sábado, 8 de março de 2014

O contrabando

A Receita Federal apreendeu 100 vibradores de silicone e 200 massageadores eróticos no Aeroporto de Foz do Iguaçu, no Paraná. A apreensão foi feita na última terça-feira, quando a carga embarcava com destino a Fortaleza, no Ceará.

Fonte: Redação Yahoo! Brasil (05/03/2014)

Era para ser uma operação de rotina, como de fato, foi. Os agentes da Receita, que também tem a função de polícia, neste caso, surpreender contrabandistas que atentam contra a combalida indústria nacional, ainda mais depois que tudo no mundo recebe a infame sigla: made in RPC. Se digo combalida, não é por desmerecer o produto tupiniquim, mas pela condição em que foi colocada pelo governo. Este, numa sanha voraz por impostos, para alimentar um estado paquidérmico, incompetente e perdulário, aflige aos pobres capitalistas com tributos escorchantes. Do produto arrecadado, devolvem estradas e infraestrutura que nem de sofrível nada tem.
Mas dizia que os briosos fiscais da receita, com seus indefectíveis jalecos, óculos e determinação sem par, estavam por ali, naquela zona cinzenta – nada de pensar bobagem, leitores – entre a Terra de Veracruz (quis colocar junto, e daí?) e o afamado Paraguay. Sempre alertas, olho vivo, dispostos e tenazes, vasculhavam cada alfinete. Desculpe, nobre senhora, mas 302 relógios para uso próprio e familiar parece um ligeiro exagero. Com licença, prezado compatriota, mas o que leva nesta pequena pochete que lhe confere o aspecto de barril em sua barriga? Madame, por obséquio, queira abrir o porta malas, parece que dali ouve-se um leve resfolegar respiratório. Tratava-se, neste caso, de 52 bolivianos que se dirigiam em primeira classe a São Paulo para trabalhar na pujante indústria da moda.
Assim, de abordagem em maviosa abordagem, chegou-se a um indivíduo. Baixo, cabeça chata, um bigodinho que se encarapitava entre o nariz rombudo e uma grande boca, todo sorrisos. Apenas uma mala média. A desconfiança bateu porque, com aquele estilo, só uma mala e à vista de todos? Seria uma nova estratégia de enganadora? E a velha arte de jogar os fardos pela ponte da Amizade? E os porões dos ônibus abarrotados de traquitanas? E os fundos falsos? As cargas disfarçadas? Havia algo errado. Não fosse a incrível expertise dos oficiais presentes, justo naquela batida, o cearense trambiqueiro teria passado livre.
Nessas situações, é preciso olhar como se fosse um cão perdigueiro. Leva-se tempo para adquirir o faro, mas então, vem junto também o cheiro de cachorro molhado ou de pano de chão mal lavado. O contrabandista foi abordado. E eis a incrível descoberta: atopetados haviam, o que a imprensa chamou eufemisticamente de massageadores eróticos. 200 deles. Fora as pilhas.
De todos os tamanhos, cores e formatos, a carga impressionaria as mentes mais cândidas. Apreensão feita, havia que seguir com o protocolo. Recolher ao galpão da Receita para dar um destino. Tocar fogo, doar, fazer leilão, sei lá. É possível, sendo entidade carente ou sem fins lucrativos, solicitar alguns desses materiais capturados para uso.
        Recambiados ao galpão os produtos para diversão adulta, misturaram-se a umas remessas a serem enviadas para algumas entidades. Risível escândalo nacional, pois a notícia deixou de ser curiosa e tornou-se estapafúrdia. Menos mal que não chegou a nenhuma creche, mas partes foram parar em lugares inusitados como numa escola de cegos. Outra parte foi para uma cadeia masculina, o que gerou uma rebelião com 62 mortes. De um asilo feminino, que não cabe declinar o nome, apenas reclamações porque as tais pilhas davam choque e acabavam rápido.

