sábado, 10 de março de 2012

Conselhos de amor


Dia da mulher, 8 de março, o programa de rádio “Conselhos de amor” preparou algo especial para suas ouvintes. Antes, um pouco de história. Quando começou, vinte anos atrás, “Conselhos de amor” nem tinha este nome e tampouco era exclusivo para o público feminino. Democlécio Black, nome artístico do locutor, ainda se chamava Sisifredo Silva e fazia um programa mundo cão. Acontece que de tanto atender mães e mulheres de bandidos, o programa foi mudando o perfil, do mesmo modo que a voz de Sisifredo/Democlécio foi se amanteigando com um leve ronronar como quem fala ao pezinho do ouvido de uma mulher a quem se quer conquistar.
A nova voz sussurrada, compassada, carregada com tons de rouquidão treinada para torná-la mais masculina capaz de derreter até o coração daquela sua tia solteirona, que acha todos os homens do mundo uns porcos chauvinistas, era sua marca registrada. Mulher não gosta de homem que fala fino, dizia Democlécio Black. Alguma razão tinha. As falas, recomendava, deviam ser cheias de diminutivos e de palavrinhas dengosas para a mulherada. Receita que lhe deu sucesso imediato. Demo Black – é a forma mais nova do nome do locutor, que não se importa se as pessoas fazem graça dizendo que seu nome é sinônimo de capiroto – dá conselhos, oferece músicas a la Wando e manda recadinhos de amor, quadro que bomba com a quantidade de pedidos.
O segredo de dar conselhos às mulheres de certo perfil é fazer-lhes quindim, fingir ficar contra os homens, não de forma aberta e escancarada. Há que ter sutileza nestas coisas. É mais dar-lhes razão às queixas contra os cafajestes que elas amam. Uma palavra dita sem o meneio adequado, vai colocá-las contra o aconselhador. Demo sabia fazer isso como ninguém. Nem mesmo Vadinho tinha seu tato e malemolência. Não importa, ensinava Demo, se os conselhos são profundos ou verdadeiros. Aliás, afirmava, não trabalhava com a verdade, trabalhava com o coração das mulheres apaixonadas que sempre está disposto a acreditar, deste que lhes dissesse o que queriam ouvir. E todas querem ouvir que são lindas, únicas e que há um príncipe à sua espera. O cara com quem estão não as merecem. Fisolofia de boteco, você diria, mas Demo fazia um sucesso danado.
No dia da mulher, uma consulente/ouvinte ligou aflita. Demo, me ajude. Estou casada há três anos com um homem maravilhoso, que me dá atenção, carinho e sempre me respeita. Damos certo em tudo, inclusive naquela parte, eu sou o fogo e ele a gasolina, você entende, não é? Acontece que ele trabalha num lugar longe, diz que é muito insalubre, não tem endereço certo, nem telefone e que precisa ficar lá por oito meses e que só lhe dão quatro meses livre no ano. O que você me aconselha? Estou sem saber o que fazer. Existe um trabalho assim?
Demo Black pigarreou, acertou sua melhor voz e disse num ataque de louca sinceridade: minha lindinha, veja bem, este homem tem outra mulher em alguma biboca, talvez nem tão longe de você. Para ela deve dizer uma mentira parecida, mas como deve ser mais casca grossa e não suportaria os oito meses que você aguenta, diz que trabalha no mesmo lugar, mas só quatro meses. Simples assim. Silêncio. Lindinha? Você ainda está aí? Um choro longe era ouvido no rádio. Constrangimento. Demo já pensava em colocar uma música quando veio-lhe a ideia salvadora. Mentiria como sempre fez.
A ouvinte, por fim, disse: ainda estou aqui. Fungava entre leves soluços de um coração machucado pela bruta verdade ou quase. Que bom, fofucha, eu estava brincando, gracejou Demo. Seu príncipe trabalha numa mina a cem quilômetros de profundidade. Leva um mês para descer e dois para subir. Trabalha como os mineiros chilenos, na mais completa escuridão, ar abafado, e depois volta para você cheio de amor para lhe dar. È o melhor dos mundos. Vocês não tem tempo para brigar, tudo é love e quando um está abusando, ele tem que partir deixando a saudade que alimentará sua espera. A mulher ria. Oh, Demo, você salvou a minha vida. Um beijo lindinha! E agora vamos fazer a felicidade de mais uma ouvinte. Alô?

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