As imagens do
primeiro Robocop estavam esmaecidas em minha memória. Assistir à versão do
Padilha não ajudou a relembrar, simplesmente porque temos aqui, guardadas as
bases do enredo original, uma história totalmente nova. As críticas favoráveis
e contra seguem, na maioria dos casos, a comparação entre os dois filmes. Não
digo que seja errado, mas acho que não cabe.
Padilha foi
feliz na contextualização do remake e à referência a temas emergentes para a
segurança atual e conflitos que se desenrolam mundo afora. Logo, tem-se uma
ficção que, por pouco não está no noticiário do dia. Isso o diretor alega que
foi proposital e, para mim, nisso reside a força do filme.
Quem disse que
filme de ação não é para pensar? A discussão óbvia é sobre robôs (androides) agindo
quase de forma autônoma para patrulhar ruas, agir como policiais, guerrear em
substituição aos soldados de carne e osso. Quais os limites dessa tecnologia?
Quem é culpado quando algo der errado? A quem responsabilizar? Ou estaremos
reeditando a história de Nuremberg quando militares nazistas, com sinceridade -
como mostrou Hannah Arendt no clássico “O julgamento de Eichemann em Jerusalém”
- protestavam sua inocência, pois a eles não cabia culpa, apenas obedeciam
ordens?
Mas há mais.
Não vi ninguém levantar a questão ética sobre uma corporação ser dona de uma
pessoa. Sim, este novo Alex Murphy é humano até o tutano, ainda que alguém
possa desligá-lo, ainda que seja possível levá-lo a um comportamento autômato.
Diferente do primeiro, não há conflito sobre quem ele é, mas no que se tornou.
Nas entrelinhas, pode-se questionar. E se este ser que possui vontade,
sentimentos e que, acima de tudo, tem aguda consciência de si, decide que não
quer ser mais policial? E se ele desejasse ter uma vida normal?
De todas as
questões colocadas, a mais incrível é quando Alex é submetido a um treino e
fica segundos atrás de um androide em todas as ações que precisou realizar. Foi
eficiente, mas... A Omnicorp não fica satisfeita. Ele precisa ser mais eficaz.
Solução da ciência: criar no homem- máquina aquilo que o cientista define como
a falsa sensação de livre arbítrio. É a máquina que se pensa Alex ou é Alex que
acredita ser uma máquina? Onde está a fronteira? Será que não há uma fusão,
hoje mesmo, entre pessoas e a virtualidade?
Outra questão
que está presente o tempo inteiro: a globalização. A empresa tem um centro
pensante e outro que é mero montador de equipamentos de alta tecnologia, com
mão de obra barata e abundante. Uma imagem, que parece espelho infinito, mostra
um galpão gigantesco com milhares de trabalhadores com jalecos cor de rosa ao
pé de estruturas de montagem. Alguém lembrou da China? O filme não faz questão
de esconder.
A vitória do
homem, ou da essência humana viva em Alex Murphy, é a mensagem de esperança da
obra de Padilha. O elemento humano sempre estará lá, diz o cientista numa de
suas falas para contestar a cobrança do empresário que queria uma máquina
disfarçada de gente. Sim, precisamos que o elemento humano esteja presente
sempre, com erros e acertos, com toda sua rica complexidade e contradições, com
seus valores, amor, tristeza e sofrimento. Afinal, disse Chaplin em seu célebre
discurso: não sois máquinas, homens é o que sois. Temos que relembrar disso o
tempo inteiro.
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