Um americano declarado morto
depois de ter desaparecido há quase trinta anos reapareceu e agora não pode ser
declarado oficialmente vivo, mesmo tendo voltado para casa e estar em boa
saúde.
Fonte: BBC Brasil (11/10/2013)
Excelência
meritíssimo. Venho por meio desta solicitar minha reabilitação ao estado de
vivo. Parece estranho, eu sei. Mas não se aperreie que explico. Como um defunto
pode escrever? No seu lugar, eu também ficaria pasmo. Ora, se de próprio punho
requeiro minha habilitação, logo, estou vivo. Acontece que descobri que estou
morto de uma maneira prosaica. Ao tentar tirar minha carteira de motorista, fui
surpreendido com a notícia. O espanto foi grande. Mas o atendente teimou em
dizer que constava no arquivo do Estado que eu morrera lá pela década de 80, do
século passado, sim, senhor.
Argumentei,
botei a língua pra fora que nem a Miley Cirus, pulei e arregalei os olhos, mas
o indivíduo do atendimento sequer se mexeu na cadeira. Até dancei a dança do
quadrado, nada. Saber-se morto é uma novidade estupefaciente. Mas há uma
explicação. Naquela época, estava cheio de tudo. O casamento ia mal. O emprego
era uma porcaria e devia muito. Era um inferno a quantidade de cobradores no
meu rastro. Por fim, fui despedido do emprego fuleiro e aí ficou pior. Disse à
mulher que ia comprar cigarro e nunca mais voltei. Não sabia, neste Estado,
sumido há mais de três anos, declara-se o tal morto, com corpo ou sem corpo. Um
disparate. Assim que solicito que V. Excelência me declare vivo de novo, pois
estar morto tem-me dado um trabalhão. Como os zumbis estão na moda, pensei em
ganhar algum, mas está difícil. Dizem que não tenho perfil, pois apesar de
morto, pareço muito saudável. Certo de sua compreensão saiba que, de novo vivo,
serei eternamente grato.
Prezado
requerente. Leio com estupor sua história. Até pedi ajuda a uma necromante para
atestar que sua carta era verídica e me foi garantida a autenticidade. Assim
que, menos ressabiado, passo a relatar o seguinte. Como bem mencionou, nosso
Estado tem lei sobre esta situação. Você está legalmente morto. Entenda. O
Estado não se imiscui no fato real de você estar vivo, como percebo que está.
Mas você atende a um requisito legal: sumiu por mais de três anos sem deixar
vestígios e nem ao menos uma mensagem, ainda que fosse psicografada. Ajudaria
agora. Uma vez morto no sentido legal assemelha-se à morte física, não tem
remédio jurídico. Não posso revogar seu estado cadavérico, embora vivo. Ademais, sua morte produziu efeitos. A
viuvez de sua senhora, por exemplo, que, nesse estado, aproveitou a vida. Sua
ressurreição colocaria a pobre e sofrida mulher na condição adulterina e o
senhor... bem, o senhor deve imaginar.
Digo mais. Sua
esposa viúva pediu ao Estado pensão para os rebentos deixados órfãos, o que foi
pago rigorosamente por anos. Redivivo, sua mulher teria incorrido num
estelionato previdenciário com consequências econômicas – teria que devolver o
dinheiro auferido – e até cadeia. Suas dívidas, até onde sei, foram canceladas,
pois como se pode compreender, morto não paga dívidas. Seu caso é inusitado.
Admira-me que o senhor não tenha sido notificado de sua morte, pois nosso
Estado é zeloso destas coisas. Lamento. Sugiro que recorra à alta corte no
prazo improrrogável de 30 dias.
Prezado
Meritíssimo. Represento a viúva nesta querela judicial com ares metafísicos.
Comunico-lhe que a senhora em tela ficou deveras satisfeita com sua decisão.
Reitera que não guarda rancor do morto, mas fazê-lo voltar à vida acarretaria
um pedido de divórcio, dívida com o Estado, além de se tornar falada na cidade.
A condição atual do marido finado é, sem dúvida, mais conveniente a todos,
inclusive ao próprio. Saudações.