sábado, 1 de maio de 2010

A queda

Da minha idéia do mundo
Caí...

Vácuo além de profundo,
Sem ter Eu nem Ali...

Vácuo sem si-próprio, caos
De ser pensado como ser...

Escada absoluta sem degraus...
Visão que se não pode ver...
Além-Deus! Além-Deus! Negra calma...
Clarão de Desconhecido...
Tudo tem outro sentido, ó alma,
Mesmo o ter-um-sentido...



Fernando Pessoa

quarta-feira, 28 de abril de 2010

Por fora, bela viola...

Não basta ser evangélico, protestante ou coisa que o valha, tem que fazer propaganda. Antigamente isso tinha a ver com testemunho, princípios morais, ética, simplicidade e até com certa reserva pessoal. Hoje, quanto mais espalhafatoso, melhor. Claro que o estereótipo compõe mais que etiquetar o carro com frases feitas que traduzem a ufania própria de vencedores e até uma intimidade que beira o desrespeito com Deus.
Este neo-crente fala uma linguagem própria, consome produtos e, portanto, alimenta uma bem fornida indústria de badulaques kosher feitos sob medida. Um detalhe é característico deste fenômeno: a proliferação de denominações. Antes se ouvia algum tipo de tentativa de justificar as diferentes igrejas exemplificando com a famosa discussão entre Paulo e Barnabé a respeito do discípulo João Marcos ou ainda pelas multiformes compreensões da Graça. Os mais simpáticos afirmavam: no essencial, porém, somos todos parte da mesma herança. Seja lá o que se entendia por “essencial”. Hoje, entretanto, a multiplicidade de igrejas é diretamente proporcional à perecença que elas tem entre si, muda apenas a idiossincrasia do bispo, profeta ou apóstolo fundador da denominação e o tal fator essencial que os une, neste caso, é só dinheiro. Um paetêzinho teológico aqui outro ali, ajuda na diferenciação, mas isso só a lupa.
Os católicos, numa contramedida, adoram estampar suas marquinhas próprias nos carros também. Uma das frases mais populares é: “Sou feliz por ser católico”. Que seja, mas esse dizer parece querer responder a um outro suposto “ser feliz” de suas contrapartes crentes que, por seu lado, afirmam uma felicidade pelo simples fato de serem não-católicos, além de que são alvo de milagres e maravilhas de todo tipo pela relação privilegiada com Jesus. Eu também ficaria feliz. O difícil de explicar de um lado e de outro que, afinal, são cristãos, portanto bebem do mesmo rio escriturístico, é que a felicidade não parece ser exatamente o fim último daquele que segue a Cristo. Paulo, escrevendo aos filipenses, nos dá uma pista: “...aprendi a estar satisfeito com o que tenho.
Sei o que é estar necessitado e sei também o que é ter mais do que é preciso. Aprendi o segredo de me sentir contente em todo lugar e em qualquer situação, quer esteja alimentado ou com fome, quer tenha muito ou tenha pouco.
Com a força que Cristo me dá, posso enfrentar qualquer situação.” (Fp 4.11-13)
Assim, deparo-me nas ruas com expressões fé-na-coisa, em reluzentes carros-outdoor, como “Foi Jesus quem me deu” e, para meu espanto, um “Sou dizimista” em três cores diferentes no vidro traseiro do carro. As duas não parecem revelar uma fé no Senhor da Graça, mas na própria capacidade de ser abençoado. Afinal, a fé não passa mais do que uma reles troca de serviços, escambo celestial nestas novas hermenêuticas escalafobéticas.
Por outro lado, vão se desmilinguindo ou desbotando, frases que eram populares até pouco tempo atrás. O indefectível “Deus é fiel” e o hilário “Propriedade exclusiva de Jesus”. O primeiro, talvez, por anódino e sem sal da afirmação, pois a nada remete. O segundo por que, por mais que não se queira, coloca o proprietário do “possante” na incômoda situação de algo que mesmo longe evoca compromisso, penso.
Igrejas-fakes e fiéis (crentes) histriônicos, é disso que se faz este novo cristianismo, ambos anêmicos da Palavra substituída que foi ou manipulada que é dos modos mais escusos, capaz de justificar coisas que até o tinhoso duvida.

