terça-feira, 8 de dezembro de 2015

No Coração do Mar

Os dois homens estão sentados à mesa. Um deles deseja ouvir uma história antiga e que se tornou, com o tempo, uma espécie de tabu. Assim descreve o livro de Nathaniel Philbrick, historiador e autor da obra “No Coração do Mar” que agora se tornou filme. Os efeitos especiais são incríveis, mas nada como nossa imaginação.
De qualquer modo, o filme é suficientemente fiel para dar ao espectador uma boa ideia da fascinante aventura que foi vivida pela tripulação do Essex, navio baleeiro que ousou ir longe demais na busca incansável pelo óleo de baleia, principal fonte energética nas primeiras décadas do século XIX.
O personagem Thomas Nickerson tinha apenas 14 anos quando começou sua vida de marinheiro. No filme, ele é o contador da aventura a ninguém menos que Herman Melville que, inspirado na história, criou sua obra universal Moby Dick. Esse detalhe é uma especulação que o livro detalha, pois admite que Melville tomou conhecimento da história para inspirar sua obra-prima.
Nickerson é um homem velho e consumido pelo que chama de abominações que praticou, no caso, o canibalismo de seus companheiros mortos. Nunca conseguiu contar para ninguém o que viveu como se o restante de sua vida tivesse se transformado num transtorno de stress pós-traumático eterno.
Por causa disso, mergulhou no álcool para anestesiar sua angústia. Preferiu calar como se, ao falar, seu segredo se transformasse num monstro que o devoraria. Melville quer obter a história para seu próximo romance. O velho marinheiro resiste até que, vencido por argumentos de sua mulher, decide enfrentar seu demônio pessoal.
A certa altura do relato, Nickerson parece que está a ponto de implodir e parar. Então o personagem Melville diz: “O diabo adora segredos não revelados. É isso que atormenta e adoece a alma.”  
Milênios antes, Davi, o rei, disse algo parecido. “Enquanto calei os meus pecados, envelheceram os meus ossos pelos meus constantes gemidos todo o dia.”

O silêncio alimenta o mal. O calar faz a alma agonizar. Nickerson continua sua história e depois de contar toda a verdade, numa catarse que esperou décadas para acontecer, ele se transforma e tenta até devolver o dinheiro que receberia pela história.
Certos silêncios são abrigos para escuridão. A alma precisa voar, vir à luz do sol das palavras para se organizar, deixar o peso e passar a limpo o oculto. Eventos traumáticos e certos segredos amortecem o vigor, apodrecem os ossos como bem diz Davi. Falar é acertar contas com o inimigo íntimo. Enfrentar aqueles que nos fizeram mal, coisas e gente. Por fim, é libertador.
O filme é mais que um entretenimento, é um convite a uma viagem que pode ser a nossa mesma.