sábado, 24 de março de 2012

A garota ideal (2007)


Este é um filme que quase não foi visto no circuito blockbuster. Por razões bem claras: mostra um drama humano com simplicidade, baixo orçamento, pouca propaganda. E também porque a massa de assistentes prefere o Stallone com seus brucutus em Mercenários, que já está no segundo filme ou a maloca de vampiros – o coletivo para vampiros está errado, queria avacalhá-los – voejando nossas jugulares.
Lars (Ryan Gosling), que tem mostrado amadurecimento e segurança crescentes em suas atuações a cada filme – foi indicado ao Oscar deste ano por Drive e o aclamado “Tudo pelo Poder” com Clooney – é um jovem morador de uma pacata comunidade onde todos se conhecem. Tem um emprego e mora na garagem do irmão. Apesar de aparentar normalidade, tem uma vida reclusa, solitária e sem qualquer outra atividade que não ir à missa aos domingos e ao trabalho ao longo da semana.
Sua cunhada Karin (Emily Mortimer), preocupa-se com a situação de Lars e tenta incluí-lo na vida familiar. Ele, contudo, se mantém arredio e distante, apesar dos esforços maternais de Karin.
Um dia Lars aparece na porta e com um ar alegre diz que recebeu uma visita. É uma namorada chamada Bianca que conheceu pela internete e que veio de outro país. Fosse um ET, Karin e o irmão de Lars, Gus, ficariam contentes, pois pensam que a mudança de Lars é fruto de seus esforços. Um jantar é preparado e logo eles e deparam com a grande surpresa. A namorada é uma sex doll de silicone. Para Lars, é uma boa moça, religiosa, educada num convento e que até foi missionária por um tempo.
A partir deste episódio, Lars vive seu transtorno delirante que mudará a vida de toda comunidade. A evolução do surto de Lars e de como o respeito, acolhimento, não julgamento da família e da comunidade, que precisa aprender a conviver com uma situação bizarra e, por fim, o amor por uma garota real, são os fatores da cura de Lars.
Destaco a performance de Patricia Clarkson (Dra Berman), não propriamente pela atuação que exigiu pouco de um atriz com muita experiência, mas pela performance da personagem na pele de uma psicóloga sensível e atenta, que soube usar a própria situação em favor da cura de seu paciente.

domingo, 18 de março de 2012

Morte Proibida


Na cidade italiana de Falciano del Massico, a morte pode até bater à porta, mas os moradores não podem abri-la de jeito nenhum.

Fonte: Folha de São Paulo (Caderno Mundo – 16/03/2012)

Sentado em sua escrivaninha, seu rosto denotava todo o desânimo. Não tinha solução para o problema. A cidade era pequena, era verdade, e construída espremida entre a montanha que subia verticalmente uns mil metros e o mar, não havia mais terreno para mais nada. A especulação imobiliária, casinhas brancas penduradas sobre o azul do Mediterrâneo, fez estragos nos anos setenta da qual a cidade nunca se recuperou.
Naquela época era uma espécie de pequeno paraíso que atraiu algumas celebridades. Mas ô povinho volúvel é celebridade. São piores que ciganos – xi, acho que vou ser preso pelo procurador que queria tirar o verbete “cigano” porque disse que o Houaiss era preconceituoso. Dane-se, os ciganos vivem se mudando. É um povo sem pousada. Acho que está entendido o sentido aqui, ou não?
O prefeito Máximo Pompílio não sabia mais o que fazer porque com a população pequena e envelhecida, a cada mês um se despedia desta para outra. Semana passada, o último lugar possível para enterrar fora ocupado. Se morresse mais alguém, não haveria onde colocar. Cremar não era possível, porque não havia crematório e o povo, conservador, fazia questão de ser enterrado na cidade. Mas sem lugar, o que fazer?
Nem se conte que dona Melindra havia dias que ora ameaçava empacotar e no outro dia se via comendo uma baita macarronada. Seu Catifundo, esse estava em situação mais periclitante. Um bater de porta e o coração dele pifava. Máximo estava uma pilha.
Ele até deu a ideia de jogar os corpos no mar, como se fez com o Bin Laden, mas ninguém queria ter os olhos roídos por camarões, baiacus e outros bichos. Sem contar uns pepinos do mar que quereriam entrar em orifícios não autorizados. Foi uma celeuma. Quase foi linchado por tamanha insolência. O padre liderou uma cruzada e fez vigília à sua porta por quase uma semana por falta de amor cristão. Agora não passa uma carola perto dele que não dê uma cusparada no chão em sinal de protesto e desprezo.
Lembrou que um xará seu, que não sabia se era personagem ou gente real, Odorico Paraguassú, tinha cemitério e tentou por dez mandatos inaugurá-lo, mas por teimosia e ingratidão ninguém morria na cidade. Seu caso era um cemitério superpopuloso. Era uma China defuntícia. Havia túmulos que pareciam arranha céus. Teve que intervir. Mais alto não se construía porque o terreno não suportava edifícios tão pesados. Era o pior dos mundos. Sem contar que havia jazigos que já pendiam prum lado. Tentou ganhar dinheiro com turistas desavisados dizendo que eram as verdadeiras torres de Pisa. Não colou.
Consultou o padre que o perseguiu em busca de ajuda e reconciliação. O padre disse que ele não ousasse vir com propostas indecentes e desrespeitosas com os pobres defuntos da cidade. Padre Pio, já tentei de tudo e não há mais lugar onde por nossos queridos presuntos, quero dizer, falecidos. Aham... E o senhor tem alguma saída para o impasse? Decretarei que até que tenhamos um cemitério, todos estão terminantemente proibidos de passar para o outro lado. Ninguém deve ousar morrer e se alguém o fizer, será severamente punido. Padre Pio ouviu estupefato, estava certo que o prefeito manifestava um surto de pura megalomania, equiparava-se a Deus, pois afinal só Ele tem o poder de determinar a vida e a morte. Deu-lhe uma descompostura e foi-se abanando a batina.
Máximo estava resoluto e não se deixaria intimidar. Estava disposto a conversar com a dona morte em pessoa, se fosse necessário, e pedir uma trégua. Aliás, era o que faria. Escreveu-lhe. Prezada Senhora Morte. Por favor, esqueça-nos por alguns meses. Tem lugares mais precisados da senhora. Terei prazer em recebê-la em nossa cidade assim que estivermos preparados para tão ilustre visita e com lugar adequado para acomodá-la. Temos bons cidadãos que ficarão honrados em acompanhá-la, mas não no momento, porque estão todos obedecendo um decreto que lhes proíbe morrer. Obrigado. Este seu admirador. Máximo Pompílio. Prefeito.