Fonte: Portal Terra
Os antigos diziam: pau que nasce torto, morre torto. Ou aquela outra: quem nasce pra cangalha, se montar em sela cai. Não sei, mas a realidade teima em confirmar estas afirmações, à parte das explicações psicológicas. Já viram bicho mais cheio de explicação do que psicólogo?! Vote!
Melonório teve vida comum. Família remediada. Mãe: do lar. Pai: Funcionário público. Teve apenas outro irmão, de modo que apesar da vida comedida, nunca faltou nada em casa. Melonório sempre foi meio enviesado, como disse o poeta, gauche na vida, sem a conotação de que aquela entortadura fosse, nele, uma metáfora da incompletude humana.
Lá no jardim de infância, Melonório já aprontava, mesmo sujeito a dúzias de bolo – de palmatória, tão pensando o quê? – se fosse pego. Era uma rede de arrasto. Dessem moleza, deixassem à mão de gato, se Melinho, como era chamado em casa quando pequeno, visse, adeus.
Os pais, coitados, dedicados aos filhos e honrados, sofriam e castigavam o diabo do Melo com rigor, mas por uma compulsão miserável, o desinfeliz vira e mexe era pego no mal feito. Na adolescência diminuiu a prática do furto, ou ficou mais ardiloso e disfarçado, sabe-se lá. Apesar de tudo, Melonório, tinha seu mérito, não era burro. Pescava ou colava por tara, não por necessidade. Dona Piedade da Luz, professora pela qual passaram todas as crianças da região, dizia que Melinho era inteligente que só vendo, a pesca era um vício. Por exemplo, se pegava o danado no ato, além das reguadas, tomava a pesca, o livro, o caderno e o que mais ele inventasse. Perguntava tudo e não é que o peste desandava a falar sem titubear uma vez!
A vida segue. Ora Melinho na cela, ora no chão, ora na cangalha, que fazer? O fato é que passou em medicina e se formou. Furtou zilhões de estetoscópios de colegas e outros badulaques que os médicos usam em seus afazeres. Se era pego, dava desculpas elaboradas, afinal, para ser bom furtador é preciso ser exímio mentiroso. Um dia, em busca de ajuda psicológica, confessou: Eu gosto é da adrenalina do ato. Aquela sensação de: será que vou ser pego?
Melinho casou, descasou. Um único filho desapareceu, possivelmente por vergonha e ele, que poderia ter ido longe, resumiu sua vida profissional aos atendimentos no SUS e plantões. Velho, não pôde parar de trabalhar como queria, cansado que estava. Depois de 40 anos de medicina, recebia uma miséria em aposentadoria, os trocados do SUS e dos pacientes complementavam a renda e lhe dava algum conforto.
Nome: Melonório Maganão. Idade: 65. Profissão: Médico. Local de Trabalho: Posto de Saúde do Cabra Cega. O senhor sabe por que está aqui? Não senhor. O senhor foi denunciado por furto da carteira de um paciente. Eu? Doutor, vamos logo esclarecer esta história. O senhor é conhecido. Tomei liberdade de checar sua ficha e estou de queixo caído. Quer que eu diga? Não há necessidade, até porque é tudo potoca. Senhor delegado, veja bem. Iiiih. Quando começa com “veja bem”...
Olhe, eu não furtei o rapaz. Atendi-o, obra de caridade, pela hora que chegou eu já havia terminado meu horário, mas sou escravo do dever. Vai assumir, vai assumir... Melonório como que desfaleceu. Voltou a si. Sou o Melonório Hide. Sou o chefe da gang do jaleco. A carteira caiu no chão, eu peguei, achado não é roubado e de mais a mais, o SUS paga mal, fico acordado a noite inteira, tenho que ganhar algum. Esta pobraiada é só doença e só chega em horário inconveniente. Eu sou fã do dr. Hosmany, cirurgião de bolso e cofre. Ao delegado incrédulo, restou dar ordem de prisão ao doutor Melonório Hide, que logo saiu, depois de singela fiança de 10 mil, que ele disse em tom de deboche: é troco.