Na cidade italiana de
Falciano del Massico, a morte pode até bater à porta, mas os moradores não
podem abri-la de jeito nenhum.
Fonte: Folha de São Paulo
(Caderno Mundo – 16/03/2012)
Sentado em sua escrivaninha, seu
rosto denotava todo o desânimo. Não tinha solução para o problema. A cidade era
pequena, era verdade, e construída espremida entre a montanha que subia
verticalmente uns mil metros e o mar, não havia mais terreno para mais nada. A
especulação imobiliária, casinhas brancas penduradas sobre o azul do
Mediterrâneo, fez estragos nos anos setenta da qual a cidade nunca se
recuperou.
Naquela época era uma espécie de
pequeno paraíso que atraiu algumas celebridades. Mas ô povinho volúvel é
celebridade. São piores que ciganos – xi, acho que vou ser preso pelo procurador
que queria tirar o verbete “cigano” porque disse que o Houaiss era
preconceituoso. Dane-se, os ciganos vivem se mudando. É um povo sem pousada.
Acho que está entendido o sentido aqui, ou não?
O prefeito Máximo Pompílio não
sabia mais o que fazer porque com a população pequena e envelhecida, a cada mês
um se despedia desta para outra. Semana passada, o último lugar possível para
enterrar fora ocupado. Se morresse mais alguém, não haveria onde colocar.
Cremar não era possível, porque não havia crematório e o povo, conservador,
fazia questão de ser enterrado na cidade. Mas sem lugar, o que fazer?
Nem se conte que dona Melindra
havia dias que ora ameaçava empacotar e no outro dia se via comendo uma baita
macarronada. Seu Catifundo, esse estava em situação mais periclitante. Um bater
de porta e o coração dele pifava. Máximo estava uma pilha.
Ele até deu a ideia de jogar os
corpos no mar, como se fez com o Bin Laden, mas ninguém queria ter os olhos
roídos por camarões, baiacus e outros bichos. Sem contar uns pepinos do mar que
quereriam entrar em orifícios não autorizados. Foi uma celeuma. Quase foi
linchado por tamanha insolência. O padre liderou uma cruzada e fez vigília à sua
porta por quase uma semana por falta de amor cristão. Agora não passa uma
carola perto dele que não dê uma cusparada no chão em sinal de protesto e
desprezo.
Lembrou que um xará seu, que não
sabia se era personagem ou gente real, Odorico Paraguassú, tinha cemitério e
tentou por dez mandatos inaugurá-lo, mas por teimosia e ingratidão ninguém
morria na cidade. Seu caso era um cemitério superpopuloso. Era uma China
defuntícia. Havia túmulos que pareciam arranha céus. Teve que intervir. Mais
alto não se construía porque o terreno não suportava edifícios tão pesados. Era
o pior dos mundos. Sem contar que havia jazigos que já pendiam prum lado.
Tentou ganhar dinheiro com turistas desavisados dizendo que eram as verdadeiras
torres de Pisa. Não colou.
Consultou o padre que o perseguiu
em busca de ajuda e reconciliação. O padre disse que ele não ousasse vir com
propostas indecentes e desrespeitosas com os pobres defuntos da cidade. Padre
Pio, já tentei de tudo e não há mais lugar onde por nossos queridos presuntos, quero
dizer, falecidos. Aham... E o senhor tem alguma saída para o impasse?
Decretarei que até que tenhamos um cemitério, todos estão terminantemente
proibidos de passar para o outro lado. Ninguém deve ousar morrer e se alguém o
fizer, será severamente punido. Padre Pio ouviu estupefato, estava certo que o
prefeito manifestava um surto de pura megalomania, equiparava-se a Deus, pois
afinal só Ele tem o poder de determinar a vida e a morte. Deu-lhe uma
descompostura e foi-se abanando a batina.
Máximo estava resoluto e não se
deixaria intimidar. Estava disposto a conversar com a dona morte em pessoa, se
fosse necessário, e pedir uma trégua. Aliás, era o que faria. Escreveu-lhe.
Prezada Senhora Morte. Por favor, esqueça-nos por alguns meses. Tem lugares
mais precisados da senhora. Terei prazer em recebê-la em nossa cidade assim que
estivermos preparados para tão ilustre visita e com lugar adequado para
acomodá-la. Temos bons cidadãos que ficarão honrados em acompanhá-la, mas não
no momento, porque estão todos obedecendo um decreto que lhes proíbe morrer.
Obrigado. Este seu admirador. Máximo Pompílio. Prefeito.
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