domingo, 10 de maio de 2015

Será que vai funcionar?

As autoridades de Bangladesh usaram a criatividade para tentar ganhar a batalha contra homens que urinam em locais públicos. Foram colocadas advertências em árabe, o que é considerado pelos bengalis muçulmanos como língua sagrada. 

Fonte: G1 (08/05/2015)

Diz-se que brasileiro é muito religioso. E é mesmo. O sujeito faz mandinga, simpatia, se benze cada vez que passa na frente do cemitério ou igreja e agora que prolifera trocentos tipos de versões ditas evangélicas, só esquenta o caldeirão – não é o programa da Regina Cazé nem do Luciano Huck – da religiosidade popular. Rosa ungida, carteira de trabalho ungida, panos, lenços e todo tipo de marmota reflete uma fé que tudo abarca e em que cabe (quase) tudo.
Talvez por isso, brasileiro também lida com muita intimidade com o divino e faz piada, coloca os santos na roda, castiga até aqueles que, coitados, por descuido, se esquecem de atender a um pedido, seja urgente ou impossível. Esta fé traquinas beira o avacalho, mas é porque o brasileiro se sente de dentro da cozinha de Deus e dos santos. Embora tenha, também, certa intimidade com o diabo que excomunga e trata com tantos nomes, pois serve para ser culpado de tudo quanto é ingrisia que acontece em sua vida. Mas é claro que tem muita formuleta para espantar o coisa-ruim de seu quintal.
Dê tudo, menos intimidade, diz o ditado. A intimidade excessiva perde o respeito. Mesmo com cara contrita, o brasileiro médio está a um passo do sem pudor em sua relação com o divino, o que faz com que eles pouco se importem com castigos. Isso porque, devido sua proverbial cultura do jeitinho, está certo de que basta chaleirar um pouquinho o santo ou Deus e já lhe tem os favores.
No distante e exótico Bangladesh o povo também é muito religioso. Também existe ali um amálgama de religiões que vai do animismo aos celerados muçulmanos, mas que, em seu favor, deve-se reconhecer, são muito respeitosos com suas coisas divinas. Até porque, um escorregão, e lá se vai uma dacapitaçãozinha, umas quantas chicotadas nos lombos, uma lapidação básica só para manter o pessoal na linha.
Pois eis que os homens bangladeshianos tem o péssimo hábito de urinar na rua. Coisa que por aqui, evidentemente, não se vê. O brasileiro é cheio de pudor e respeita o espaço público, por isso não mija na rua como parece ser prática comum daqueles exóticos lá. Bom, nos muros e outros lugares havia frases solicitando aos mijadores daquele país quase alienígena, que não fizessem suas necessidades no meio da rua. Quem disse que funcionava?
Foi então que o administrador de uma cidade teve a ideia luminosa de colocar as frases proibitivas em árabe, língua que consideram sagrada por causa do livro sagrado dos islamitas. Mesmo os analfabetos, mas que reconheciam as garatujas, deixaram de urinar por medo de profanar a língua sagrada. A cidade ganhou imediatamente um cheiro novo e perdeu o peculiar odor azedo da urina, que a tudo empesteava.
Como disse, o brasileiro é religioso. É tanto que Fernando Henrique, ex-presidente, disse que era cartesiano, mas com uma pitada de candomblé. A coisa é tão religiosa que um, que se dizia evangélico, se reuniu dentro de um órgão público com seus malandros e fez uma compungida oração para agradecer o dinheiro roubado. A atitude do brasileiro é aquela de que não crê nas bruxas, mas que elas existem, existem. Será que colocar dizeres em línguas sagradas no patrimônio público inibiria os ladrões do erário? Sugiro um teste.
Por garantia, já que temos uma babel religiosa na alma, deveria ser multilíngue e multirreligiosa, pois poderia ocorrer que um ladrão, ao se deparar com um dizer, digamos, que não fizesse parte de sua fé, perdesse seu caráter inibitório. Sugiro que os dizeres não deveriam ser simplesmente: não pegue o dinheiro público. Ou: prezado patife, abstenha-se de locupletar-se com os recursos públicos. Não adiantaria. Deve, no caso dos brasileiros, ameaçar com vários infernos e várias eternidades queimando e sendo torturado na pedra do capiroto. Será que vai funcionar?