Os dois homens
estão sentados à mesa. Um deles deseja ouvir uma história antiga e que se
tornou, com o tempo, uma espécie de tabu. Assim descreve o livro de Nathaniel
Philbrick, historiador e autor da obra “No Coração do Mar” que agora se tornou
filme. Os efeitos especiais são incríveis, mas nada como nossa imaginação.
De qualquer
modo, o filme é suficientemente fiel para dar ao espectador uma boa ideia da
fascinante aventura que foi vivida pela tripulação do Essex, navio baleeiro que
ousou ir longe demais na busca incansável pelo óleo de baleia, principal fonte
energética nas primeiras décadas do século XIX.
O personagem
Thomas Nickerson tinha apenas 14 anos quando começou sua vida de marinheiro. No
filme, ele é o contador da aventura a ninguém menos que Herman Melville que,
inspirado na história, criou sua obra universal Moby Dick. Esse detalhe é uma
especulação que o livro detalha, pois admite que Melville tomou conhecimento da
história para inspirar sua obra-prima.
Nickerson é um
homem velho e consumido pelo que chama de abominações que praticou, no caso, o
canibalismo de seus companheiros mortos. Nunca conseguiu contar para ninguém o
que viveu como se o restante de sua vida tivesse se transformado num transtorno
de stress pós-traumático eterno.
Por causa
disso, mergulhou no álcool para anestesiar sua angústia. Preferiu calar como
se, ao falar, seu segredo se transformasse num monstro que o devoraria.
Melville quer obter a história para seu próximo romance. O velho marinheiro
resiste até que, vencido por argumentos de sua mulher, decide enfrentar seu
demônio pessoal.
A certa altura
do relato, Nickerson parece que está a ponto de implodir e parar. Então o
personagem Melville diz: “O diabo adora segredos não revelados. É isso que
atormenta e adoece a alma.”
Milênios
antes, Davi, o rei, disse algo parecido. “Enquanto calei os meus pecados, envelheceram os
meus ossos pelos meus constantes gemidos todo o dia.”
O silêncio alimenta o
mal. O calar faz a alma agonizar. Nickerson continua sua história e depois de
contar toda a verdade, numa catarse que esperou décadas para acontecer, ele se
transforma e tenta até devolver o dinheiro que receberia pela história.
Certos silêncios são
abrigos para escuridão. A alma precisa voar, vir à luz do sol das palavras para
se organizar, deixar o peso e passar a limpo o oculto. Eventos traumáticos e certos
segredos amortecem o vigor, apodrecem os ossos como bem diz Davi. Falar é
acertar contas com o inimigo íntimo. Enfrentar aqueles que nos fizeram mal,
coisas e gente. Por fim, é libertador.
O
filme é mais que um entretenimento, é um convite a uma viagem que pode ser a
nossa mesma.