quarta-feira, 11 de maio de 2016

Quero uma certeza pra chamar de minha

“Ser ou não ser, eis a questão” (To be or not to be, that’s the question).  Até mesmo quem nunca ouviu falar de William Shakespeare, deve ter ouvido esta frase alguma vez. Ela inicia o monólogo do príncipe Hamlet no Ato 3, cena 1. Na sequência daquela frase – na tradução de Millôr Fernandes – Hamlet expressa sua dúvida: “Será mais nobre sofrer na alma / Pedradas e flechadas do destino feroz / Ou pegar em armas contra o mar de angústias / E, combatendo-o, dar-lhe fim?”
Dormir e morrer são possibilidades de fuga que o personagem avalia como forma de enfrentamento daquelas mazelas. Mas a dúvida o corrói entre aguentar os males que nos cabem nesta vida e o medo do que se encontrará do outro lado da morte. Isso fala tão de perto a tantos de nós que, como ele, acossados, quedamo-nos paralisados entre “suportar os males que já temos, a fugirmos para outro que desconhecemos”.
Esse drama de profundidade abismal atinge a todos e se manifesta de uma forma quase banal nas entrelinhas de nossas corriqueiras vidinhas. Todos ansiamos ardentemente por certezas. Queremos garantias. Cercamo-nos de toda sorte de coisas e atos a fim de dar a nós mesmos o descanso de que tudo ocorrerá como esperamos. Lidamos mal com a probabilidade e ainda pior com seu filho dileto, o imponderável.
Em minha atividade, muitas vezes observo o comportamento das pessoas – algumas nada demonstram, o que não quer dizer que nada sintam – no momento em que se repassa informações sobre uma cirurgia, por exemplo. Elas devem assinar um documento em que autorizam o procedimento. Ali se lê que os riscos com anestesia, intercorrências, etc estão ao redor, quase sempre, de 1%. Você leu corretamente, mas ali está o ponto de desequilíbrio. Nós queremos ouvir em tal hora que tudo será 100%, pois a incerteza transformará aquela chance minúscula de algo dar errado num monstro, se não conseguirmos lograr compensar com outros pensamentos e disposição emocional.
A certeza consola, dá segurança. Mas é escassa como o mais raro metal. Refiro-me apenas às certezas na vida, não àquelas atribuídas a Benjamin Franklin: “Há apenas duas certezas na vida: a morte e os impostos”. O humor brasileiro retirou o termo “os impostos” e em seu lugar colocou o show de final de ano do Roberto Carlos.
Se despendemos energia, tempo e esforço mental em busca de certezas para cada coisa, seremos engolfados por uma espiral de preocupações e comportamentos que rapidamente entrarão no campo patológico, não raro com expressões místicas, manias, necessidades de ordem onde poderia haver alguma bagunça. Tornamos nossa vida infernal e a dos outros também.  
Todas as áreas da vida podem ser maculadas por esta ânsia por certezas. Há pessoas que estão demandando aprovação o tempo inteiro por coisas mínimas que fazem. O outro o valida em sua insegurança de ser bom em algo ou lhe empresta o senso de que tem algum valor em si mesmo. O(a) amante fustigará seu amado(a) com exigências de provas de seu amor, ainda mais quando possuído pelo “demônio de olhos verdes”. O pai demandará a atenção e amor do filho como forma de uma gratidão que deve ser manifesta vida afora. O patrão exigirá de seu funcionário desempenho tal que entrará na pura e simples exploração e sabe-se com que armas o fará. De si para si, aquele que busca a certeza, nunca terá autoconfiança e deplorará até seu mais incrível feito.
Michel de Montaigne afirma em um de seus ensaios quando defende que tipo de educação se deveria dar às crianças: “Tudo se submeterá ao exame da criança [e dos jovens] e nada se lhe enfiará na cabeça por simples autoridade e crédito. Que nenhum princípio, de Aristóteles, dos estoicos ou dos epicuristas, seja seu princípio. Apresentem-se-lhes todos em sua diversidade e que ele escolha se puder. E se não o puder fique na dúvida, pois só os loucos têm certeza absoluta de sua opinião.”
A dúvida é para os mentalmente sãos. É para os maduros. É para os experimentados que podem lidar com ela sem desespero. É para os que alcançaram algum nível de resolução interna e nem falo que tenham feito anos de terapia, bastam as lides da vida e os sofrimentos que ela impõe. Embora, verdade seja dita, a terapia seja ferramenta maravilhosa naquele mister.

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