Vive-se o
tempo da intimidade pública. Aquilo que era dito e feito na alcova, atende hoje
a uma espécie de imposição de se tornar público. Mas não somente público,
também notório. O acesso às mídias sociais que, em tese, são pessoais, quer
dizer, são portas que só abrem para aqueles que privam desta proximidade,
instigam a tentação de se expor num protagonismo reativo, numa forma de dizer
existo, faço isso e aquilo, sou interessante, ousado e livre.
A nudez escapa
“sem querer” para a rede. Acusam alguém de ter hackeado o celular, o
computador, etc. Mas porque alguém precisa tirar fotos nuas ou até
comprometedoras se não for, ao fim e ao cabo, para mostrar para alguém?
Atende-se a um desejo narcísico mal disfarçado? Certo, pode não ser todo mundo,
mas a que atende essa necessidade ainda que seja para mostrar a uma meia dúzia?
Casa é um
arquétipo muito antigo para corpo. Religiões e filosofias muito antigas usaram
este símbolo. Ainda usamos hoje em dia. O que me faz lembrar uma música para
crianças de Vinícius que fala de uma casa que, se bem observarmos, casa não é.
O poeta resolveu chamá-la assim, mas não tinha teto, não tinha chão, nem
parede, nem penico. Se casa é um arquétipo de corpo – não somente a matéria –
e, por derivação, de ser quem somos, nossa identidade com toda sua riqueza e
feiúra, parece que há muitas casas-pessoas como essa do Vinícius.
Toda casa
precisa de privacidade, pois é onde somos protegidos, alimentados, guardados
das intempéries e da violência. A casa é o espaço do aprendizado afetivo, da
lealdade e da convivência com aqueles que se tornam muito próximos num
relacionamento exclusivo. Ela deixa de fora o intruso, o aproveitador, o
salteador como lembra Jesus no Evangelho de João. Ali ele chama casa de
aprisco, pois se referia a ovelhas. A relação que descreve é de profunda
intimidade entre quem denomina “pastor” e “ovelhas”. E isso é expresso no
reconhecimento da voz. No chamar pelo nome.
Mas se nossa
nudez, nossos atos mais íntimos são publicados e se tem pouquíssimo pudor com a
intimidade, torna-se casa sem portas e janelas. Disponível à bisbilhotagem do
estranho, da invasão do solerte que mansamente me rouba de mim.
Um grupo de
psicólogos da Universidade de Kent, Inglaterra, publicou um estudo cujo título
é Revenge Porn. Vingança pornográfica em tradução literal. O título se
autoexplica. Pessoas publicam fotos obtidas na relação íntima e espalham nas
redes que é similar àquela ideia do travesseiro de penas aberto no alto de um
prédio.
Os efeitos
destes atos são devastadores. Não só pela consequência emocional e psíquica
imediata e seus desdobramentos na vida prática, mas porque tem um tipo de
eternidade na rede. E eles voltarão nos momentos menos esperados, como uma
golfada de más notícias que exporão a pessoa vez trás vez.
Duas
revelações do artigo. 1. As mulheres são as mais afetadas neste tipo de ato. 2.
Aqueles que realizam este tipo de vingança foram correlacionados positivamente
a graus de psicopatia e de ausência de empatia para com a pessoa agredida, o
que é em si pródromo ou sintoma diagnóstico deste tipo de comportamento
patológico.
A autonomia
feminina precisa mesmo levar a uma exposição escancarada da vida? Será mesmo
que esta liberdade da mulher precisa excluir o recato? A prudência? O
comedimento? Refiro-me a isso porque o
artigo destaca e relaciona autonomia feminina como causa da hostilidade sofrida
pelas mulheres. Será que demonstrar essa liberdade de certa maneira não passa
de um tipo de autoafirmação? Ou aquela autonomia pode ser vivida de forma
assertiva, sem necessidade de demonstrações apoteóticas dessa liberdade consigo
mesma que precisa se expor de qualquer forma?
O
corpo-casa precisa de cuidado e zelo. Isso inclui a proteção de si mesma.
Manifestar a expressão da feminilidade, sim, mas atenta para quem e com quem
ela se revela. Afinal, como bem colocou o artigo, aquele íntimo ou nem tanto –
parece que muitas mulheres não se importam muito – pode ser um ser parasítico,
um espírito perverso que, sim, sempre dá sinais de quem é, mesmo aqueles
cuidadosos. Mas isso é tema para outro post.