domingo, 21 de julho de 2013

Pagando bem, que mal tem

SALVADOR – A Delegacia de Polícia de Itapetinga, a 316 km da capital baiana, está investigando um caso de uso incomum do cartão do Bolsa Família. Um homem, identificado apenas pelo pré-nome de “João”, teria tentado pagar os serviços de uma prostituta e o motel em que pretendia realizar o programa sexual com o cartão do principal programa social do governo.

Fonte: O Globo (17/07/2013)

Era para ser uma reclamação simples. A telefonista do ministério de desenvolvimento social e combate a fome não era diferente daquelas que atendem em serviços de telefonia e afins. Primeiro, João teve que enfrentar os números. Disque 1 para reclamar do bolsa família. Disque 2 para reclamar da Dilma. Disque 3 para reclamar da família. Disque 4 para falar com a telefonista. Ainda havia mais dois labirintos numéricos até chegar à atendente propriamente dita, mas João suportou estoicamente aquela prova de paciência.
Mas afinal, uma voz que parecia humana, porém enfatuada, disse: Aqui fala Edvirges, em que posso servi-lo? Muito bem dona moça, aqui fala João de Nazaré das Farinhas. O cartão do Bôssa Famia não tá funcionando. O governo tá róbando os pobre da Bahia. O senhor pode ser mais explicito? O quê? O senhor pode explicar melhor? Aviso-lhe que nossa conversa está sendo gravada.
Muito bem, eu tenho cinco fi, preciso do cartão pra pagar as conta. Passei vexame. Uma mulé me prestou um serviço e não pôde ser paga porque o cartão não funcionou. Se bem que ela recusou receber o pagamento desta maneira. Pra senhora ver como o gunverno tá desmoralizado! Senhor, o cartão bolsa família não é cartão de crédito. É um instrumento social de emancipação das classes sociais menos favorecidas. O senhor deve sacar o dinheiro na Caixa e realizar seus pagamentos. Isso é um atraso do gunverno que nem a mulher aqui de Nazaré. Pois não senhor, mais alguma coisa? E como é que eu fico? O senhor deve procurar a Caixa para resolver o problema. Obrigada.
João ainda ficou ali esperando a solução, mas só ouvia o som do telefone desligado. Isso foi logo depois da confusão com a mulher dama com quem saiu para o motel Só Love. Ela, impertinente, cobrou os 50 contos adiantados. João não tinha dinheiro em espécie. Sugeriu pagar com o cartão do Bolsa Família que tinha garantia do governo, disse. Mas ela se recusou e ainda o denunciou ao gerente do Só Love com quem tinha uma parceria. Este prontamente chamou a polícia. Para pagar o estabelecimento, João deixou um roscofe e o som do carro em garantia. A mulher dama ficou no prejuízo.
Na apuração, o delegado quis chamar a titular do cartão que era a esposa do João. Dotô, aqui de home pra home. Num chame minha patroa, não. Além da minha cara, ela quebra esta delegacia todinha. O senhor sabe, um home tem suas necessidades. Até que a Rosita é jeitosa e me deu um aperreio que convidei ela pra sair. Foi só esta vez. Lavrado o termo circunstancial, o delegado liberou João com o cartão, numa camaradagem masculina, mas ameaçou-o que se fosse descoberto que ele estava usando o dinheiro da bolsa para fins outros, ele seria cancelado.
João voltou para casa com a ameaça do delegado lhe consumindo o juízo. Tinha medo de que a história se espalhasse por Nazaré, a mulher saberia, ele seria motivo de chacota do povo, sem contar que nunca mais teria chance com a Rosita. Era preciso fazer algo. João inventou o primeiro viral de Nazaré com seu celular quase analógico que nem fazem os presidiários. Uma mentira bem contada de que o Bolsa Família seria cancelado. Ele foi ajudado pelos trapalhões da Caixa e aí virou um pandemônio que espalhou pelo Nordeste inteiro.
Uma horda de gente invadiu as Caixas enlouquecidas com a possibilidade do fim da bolsa. O governo acusou a oposição, os marcianos, a cura gay, até o Feliciano entrou na dança. Dona Dilma mandou a polícia federal investigar. Descobriu-se que foi o João e a Caixa que armaram esta trapalhada monumental, mas era vergonhoso dizer que um João ninguém tinha feito tanto estrago e que a Caixa tinha também o dedo no rolo. Em seu relatório final, a PF disse que o fato se deu de forma espontânea lamarckianamente. Valha-me! João está de boa nos braços de sua roxa morena, que está prenha de novo. Esta é sua maneira de garantir a Bolsa Família de casa.