domingo, 2 de março de 2014

Robocop

As imagens do primeiro Robocop estavam esmaecidas em minha memória. Assistir à versão do Padilha não ajudou a relembrar, simplesmente porque temos aqui, guardadas as bases do enredo original, uma história totalmente nova. As críticas favoráveis e contra seguem, na maioria dos casos, a comparação entre os dois filmes. Não digo que seja errado, mas acho que não cabe.
Padilha foi feliz na contextualização do remake e à referência a temas emergentes para a segurança atual e conflitos que se desenrolam mundo afora. Logo, tem-se uma ficção que, por pouco não está no noticiário do dia. Isso o diretor alega que foi proposital e, para mim, nisso reside a força do filme.
Quem disse que filme de ação não é para pensar? A discussão óbvia é sobre robôs (androides) agindo quase de forma autônoma para patrulhar ruas, agir como policiais, guerrear em substituição aos soldados de carne e osso. Quais os limites dessa tecnologia? Quem é culpado quando algo der errado? A quem responsabilizar? Ou estaremos reeditando a história de Nuremberg quando militares nazistas, com sinceridade - como mostrou Hannah Arendt no clássico “O julgamento de Eichemann em Jerusalém” - protestavam sua inocência, pois a eles não cabia culpa, apenas obedeciam ordens?
Mas há mais. Não vi ninguém levantar a questão ética sobre uma corporação ser dona de uma pessoa. Sim, este novo Alex Murphy é humano até o tutano, ainda que alguém possa desligá-lo, ainda que seja possível levá-lo a um comportamento autômato. Diferente do primeiro, não há conflito sobre quem ele é, mas no que se tornou. Nas entrelinhas, pode-se questionar. E se este ser que possui vontade, sentimentos e que, acima de tudo, tem aguda consciência de si, decide que não quer ser mais policial? E se ele desejasse ter uma vida normal?
De todas as questões colocadas, a mais incrível é quando Alex é submetido a um treino e fica segundos atrás de um androide em todas as ações que precisou realizar. Foi eficiente, mas... A Omnicorp não fica satisfeita. Ele precisa ser mais eficaz. Solução da ciência: criar no homem- máquina aquilo que o cientista define como a falsa sensação de livre arbítrio. É a máquina que se pensa Alex ou é Alex que acredita ser uma máquina? Onde está a fronteira? Será que não há uma fusão, hoje mesmo, entre pessoas e a virtualidade?
Outra questão que está presente o tempo inteiro: a globalização. A empresa tem um centro pensante e outro que é mero montador de equipamentos de alta tecnologia, com mão de obra barata e abundante. Uma imagem, que parece espelho infinito, mostra um galpão gigantesco com milhares de trabalhadores com jalecos cor de rosa ao pé de estruturas de montagem. Alguém lembrou da China? O filme não faz questão de esconder.

A vitória do homem, ou da essência humana viva em Alex Murphy, é a mensagem de esperança da obra de Padilha. O elemento humano sempre estará lá, diz o cientista numa de suas falas para contestar a cobrança do empresário que queria uma máquina disfarçada de gente. Sim, precisamos que o elemento humano esteja presente sempre, com erros e acertos, com toda sua rica complexidade e contradições, com seus valores, amor, tristeza e sofrimento. Afinal, disse Chaplin em seu célebre discurso: não sois máquinas, homens é o que sois. Temos que relembrar disso o tempo inteiro.

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