quarta-feira, 8 de março de 2017

Vingança Pornográfica

Vive-se o tempo da intimidade pública. Aquilo que era dito e feito na alcova, atende hoje a uma espécie de imposição de se tornar público. Mas não somente público, também notório. O acesso às mídias sociais que, em tese, são pessoais, quer dizer, são portas que só abrem para aqueles que privam desta proximidade, instigam a tentação de se expor num protagonismo reativo, numa forma de dizer existo, faço isso e aquilo, sou interessante, ousado e livre.
A nudez escapa “sem querer” para a rede. Acusam alguém de ter hackeado o celular, o computador, etc. Mas porque alguém precisa tirar fotos nuas ou até comprometedoras se não for, ao fim e ao cabo, para mostrar para alguém? Atende-se a um desejo narcísico mal disfarçado? Certo, pode não ser todo mundo, mas a que atende essa necessidade ainda que seja para mostrar a uma meia dúzia?
Casa é um arquétipo muito antigo para corpo. Religiões e filosofias muito antigas usaram este símbolo. Ainda usamos hoje em dia. O que me faz lembrar uma música para crianças de Vinícius que fala de uma casa que, se bem observarmos, casa não é. O poeta resolveu chamá-la assim, mas não tinha teto, não tinha chão, nem parede, nem penico. Se casa é um arquétipo de corpo – não somente a matéria – e, por derivação, de ser quem somos, nossa identidade com toda sua riqueza e feiúra, parece que há muitas casas-pessoas como essa do Vinícius.
Toda casa precisa de privacidade, pois é onde somos protegidos, alimentados, guardados das intempéries e da violência. A casa é o espaço do aprendizado afetivo, da lealdade e da convivência com aqueles que se tornam muito próximos num relacionamento exclusivo. Ela deixa de fora o intruso, o aproveitador, o salteador como lembra Jesus no Evangelho de João. Ali ele chama casa de aprisco, pois se referia a ovelhas. A relação que descreve é de profunda intimidade entre quem denomina “pastor” e “ovelhas”. E isso é expresso no reconhecimento da voz. No chamar pelo nome.
Mas se nossa nudez, nossos atos mais íntimos são publicados e se tem pouquíssimo pudor com a intimidade, torna-se casa sem portas e janelas. Disponível à bisbilhotagem do estranho, da invasão do solerte que mansamente me rouba de mim.
Um grupo de psicólogos da Universidade de Kent, Inglaterra, publicou um estudo cujo título é Revenge Porn. Vingança pornográfica em tradução literal. O título se autoexplica. Pessoas publicam fotos obtidas na relação íntima e espalham nas redes que é similar àquela ideia do travesseiro de penas aberto no alto de um prédio.
Os efeitos destes atos são devastadores. Não só pela consequência emocional e psíquica imediata e seus desdobramentos na vida prática, mas porque tem um tipo de eternidade na rede. E eles voltarão nos momentos menos esperados, como uma golfada de más notícias que exporão a pessoa vez trás vez.
Duas revelações do artigo. 1. As mulheres são as mais afetadas neste tipo de ato. 2. Aqueles que realizam este tipo de vingança foram correlacionados positivamente a graus de psicopatia e de ausência de empatia para com a pessoa agredida, o que é em si pródromo ou sintoma diagnóstico deste tipo de comportamento patológico.
A autonomia feminina precisa mesmo levar a uma exposição escancarada da vida? Será mesmo que esta liberdade da mulher precisa excluir o recato? A prudência? O comedimento?  Refiro-me a isso porque o artigo destaca e relaciona autonomia feminina como causa da hostilidade sofrida pelas mulheres. Será que demonstrar essa liberdade de certa maneira não passa de um tipo de autoafirmação? Ou aquela autonomia pode ser vivida de forma assertiva, sem necessidade de demonstrações apoteóticas dessa liberdade consigo mesma que precisa se expor de qualquer forma?
O corpo-casa precisa de cuidado e zelo. Isso inclui a proteção de si mesma. Manifestar a expressão da feminilidade, sim, mas atenta para quem e com quem ela se revela. Afinal, como bem colocou o artigo, aquele íntimo ou nem tanto – parece que muitas mulheres não se importam muito – pode ser um ser parasítico, um espírito perverso que, sim, sempre dá sinais de quem é, mesmo aqueles cuidadosos. Mas isso é tema para outro post.