sábado, 17 de abril de 2010

Os assassinatos de Luziânia: o que a psicologia tem a ver com isso?

O país ainda está chocado com a recente notícia de que o desaparecimento de seis jovens em Luziânia – cidade goiana próxima a Brasília – entre dezembro de 2009 e janeiro deste ano, deveu-se à ação de um homem, o pedreiro Adimar de Jesus, 40, que os teria enganado com promessa de trabalho e em seguida, após abusar sexualmente de suas vítimas, os matou a pauladas.
A descoberta do culpado ampliou o debate sobre o caso porque, no centro da questão, está uma decisão controversa dada pelo juiz que permitiu a progressão da pena – o réu, por bom comportamento, é beneficiado com liberdade em regime semiaberto, ou seja, durante o dia realiza atividades, como trabalho, e dorme no presídio.
Ao que parece, havia dois laudos discrepantes sobre o tipo de transtorno apresentado pelo pedreiro. Um deles, de agosto do ano passado, realizado por psicólogos, atestava que Adimar apresentava psicopatologia grave, tendências a sadismo e que seu distúrbio o impedia do convívio social. Um segundo laudo, realizado por uma psiquiatra, ateve-se às questões cognitivas (memória, pensamento, linguagem, etc) do avaliado e na ausência da necessidade medicamentosa, pois não era portador de esquizofrenia, definia.
O juiz, não se sabe se desconhecendo o primeiro laudo, optou pelo segundo para decidir em favor da libertação de Adimar. Ainda baseado no laudo psiquiátrico, disse que o preso não tinha problemas mentais. Em entrevista, afirmou que independente do que dissessem os laudos, ele deveria soltar o preso, pois assim a lei determina. A se levar em conta este argumento, é de se questionar para que servem psicólogos e psiquiatras no serviço da justiça em casos semelhantes.
Ora, o portador de transtorno de personalidade antissocial não tem suas funções cognitivas afetadas, logo, o que se diga a esse respeito, não deveria ser considerado para efeito da decisão tomada pelo juiz, mas, como é evidente, isso foi deixado de lado. O fato é que uma semana depois de receber o benefício, o pedreiro praticou o primeiro assassinato. Das duas uma, ou se leva a sério o que diz um laudo psicológico, especialmente de pessoas com transtornos que incluem violência sexual ou não, ou se altera a lei para que esta avaliação possa ser considerada, já que o Estado não dispõe de vigilância para monitorar os presos nesta condição quando em liberdade, nem mesmo os de baixa periculosidade quando reincidem.
        O presidente do Supremo, Gilmar Mendes, disse que houve falha no sistema. E daí? O que será feito a respeito? A questão, entretanto, é que havia, sim, laudo psicológico a respeito do homem que estava preso por molestar crianças – foi condenado a 14 anos em regime fechado – e, no mínimo, pelos elementos indicados na avaliação, o juiz deveria ter maior acuidade investigativa para subsidiar a decisão.
        Certamente não é o caso de, exclusivamente, buscar culpados, mas corrigir um erro flagrante que não deve ser o primeiro. Qual deveria ser a escolha do juiz? Um psicodiagnóstico não é apenas a aplicação de um teste infalível, consiste, antes de tudo, numa análise bem fundamentada que envolve entrevistas, análise da história de vida e então, a aplicação de testes, validados estatisticamente para uma população, por pesquisas e dados clínicos. Assim, o resultado, com níveis de certeza bastante precisos com respeito ao prognóstico do avaliado, representa um quadro que abrange vários aspectos: sociais, psicológicos, desenvolvimento pessoal.
Os conceitos de multi, inter e transdisciplinaridade são relativamente recentes em algumas áreas. Na sequência em que foram assinalados aqui, descrevem uma gradação de relações e sinergias entre conhecimentos. Na maioria das instituições estamos na primeira fase. Várias profissões lançam seus olhares sobre um sujeito ou problema e cada qual contribui com parte da solução ou decisão a ser tomada num processo dialógico. No que diz respeito ao ser humano, por qualquer ângulo que seja analisado, é impossível vê-lo apenas por um olhar, tal sua complexidade. Menos ainda apenas pela norma legal.
A tragédia que mais este caso representa deveria desencadear um movimento sério, permanente, para além dos lamentos midiáticos, de que no caso específico da justiça, deve-se incrementar ao processo já em curso a agregação em profundidade da participação do maior número de psicólogos e psiquiatras para dar suporte às decisões judiciais, não apenas como uma espécie de apêndice a ser levado a sério de forma protocolar ou não pela discricionariedade/submissão do juiz ao sistema judicial.

quarta-feira, 14 de abril de 2010

Igreja S. A.

