“Ser ou não ser, eis a questão” (To be or not to
be, that’s the question). Até mesmo quem nunca ouviu falar de
William Shakespeare, deve ter ouvido esta frase alguma vez. Ela inicia o
monólogo do príncipe Hamlet no Ato 3, cena 1. Na sequência daquela frase – na
tradução de Millôr Fernandes – Hamlet expressa sua dúvida: “Será mais nobre
sofrer na alma / Pedradas e flechadas do destino feroz / Ou pegar em armas
contra o mar de angústias / E, combatendo-o, dar-lhe fim?”
Dormir e morrer são possibilidades de fuga que o personagem avalia como
forma de enfrentamento daquelas mazelas. Mas a dúvida o corrói entre aguentar
os males que nos cabem nesta vida e o medo do que se encontrará do outro lado
da morte. Isso fala tão de perto a tantos de nós que, como ele, acossados,
quedamo-nos paralisados entre “suportar os males que já temos, a fugirmos para
outro que desconhecemos”.
Esse drama de profundidade abismal atinge a todos e se manifesta de uma
forma quase banal nas entrelinhas de nossas corriqueiras vidinhas. Todos ansiamos
ardentemente por certezas. Queremos garantias. Cercamo-nos de toda sorte de
coisas e atos a fim de dar a nós mesmos o descanso de que tudo ocorrerá como
esperamos. Lidamos mal com a probabilidade e ainda pior com seu filho dileto, o
imponderável.
Em minha atividade, muitas
vezes observo o comportamento das pessoas – algumas nada demonstram, o que não
quer dizer que nada sintam – no momento em que se repassa informações sobre uma
cirurgia, por exemplo. Elas devem assinar um documento em que autorizam o
procedimento. Ali se lê que os riscos com anestesia, intercorrências, etc estão
ao redor, quase sempre, de 1%. Você leu corretamente, mas ali está o ponto de
desequilíbrio. Nós queremos ouvir em tal hora que tudo será 100%, pois a
incerteza transformará aquela chance minúscula de algo dar errado num monstro,
se não conseguirmos lograr compensar com outros pensamentos e disposição
emocional.
A certeza consola, dá segurança. Mas é escassa como o mais raro metal.
Refiro-me apenas às certezas na vida, não àquelas atribuídas a Benjamin
Franklin: “Há apenas duas certezas na vida: a morte e os impostos”. O humor
brasileiro retirou o termo “os impostos” e em seu lugar colocou o show de final
de ano do Roberto Carlos.
Se despendemos energia, tempo e esforço mental em busca de certezas para
cada coisa, seremos engolfados por uma espiral de preocupações e comportamentos
que rapidamente entrarão no campo patológico, não raro com expressões místicas,
manias, necessidades de ordem onde poderia haver alguma bagunça. Tornamos nossa
vida infernal e a dos outros também.
Todas as áreas da vida podem ser maculadas por esta ânsia por certezas.
Há pessoas que estão demandando aprovação o tempo inteiro por coisas mínimas
que fazem. O outro o valida em sua insegurança de ser bom em algo ou lhe
empresta o senso de que tem algum valor em si mesmo. O(a) amante fustigará seu
amado(a) com exigências de provas de seu amor, ainda mais quando possuído pelo
“demônio de olhos verdes”. O pai demandará a atenção e amor do filho como forma
de uma gratidão que deve ser manifesta vida afora. O patrão exigirá de seu
funcionário desempenho tal que entrará na pura e simples exploração e sabe-se
com que armas o fará. De si para si, aquele que busca a certeza, nunca terá autoconfiança
e deplorará até seu mais incrível feito.
Michel de Montaigne afirma em um de seus ensaios quando defende que tipo
de educação se deveria dar às crianças: “Tudo se submeterá ao exame da criança
[e dos jovens] e nada se lhe enfiará na cabeça por simples autoridade e
crédito. Que nenhum princípio, de Aristóteles, dos estoicos ou dos epicuristas,
seja seu princípio. Apresentem-se-lhes todos em sua diversidade e que ele
escolha se puder. E se não o puder fique na dúvida, pois só os loucos
têm certeza absoluta de sua opinião.”
A dúvida é para os
mentalmente sãos. É para os maduros. É para os experimentados que podem lidar
com ela sem desespero. É para os que alcançaram algum nível de resolução
interna e nem falo que tenham feito anos de terapia, bastam as lides da vida e
os sofrimentos que ela impõe. Embora, verdade seja dita, a terapia seja
ferramenta maravilhosa naquele mister.