de cinema foi carimbado como um alerta sobre conteúdo gay de um filme.
Os donos da sala negam e dizem que o carimbo serve de controle para
meias-entradas.
Fonte: BBC Brasil em São Paulo
(22/05/2014)
O tititi foi grande.
Tudo porque a vendedora de ingressos do cinema havia sido orientada a perguntar
ao cliente se ele tinha certeza de que queria ver aquele filme. Caso
confirmasse, receberia um ingresso com o carimbo: AVISADO. “Tem certeza de que
vai querer estar assistindo este filme, senhor? Ele contém cenas fortes de sexo
homoerótico.” O simpatizante da causa GLBBTThYZ espezinhou-se com aquilo e
postou numa rede social. Em minutos, aquilo virou um meme. A produtora, que não
sabia como colocar gente no cinema, aproveitou a deixa inesperada e faturou.
A empresa de
cinema, num tempo de gente que se amofina pelas coisas mais comezinhas, teve
que vir a público explicar-se que o AVISADO era parte de sua política para sei
lá o quê. O debate desandou, mas sem maiores consequências: afinal, suspeita-se
que o imbróglio pode ser apenas parte de um golpe publicitário para um filme
que não despertou nada mais que bocejos e que, na ausência de uma história
empolgante, carregou nas cenas de sexo homossexual. Nota: no festival de Berlim
teve recepção fria na mostra competitiva de que participou e não deu nem para
saída. Em algumas sessões, as pessoas saíram no meio do filme. Quer dizer, nada
a ver com o tal relacionamento gay, é uma obra ruim.
Mas, antes que
vocês leitores se entediem com esta conversa morna, imagine a vantagem que
seria ter um AVISADO nos muitos bilhetes que você pegou na vida. Sei, sei, você
agora se rói porque teve, sim, mas decidiu seguir em frente e quebrou a cara.
Até tentou sair no meio da sessão, mas não deu. Teve que amargar todas as cenas
até o fim, sem piar.
Diz-se que
quem avisa, amigo é. Mas quem se importa? Conselhos ou avisos são ignorados
porque cada qual quer ter sua própria experiência de vida. Certo que essa
lógica é, na maioria das vezes, burra. Você já disse isso para si mesmo e ainda
aguentou os “eu não disse?”
Não aceitar um
aviso é, também, fruto de nossa cegueira. O avisador é quase uma espécie de
profeta. A experiência e/ou o conhecimento fazem-no ver aquilo que para os
demais não está claro. Imagine, num mundo em que se pensa a terra quadrada
acreditar por arrazoamentos de um sei lá quem que é redonda. Que o sol estava
no centro de nossa galáxia e não a terra.
Como será que
eu reagiria, lá nos meus verdes anos, carregado de esperança e desejo de
mudança, se alguém me dissesse que o Lula se tornaria o maior mitômano e cínico
nuncaantesnestepaiz, eu que o assisti
emocionado discursando na Deodoro sobre um outro Brasil que poderíamos ter e
ser. Que desancou o Sarney como ninguém o havia feito até então. O avisador
acrescentaria: Digo mais, o Lula presidente se aliará solidamente ao Sarney,
elogiará este homem, em sua visão, excepcional. Que lhe concederá, de novo, o
Maranhão como sesmaria e feudo por meio de patranhas, que dará de ombros às
suas misérias por meio de conchavos às sombras escuras do poder.
Bom, eu teria
reagido com raiva, teria me indignado com meu avisador. Eu o acusaria de querer
minar nossa única esperança em anos. Ele teria rido tristemente e a história
seguiria seu curso inexorável cuja realidade, desgraçadamente, assistimos.
Ah, mas como
seria bom ter acordado com um aviso de minha mãe ou meu pai. Filho, faça assim.
Olha, este caminho e escolha não vai dar em nada. Essa relação é uma roubada!
Fica aqui, amigo. Quero-o do meu lado para este projeto. Eu olharia pelo buraco
da fechadura e veria a outra vida que aquele aviso me apontava. É como se cada
aviso mostrasse uma vida que poderia ser e, agora, é uma história que não
aconteceu.
Que bom se
nós, na hora do aviso, tivéssemos parado um instante para analisar as
premissas, olhado pela pequena janela e visto a paisagem. Vivemos outras vidas
e histórias. São nossas e somos nós – Cada um sabe a dor e a delícia de ser o
que é... – e você se tornou um avisador e agora se agonia e ri com tristeza das
certezas rotas de outros cegos.
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