terça-feira, 8 de fevereiro de 2011

Black Swan

Se me perguntassem pelo que eu esperava exatamente ao assistir o filme Black Swan (Cisne Negro) eu não saberia dizer. Nenhum dos inúmeros comentários que vi – a maioria li tão somente o título – teria me preparado suficientemente, exceto se contassem a história toda.
O filme é uma obra prima. A atriz principal, Natalie Portman, está soberba. Mesmo que não ganhe o Oscar – o que seria uma brutal injustiça – dificilmente alguém conseguirá realizar atuação igual, tal o nível ao qual ela a elevou. Pelo lado técnico, talvez um único senão, a câmera nervosa incomoda. Mas o efeito é este mesmo, causar desconforto. Uma pessoa mais sensível poderá sentir náusea. É como se fosse um test drive para a montanha russa de emoções a que o espectador será submetido, e aí sem câmera, apenas as dores expostas da personagem.
Dos comentários registrados nos jornais, um é um desastre inacreditável. Reduzir a história e tudo que ali está em jogo, a uma relação lésbica. Fato que foi super dimensionado e empobrece sobremaneira o filme, que não precisa deste tipo de propaganda para ser visto.
A angústia que devora a personagem em sua busca desesperada pela perfeição é visceral e não há como ficar alheio a ela. Ela saberá, ao longo de sua trajetória, onde se chega quando um humano aspira ser perfeito ou realizar a perfeição no que seja. Se muito, podemos aspirar apenas um número menor de imperfeições, trabalho para uma vida inteira. Peso excessivo, mesmo para alguém de grande talento.
Outra questão, mas esta a personagem não tem consciência, até boa parte do filme, é que a superproteção a que foi submetida pela mãe não só a infantilizou, tirou dela quase toda a malícia e sexualidade, como se estivesse estacionada em alguma fase pré-genital, diria Freud, suponho. Ela sofre com isso, mas como libertar-se, com uma mãe onipresente que a ama e odeia? É possível que a busca pela perfeição não seja dela, mas uma resposta ao ideal do outro (a mãe) que ela mesma não sabe o limite.
Encenar, dançar o cisne negro, ela que sempre foi casta, pura e boa. Onde buscar a maldade, a manha, o desbragamento que é parte de nós, mas que uma menina boa não tem? Quer dizer, assim afirma sua mãe obsessiva e opressora. Até que numa de suas alucinações rejeita esta proteção doentia e ouve: você não é mais minha doce menina.
A desconstrução da menina boa é dolorosa e enfrenta tamanha resistência consciente que é preciso alucinar para mudar.
Poucos trillers psicológicos superarão este, em anos.

domingo, 6 de fevereiro de 2011

Macho alfa

O professor de matemática da Universidade do Estado da Califórnia Tihomir Petrov, de 43 anos, foi preso após ser flagrado pelas câmeras de vigilância da instituição urinando na porta do escritório de um colega, segundo o jornal "Los Angeles Times". Segundo as autoridades, Petrov urinou na porta da sala de outro professor de matemática depois que os dois se envolveram em uma disputa.