        Ninguém assumiu a culpa pelo desastre. Diz-se até que parte da carga, mais ou menos 36 dos tais massageadores, sumiu entre a abordagem e o galpão. Sindicância interna ainda nas fases preliminares, se me entendem. A Anvisa emitiu nota acalmando a população que, porventura, tenha adquirido o produto que escapou. Que exames do silicone atestam que não é cancerígeno, somente de baixa qualidade, endurece e racha rapidamente, afinal é chinês. Não informaram depois de quantas usadas.

domingo, 2 de março de 2014

Robocop

As imagens do primeiro Robocop estavam esmaecidas em minha memória. Assistir à versão do Padilha não ajudou a relembrar, simplesmente porque temos aqui, guardadas as bases do enredo original, uma história totalmente nova. As críticas favoráveis e contra seguem, na maioria dos casos, a comparação entre os dois filmes. Não digo que seja errado, mas acho que não cabe.
Padilha foi feliz na contextualização do remake e à referência a temas emergentes para a segurança atual e conflitos que se desenrolam mundo afora. Logo, tem-se uma ficção que, por pouco não está no noticiário do dia. Isso o diretor alega que foi proposital e, para mim, nisso reside a força do filme.
Quem disse que filme de ação não é para pensar? A discussão óbvia é sobre robôs (androides) agindo quase de forma autônoma para patrulhar ruas, agir como policiais, guerrear em substituição aos soldados de carne e osso. Quais os limites dessa tecnologia? Quem é culpado quando algo der errado? A quem responsabilizar? Ou estaremos reeditando a história de Nuremberg quando militares nazistas, com sinceridade - como mostrou Hannah Arendt no clássico “O julgamento de Eichemann em Jerusalém” - protestavam sua inocência, pois a eles não cabia culpa, apenas obedeciam ordens?
Mas há mais. Não vi ninguém levantar a questão ética sobre uma corporação ser dona de uma pessoa. Sim, este novo Alex Murphy é humano até o tutano, ainda que alguém possa desligá-lo, ainda que seja possível levá-lo a um comportamento autômato. Diferente do primeiro, não há conflito sobre quem ele é, mas no que se tornou. Nas entrelinhas, pode-se questionar. E se este ser que possui vontade, sentimentos e que, acima de tudo, tem aguda consciência de si, decide que não quer ser mais policial? E se ele desejasse ter uma vida normal?
De todas as questões colocadas, a mais incrível é quando Alex é submetido a um treino e fica segundos atrás de um androide em todas as ações que precisou realizar. Foi eficiente, mas... A Omnicorp não fica satisfeita. Ele precisa ser mais eficaz. Solução da ciência: criar no homem- máquina aquilo que o cientista define como a falsa sensação de livre arbítrio. É a máquina que se pensa Alex ou é Alex que acredita ser uma máquina? Onde está a fronteira? Será que não há uma fusão, hoje mesmo, entre pessoas e a virtualidade?
Outra questão que está presente o tempo inteiro: a globalização. A empresa tem um centro pensante e outro que é mero montador de equipamentos de alta tecnologia, com mão de obra barata e abundante. Uma imagem, que parece espelho infinito, mostra um galpão gigantesco com milhares de trabalhadores com jalecos cor de rosa ao pé de estruturas de montagem. Alguém lembrou da China? O filme não faz questão de esconder.

A vitória do homem, ou da essência humana viva em Alex Murphy, é a mensagem de esperança da obra de Padilha. O elemento humano sempre estará lá, diz o cientista numa de suas falas para contestar a cobrança do empresário que queria uma máquina disfarçada de gente. Sim, precisamos que o elemento humano esteja presente sempre, com erros e acertos, com toda sua rica complexidade e contradições, com seus valores, amor, tristeza e sofrimento. Afinal, disse Chaplin em seu célebre discurso: não sois máquinas, homens é o que sois. Temos que relembrar disso o tempo inteiro.