Os habitantes de um vilarejo remoto
da Indonésia encontraram uma boneca inflável em uma praia e acreditaram que o
objeto era um 'anjo' que caiu do céu, informou a polícia local.
Fonte: AFP Jacarta. (03/05/2016)
Adélia Prado diz que o homem é
religioso como é bípede. Lembrei que Aristóteles disse que a natureza abomina o
vazio. Você deve se perguntar: o que uma coisa tem a ver com a outra? Eis a
história. Em uma das milhares de ilhas indonésias, há um pequeno vilarejo. O
sudeste asiático não só tem uma das maiores concentrações populacionais do
planeta como, por esta mesma razão, os mares ao redor são cortados por um número
incontável de barcos, grandes e pequenos.
Singram por
aquelas águas cargueiros, barcos de passeio, de pesca, de piratas, de gente,
membros de minorias religiosas escorraçadas de seus países e que, diferente dos
sírios, afegãos e africanos que morrem aos montes no Mediterrâneo, estes
recebem menor atenção da mídia mundial, mas também navegam maltrapilhos e
morrem afogados e de inanição nos barcos imundos que navegam.
O que mais
carregarão esta miríade de barcos para lá e para cá? Bem, no caso aqui
descrito, uma tara e uma briga de amor, de casal, como queiram. Que, como os
dramas fatais shakespeareanos, terminou de forma trágica. Ela, em vida, foi uma
linda boneca inflável. Um sujeito caiu de amores por ela e a comprou. Planejou
um tórrido romance que se daria entre aquelas ilhas paradisíacas, mares
cristalinos e azuis, coqueiros, areias brancas que doem na vista, um chalé com
comodidades básicas, mas funcional.
Num belo dia
de sol, saíram a navegar. Entre um mergulho e outro, sexo desenfreado, uma
ponta de ciúme toldou a mente do amante. Ela teria olhado para outro, dado mole
para um bronzeado surfista? Mas não havia ninguém ali, consolou-se o amante. Mas
o ciúme tem ardis misteriosos Teria sido no passado? Quem poderia garantir?
Todos tem um passado indizível e secreto. O demônio dos olhos verdes lhe tomou
a alma completamente. No barco a discussão aumentou de temperatura, mesmo que
ela, recatada e silenciosa como uma gueixa, nada tenha retrucado. Num acesso de
loucura, o amante lançou seu amor ao mar. A correnteza furiosa os afastou e foi
tudo silêncio.
Pela manhã, um
morador do vilarejo voltava fatigado de uma madrugada de pescaria quando deu
com ela presa entre umas pedras. Pensou ser uma sereia, mas não, era um ser
celeste. Parecia dar um grito mudo por socorro. Era branca como a areia. Por
alguma razão estava nua como veio ao mundo. Ele se compadeceu. Lembrou-se que no
dia anterior acontecera um eclipse do sol que afetara gravemente sua noite de
pesca. Um fenômeno tão espetacular é porque os mundos espirituais estavam em
guerra entre si. Aquele ser não era outra pessoa que não um anjo caído.
Rapidamente,
retirou sua camisa em molambos e envolveu delicadamente o anjo. Pediu desculpas
por ver suas partes íntimas. Ela deixou-se quieta em seus braços. Ele se
comoveu com seu silêncio e abandono em seu colo. Estava exausta do fragor da
batalha e do mar. As pernas e braços meio bambos pendiam como que exaurida. O
pescador correu até o vilarejo a anunciou a boa nova. Um anjo caiu do céu justo
em sua ilha que doravante seria abençoada.
A notícia
correu de ilha em ilha até a capital do país. O governo, entre cético e crente,
enviou um batalhão de especialistas, teólogos islâmicos, feiticeiros e incréus. A procissão de barcos que se formava em
direção à ilha já causava um enorme engarrafamento no mar. Quem poderia
imaginar o que resultaria dessa queda de anjo? Numa montanha, os ilhéus haviam construído
uma pequena cabana onde jazia o anjo. E que prova maior havia de sua anjice? Seu
corpo não se deteriorava, nem fedia da podridão que acomete os reles mortais.
Os enviados da capital, ao ver o anjo se quedaram embasbacados. Tiraram fotos e
amostras para estudo e ao povo disseram que o levariam para cuidados e reenvio
para o céu que era seu lugar. Não queriam retirar-lhes a fé pura.
Talvez
explicando a fala de Aristóteles. Também na fé, como na natureza, o vazio de
sentido e explicação sempre será preenchido pela primeira loucura que o conhecimento
religioso subjacente puder construir.