Fonte: Do G1, em São Paulo

O fato é que Petrovsk, como se pode suspeitar pelo nome, era descendente russo ou arredores e nunca se sentiu em casa nos EUA, mesmo sendo segunda geração de uma família imigrante em solo gringo. Talvez porque tenha crescido no período da Guerra Fria e mesmo que não se soubesse o que era bullyng, ele sofrera um bocado na escola: ora com piadas sobre russos, ora com a desconfiança dos colegas, por temor de que ele fosse um agente infiltrado. Nem idade tinha, coitado, para ser um facinoroso – como diria Odorico – agente vermelho e tampouco adiantava dizer que era americano.
O nome lhe denunciava, mesmo que não tivesse fisionomia tão eslava. Na adolescência, a despeito de ser aluno dedicado, com boa aptidão para matemática e ter sido campeão de xadrez umas quantas vezes na escola, nada disso lhe proporcionou mais facilidade nas relações sociais. Mentia algumas vezes sobre o nome – dizia se chamar Bob Smith – ou sobre seu pai, que mesmo tendo nascido na gringolândia, tinha sotaque carregado, era como uma identidade nacional. Uma declaração de que não pertencia a lugar nenhum, afinal. Mantinha este tipo de dignidade, ainda que isso lhe causasse problemas e muito mais ao seu filho Pet, que odiava quando o pai ia lhe buscar na escola e abria a boca na frente dos colegas.
Apesar das vicissitudes, Petrovsk concluiu seus estudos e tornou-se professor numa universidade não muito importante. Poderia ter ido mais longe, dar aula num MIT da vida, mas preferia o recolhimento e certo anonimato. Contudo, a despeito de seu isolamento, algum contato teria que ter com colegas e com os alunos e foi então que a coisa degringolou.
Outro professor, até menos preparado que ele e talvez por isso, invejoso, fazia de tudo para lhe provocar publicamente, às vezes com ranços graves de xenofobia. Sempre falava que ali era lugar apenas para “americanos”, como se Pet não fosse. Profesor Pet tentou ignorar, mas ódios profundos e desfeitas sofridas ao longo da vida, entre outras coisas, lhe despertaram os instintos mais primitivos, como diria o ex-deputado Roberto Jeferson a respeito de seu contracolega, Zé Dirceu. Aquele de triste lembrança, cuja célebre frase ainda ecoa: “este governo não rouba, nem deixa roubar”. Tentava se defender, mas frase deste tipo tem o miserável condão de reforçar a negativa.
Enfim, Petrovsk desenvolveu algum tipo de desmantelo mental. Em sua cabeça só pensava naquilo que o provocador dizia, que ali não era seu lugar. Como poderia demarcar este lugar? Como faria para ter seu espaço? Não bastava quão bom fosse em sua área, ele tinha como que atração para gente despeitada e provocadora. Uma hora sempre aparecia um debilóide para lhe apontar qualquer coisa, para fustigar-lhe os brios e lembrar-lhe que era russo, país que nunca visitou.
Pensou em ir até a sala do desafeto e dizer-lhe umas poucas e boas, mas como? A quase inexistente sociabilidade lhe roubou a habilidade para falar de maneira desenvolta e o máximo que ocorreria, se tentasse, era se engasgar, se atarantar e ficar mudo e fulo. Não, precisava de algo com força simbólica. Algo que demarcasse espaço físico, um sinal de que ele também tinha direitos. Não bastaria uma imagem, tinha que ser algo que impregnasse o lugar, com um cheiro, talvez. Algo que afastasse os outros e ao mesmo tempo dissesse que era ele ali, não outro.
Uma hora lhe veio à mente uma ideia incrível. Precisava ser mais agressivo, assertivo e macho. A palavra “macho” foi a senha. Olhou no espelho e disse: eu sou um macho alfa. Uivou como um lobo. Sentiu-se pleno como nunca. Ele era um lobo e não sabia, estava ali a fera, guardada todos estes anos sob os escombros de rejeição, insatisfação consigo mesmo e sentimento de inadequação.
O que um lobo alfa faz para se impor e dizer: este é meu pedaço? Mija. Então, só havia uma coisa a fazer, dar uma caudalosa mijada na porta do desafeto, do enxerido, do cachorro magro. Assim fez. Resoluto, pensou, chegaria cedo e faria o serviço bem na porta do cão inimigo. Chegou à porta, o coração batia acelerado. Tinha um pouco de medo, sim, mas não havia mais volta. Abriu a braguilha e ao levantar a cabeça deparou-se com a câmera de vigilância. Sentiu um frio na espinha, mas que foi logo substituído por um “que se dane” e mijou. Fez piruetas, havia se preparado com litros e litros de água. Com o esguincho, fez fonte, cachoeira, escreveu no chão, na porta, caminhou de um lado ao outro, até fez o moonwalk.
Dez minutos depois, parecia que o Mississipi havia invadido o corredor. Sabia que tudo tinha sido filmado, mas agora todos saberiam que ele havia demarcado para sempre o espaço entre ele, o macho alfa, e os outros. Estava de alma lavada. Ria sozinho. Saiu de braguilha aberta e o instrumento de sua afirmação à mostra. A vingança tinha sido completa.