terça-feira, 2 de abril de 2013

Reçeita para ir bem no Enem


A redação de um estudante que conseguiu 560 pontos no Enem (Exame Nacional do Ensino Médio) incluindo uma receita de macarrão instantâneo continua a gerar uma série de piadas na internet.
Um papagaio fêmea de 33 anos foi sequestrado, na última semana, na cidade de Santos, no litoral de São Paulo. De acordo com os donos de Loreca, como era chamado o animal, um motociclista o capturou e levou no baú da moto. 
Fontes: UOL (22/03/2013) e Brasil Urgente – Band (25/03/2013)

Esta semana que passou divulgou-se uma pesquisa em que o Brasil ficou em segundo lugar entre os países mais empreendedores. Quer dizer, 63% dos brasileiros querem ser patrão em vez de empregados. Perdemos apenas para a Turquia. Isso é bom ou ruim, não sei dizer, o que sei é que meu amigo Aristogênio é um legítimo representante desta classe. Um sujeito atento às oportunidades.
Como se sabe – fora a licença poética de um Adoniram Barbosa com “Arnesto nos convidô, prum samba ele mora no Braz, nóis fumo e num incontremo ninguém...” – escrever e falar errado é algo que corrompe a língua. Há que se ter um guardião para que não se assassine a gramática e se aproveite de forma lubricosa da sintaxe.
As redações do Enem são, por bem dizer, um retrato da ação daqueles guardiões iniciada, se tudo der certo – quase nunca dá – no beabá. O ministro da Educação e o corpo de sumidades que organizam e corrigem as redações devem zelar pela boa prática da língua de Camões e, por que não, introduzir novidades porque a língua deve receber uns saracoteios porque não é morta, pois, pois.
Eis uma grande oportunidade. Sabendo que se pode colocar qualquer tema, em doses homeopáticas, por suposto, entremeado ao tema principal, Ari agora ensina aos alunos como colocar temas estrambóticos e escalafobéticos no corpo da redação. É que escrever trinta linhas é um exercício extenuante. Por exemplo, o gênio da receita do miojo colocou a receitinha, instrutiva, elegante e muitíssimo útil para os momentos de aperreio da fome, especialmente financeiros. Perdeu mais pontos – ele fez 560 – porque se esqueceu de acrescentar um bife do olhão à receita. Foi louvaminhado pelos corretores. Menos pelo ministro Mercadante que, em profícua viagem educacional para pedir a bênção ao Papa, sentiu-se espicaçado em sua turnê pelo monte de perguntas que os repórteres impertinentes faziam. Perdeu-se um pouco em sua concentração espiritual. Prometeu que, doravante, as redações do Enem não poderão mais ter receita de miojo.
Mas já se sabe que outros temas poderão ser tratados. A questão é saber quais corretores estarão lá. Ari, homem espertíssimo, tem um colega no ministério que lhe passará um perfil intelectual dos corretores, assim o aluno terá mais chance. Os jornais estão cheios de exemplo, diz Ari. Em Santos afanou-se, melhor, sequestrou-se uma papagaio fêmea por nome Loureca. Um caso de opressão e violência. Poderá ser encaixado numa redação sobre minorias oprimidas.
Ari ensina. Vejam, caros alunos, como ficaria a redação. “As minorias devem receber cuidados e apoio frente a massa opreçora e garantir direitos consagrados na Carta de direitos Umanos, etc, etc.” Então entra a Loureca. “Do mesmo modo deve-se garantir a liberdade de Loureca, ser que por gerassões aprendeu o nome de seus familiares e agora está perdido e traumatisado com a violência urbana de marginais sem corassão.” Olha o toque sentimental no fim da frase. Percebam que o corretor aponta palavras com erros ortográficos, mas se admite uma coisinha ou outra, desde que a ideia do texto e a coerência sejam mantidos, entenderam?
Se dominar, você pode escrever na língua do P. Ainda não pode escrever com emoticons. Por enquanto J. Um percentual de palavras podem ser escritas em internetês. Naum exagere! ;-)
Agora se você quiser ver um corretor sair do sério misture as ideias. Se você acrescenta Loureca a um texto sobre, por exemplo, à transposição do rio S. Francisco, lascou! Loureca nada tem a ver. Daria na vista na hora. Salvo se Loureca tivesse habilidade de construir carrancas, pescar ou soubesse cantar “Olê mulé rendeira”. Aí seria diferente, pois se trataria de uma nordestina legítima, parte do contexto.
O ministro, danado da vida pela exposição das redações grotescas que ora grassam no Enem, disse que haverá um pente fino que não deixará passar nada. Olha só, o ministro acaba de sugerir dois temas: você fala sobre nada, caso o tema tenha raias filosóficas, ou se for tema social, coloque a letra da música “nêga do cabelo duro / cadê o pente que te penteia”.