domingo, 8 de novembro de 2009

Quero ser o Zé do Caixão

O pedreiro Ademir Jorge Gonçalves, 59 anos, foi dado como morto após um acidente na BR-153, em Santo Antônio da Platina (PR), na noite deste domingo (1º). Familiares e amigos reconheceram o corpo no necrotério e o sepultamento foi providenciado como de praxe. O detalhe é que Ademir, conhecido como Tufão, apareceu vivo no próprio velório, às 8h desta segunda-feira (2), feriado de Dia de Finados.

Fonte: O Globo
A história saiu assim, sem mais. Ele me olhou, puxou conversa. O bafo de cachaça quase me fez levantar do lugar, mas não estava bêbado. Certamente era ressaca. E foi assim que começou.
Tem coisa que contando ninguém acredita, mas foi comigo, sim, senhor. Morri e nem sabia. Aqui mesmo neste bar vieram me dizer que minha família estava no meu velório. Eu tinha saído de casa uns dois dias antes. Briga de marido e mulher. Eu queria dar uma lição na Cotinha. Aquela mulher quando tira pra atazanar um...
Pois olhe, como eu dizia, estava aqui mesmo. Chega Borracha e me diz: Tufão, corre lá na tua casa que vão te enterrar. Olhe, aquilo me deu uma tristura que só vendo. Perguntei. Como é que eu vou ser enterrado Borracha, se tô aqui bebendo minha pinguinha? Não sei. Só sei que tu morreu e teu povo vai te enterrar. Corre que se não te enterram antes de tu chegar lá.
Ô moço, aquilo num era notícia que se dê. Corri lá pra casa, fui tirar a história a limpo. De longe se ouvia o berreiro. Cá comigo, agora penso que era só agá. Ô povo sem coração, esse meu! Cheguei lá desacorçoado. E o senhor acredita que entrei e ninguém me reconheceu? Estavam mais satisfeitos comigo, lá, morto. Só minha sobrinha me reconheceu: é o tio Tufão! E o povo olhando pra dentro do caixão. E eu: sou eu gente, tô morto não. Minha mãe, coitada, teve um passamento. A diaba da Cotinha, o senhor acredita, nem uma lágrima.
O fuzuê foi grande. Teve gente que correu com medo. Eu tava parecendo uma visagem, mesmo. Perguntei. Como foi que eu morri, gente? Disseram que fui atropelado. E o senhor acredita que eles me reconheceram no necrotério? Atestaram e assinaram, sim, senhor. Foi assim que me disse seu Honorato da funerária. Como é que ele ia saber que o morto num era eu se minha própria família disse que era? Meus irmãos, meus sobrinhos, me desconheceram. Teve parente que teimou comigo que eu não era eu. A Cotinha eu até entendo. Mas minha família?
O pior o senhor não sabe. Sei lá porquê, pra num guardar lembrança do morto que era eu, tocaram fogo no meu colchão e nas minhas roupas. Disseram que agoura guardar as coisas do morto. Tô só com a roupa do corpo.
De qualquer maneira, esclarecido o caso, fomos pra casa. Seu Honorato da funerária quis saber quem ia pagar o enterro. Queria que eu pagasse. Como? Pergunto ao senhor. Disse ele que serviu chá, café, bolacha durante 24 horas. Sem contar o caixão. Velaram isso tudo? Duvido. Ora, mas eu não morri e nem inventei que tinha morrido. Disse a ele que se entendesse com o morto de verdade ou então que cobrasse de quem disse que eu morri, num tô certo? Aliás, ninguém sabia quem era o desinfeliz do morto.
A polícia quis saber o motivo da confusão do reconhecimento. Mas o delegado logo entendeu que minha família era um bando sem eira nem beira. Descobriram que o morto tinha nome e família e era da cidade vizinha aqui perto. E o senhor pensa que pagaram seu Honorato? Nada. O coitado engoliu o prejuízo. Pra mais de mil reais, dizia toda hora. Mas pelo menos entendeu que eu não tinha que pagar. Se estou vivinho da silva, o serviço não me serviu.
Mas o senhor sabe o que dói mais neste caso? Não se faz mais velório como antigamente. É tudo ligeiro. No meu tinha choro, mas pouco. Eu fui um defunto de pouco choro, essa é que a verdade, por aí o senhor tira. Fora isso, num tenho mais sossego, toda hora tem um querendo saber a história e não gosto nada deste apelido de morto-vivo. Já que tô famoso, preferia Zé do Caixão, é mais importante, né não?