A recente divulgação de uma gravação estrelada pelo segundo homem da hierarquia da igreja Universal, bispo Romualdo Panceiro, virtual sucessor do bispo Macedo, papa da igreja, é um escândalo, talvez e infelizmente, como acontece com ações marginais dos políticos brasileiros, destinado ao esquecimento . 
A Folha divulgou vários momentos da gravação de uma aula de desfaçatez e inacreditável sem cerimônia em que o tal bispo ensina seus pupilos pastores a extorquir, em nome da religião, pobres vítimas. A certa altura da homilia o bispo diz: "nosso problema não é bandido, é a polícia". Ele alegava que um roubo de 52 mil reais de um carro forte que carregava a féria de uma igreja, fora roubado por, pasme o leitor, policiais. Eu tendo a acreditar que a quizília se dá pelos métodos, logo, pela identificação com os primeiros. Ainda entre as orientações, o bisbo ensinou como usar a Bíblia para manipular e dar fundamentação ao assalto ao bolso das pessoas. 
Mas o homem foi além, deu também dicas, em nome de seu chefe, de como devem agir os pastores nas comunidades pobres. Nada mais, nada menos que se aliar aos bandidos que infelicitam as favelas como forma de manter uma política de boa vizinhança. A pergunta que não quer calar é: até quando se assistirá estes falsos profetas, enganadores, verdadeiros estelionatários da fé, agirem impunemente?
O cartunista Jean conseguiu ilustrar com algum humor aquilo que deveria nos fazer chorar, a conspurcação dos púlpitos, a exploração da fé ingênua dos cidadãos. 

segunda-feira, 12 de abril de 2010

A peruca de Jesus

Nem a peruca usada em uma imagem de Jesus Cristo escapou dos ladrões que, ontem de madrugada, invadiram a Igreja Nossa Senhora das Graças, na Vila Maria, bairro de classe média e baixa em São José dos Campos (97 km de São Paulo).
Fonte: AGÊNCIA FOLHA, EM CAMPINAS
Será pecado mortal, padre? Tô muito sentido com o que fiz com o Pezão. Será que tem um desconto, eu só fui prestar uma ajuda ao meu camarada? Digo isso porque não queria furtar nada, muito menos uma igreja. Deus me livre, nossenhora me defenda. Fez sinal da cruz três vezes. Vô lhe contar o acontecido. Eu tava em casa, já de cara pra cima por causa do feriadão da semana santa. Aprendi com minha santa mãezinha que tem que guardar os dias santos. Num tô certo?
Pois então, estava eu guardando sentimento pela morte de nossenhor. Pezão chegou por ali, como quem não quer nada e ficou jogando conversa fora. Lá pelas tantas, disse que queria me pedir um favor. Sua mulher tá muito adoentada dos rins. Não sei quem tinha dito pr’ele que cabelo de milho é remédio danado de bom pra pobrema nos rins. O diabo é que não se achava cabelo de milho em lugar nenhum, assim disse ele. Na hora eu nem pensei que bastava ir na feira. Agora pensando bem, meu camarada tava mal intencionado. Isso que dá, padre, ter bom coração.
Veja pra onde a história vai. Ele disse: meu camarada, cabelo de milho é bom, mas cabelo da cabeça ensanguentada de Jesus na cruz é muito melhor. Eu fiquei assombrado com aquilo. Onde já se viu pegar o cabelo santo de nossenhor? Pezão disse que era simples. Na paróquia tinha um cristo crucificado, o cabelo era bento, disse ele. Eu perguntei como. Ele disse: ora, se num é bento, tá na missa todo dia, pe. Cândido benze a peruca de nossenhor de cinco em cinco minutos. Eu não lembrava dessa parte da missa, me perdoe, padre, isso que dá faltar a santa missa. Mas confiei.
Perguntei. Como é que vamo pegar o cabelo bento de nossenhor? Pezão, que tem prano pra tudo, disse: é só entrar na igreja e pegá. Eu perguntei: pe. Cândido dêxa? Ele respondeu que fosse para outra coisa não, mas pra fazê remédio, o senhor era o primeiro a tomá, se precisasse, né padre? Quer dizer, a causa era boa e uma bondade feita na semana santa, vale o dobro, eu acho aqui com meus conhecimentos, num tô certo?
Acontece, padre, que o capiroto atenta nóis é dia e noite. Num se pode bobear com o danado. Se rezar todo dia o fute ainda acha um meio de atazanar a vida de um. Acho que só o senhor aguenta o safado, né padre? Mas nóis, pobres coitados que num entende as coisas do céu, vixemaria, ele deita e rola.
Entremo na igreja. Eu já achei ruim porque tivemo que arrombar aquela portinhola ali do lado da sacristia. Perguntei pro meu camarada pra quê aquilo. Ele disse que tinha esquecido a chave que o senhor deu. Olhe só que homi mais desavergonhado, mentindo em plena semana santa! Bom, aí pequemo o cabelo bento de nossenhor. No caminho vimo a caxinha de oferta aberta, peguemo, a minha parte, eu disse pra nossenhora, foi emprestado. O vinho tava por ali, pra não estragá, bebemo também. Olhe, padre, êta vinho bão, muito melhor que São João da Barra. Aí, depois de tanta estrepolia, eu já tava era bebo, bateu uma fome da gota. Comemo as óstias. Pezão disse que aquela não era benta, então não fazia mal. Agora, essas outras coisas de que tão falando - seis microfones, cabos de som, dois castiçais, um incensário – não sei dá conta disso não.