domingo, 25 de abril de 2010

O extirpador

Um médico jordaniano que trabalhava temporariamente em um hospital no norte da Inglaterra está sob investigação por haver removido um dos testículos de um paciente em vez de retirar um pequeno cisto que estava no órgão.
Fonte: BBC Brasil

O relatório que os senhores passarão a ouvir descreve os testemunhos dos auxiliares na cirurgia, pacientes e o do homem a quem doutor Ibraim Faluja extirpou um dos testículos. A ampla pesquisa realizada por esta comissão foi necessária porque, como se verá, revela uma cadeia de acontecimentos cujo trágico desfecho é o objeto da investigação deste Conselho de Ética Médica.
Antes de mais nada, convém relatar que há dois anos doutor Faluja envolveu-se num nebuloso caso de desvio de medicamentos controlados – anestésicos –, por meio de receitas falsificadas que alimentavam um lucrativo comércio para celebridades. Logo depois, também foi mencionado num roubo da farmácia de um hospital, supostamente como cúmplice da gang do jaleco. Porém, o resultado das investigações sendo inconclusivos, levou-nos a arquivar as denúncias, o que não é o caso, em absoluto, nesta nova investigação.
Em abril do ano passado, doutor Faluja, atendeu o senhor X numa consulta em que este se queixava de um problema no saco escrotal. Como atesta o resultado dos exames anexos, foi diagnosticado um cisto na região mencionada. A indicação de cirurgia feita por dr. Faluja, convém afirmar, foi acertada.
Após os exames de praxe, a cirurgia foi marcada para o dia 2 de maio. Na manhã daquele dia fatídico, dr. Faluja atendeu uma senhora, a quem costumeiramente receitava hipnóticos, ansiolíticos e sedativos, ao que se sabe, por quantia não revelada. A senhora em referência, declarou-nos que dr. Faluja, antes de receitá-la e aplicar dois destes medicamentos de uso controlado, resolveu aplicar-se em si mesmo, o que lhe causou, disse a senhora, espanto, pois não sabia que o doutor era também usuário. No entanto, acrescentou a senhora, ele alegou que sendo um medicamento novo – o que motivou num aumento dos seus, vá lá, serviços – era preciso fazer um controle de qualidade e por isso ele testava nele mesmo. Ao que se lembra, a senhora disse que acabaram os dois curtindo um barato dentro do próprio consultório.
Acontece, senhores, que daí a poucas horas, dr. Faluja faria a cirurgia que resultou na inesperada extirpação. Conforme relatos dos auxiliares na intervenção cirúrgica, dr. Faluja estava um tanto eufórico, mais que costumeiramente, o que nos faz supor que ele era reincidente no ato, apenas desta vez aumentou a dose da droga que usava.
Certa enfermeira, a quem não mencionaremos o nome para proteger sua identidade, contou-nos que dr. Faluja deu-lhe um beliscão nas nádegas, isso dentro da sala de cirurgia. A uma outra auxiliar teria se oferecido para lhe fazer massagens em partes anatômicas que não convém indicar.
Entretanto, as atividades necessárias à cirurgia seguiam normalmente, até que a certa altura, dr. Faluja perguntou à enfermeira se aquilo na sua mão era mesmo um cisto ou era outra coisa. Para horror da equipe, o doutor trazia à mão um dos testículos do paciente, porém, passado a surpresa inicial, inclusive do próprio médico, ele insistiu em afirmar que era um cisto. Não satisfeito com imperícia boçal, fez chiste: gostam estrelados ou cozidos? Perguntou. A prova definitiva, senhores, e deve-se isso ao trabalho diligente da enfermeira que teve as nádegas beliscada, está neste vidrinho como todos podem comprovar.
Diante de tais testemunhos e provas, esperamos que este Conselho, após ouvir o acusado, aplique as penalidades esperadas para tais casos.