segunda-feira, 12 de abril de 2010

A peruca de Jesus

Nem a peruca usada em uma imagem de Jesus Cristo escapou dos ladrões que, ontem de madrugada, invadiram a Igreja Nossa Senhora das Graças, na Vila Maria, bairro de classe média e baixa em São José dos Campos (97 km de São Paulo).
Fonte: AGÊNCIA FOLHA, EM CAMPINAS
Será pecado mortal, padre? Tô muito sentido com o que fiz com o Pezão. Será que tem um desconto, eu só fui prestar uma ajuda ao meu camarada? Digo isso porque não queria furtar nada, muito menos uma igreja. Deus me livre, nossenhora me defenda. Fez sinal da cruz três vezes. Vô lhe contar o acontecido. Eu tava em casa, já de cara pra cima por causa do feriadão da semana santa. Aprendi com minha santa mãezinha que tem que guardar os dias santos. Num tô certo?
Pois então, estava eu guardando sentimento pela morte de nossenhor. Pezão chegou por ali, como quem não quer nada e ficou jogando conversa fora. Lá pelas tantas, disse que queria me pedir um favor. Sua mulher tá muito adoentada dos rins. Não sei quem tinha dito pr’ele que cabelo de milho é remédio danado de bom pra pobrema nos rins. O diabo é que não se achava cabelo de milho em lugar nenhum, assim disse ele. Na hora eu nem pensei que bastava ir na feira. Agora pensando bem, meu camarada tava mal intencionado. Isso que dá, padre, ter bom coração.
Veja pra onde a história vai. Ele disse: meu camarada, cabelo de milho é bom, mas cabelo da cabeça ensanguentada de Jesus na cruz é muito melhor. Eu fiquei assombrado com aquilo. Onde já se viu pegar o cabelo santo de nossenhor? Pezão disse que era simples. Na paróquia tinha um cristo crucificado, o cabelo era bento, disse ele. Eu perguntei como. Ele disse: ora, se num é bento, tá na missa todo dia, pe. Cândido benze a peruca de nossenhor de cinco em cinco minutos. Eu não lembrava dessa parte da missa, me perdoe, padre, isso que dá faltar a santa missa. Mas confiei.
Perguntei. Como é que vamo pegar o cabelo bento de nossenhor? Pezão, que tem prano pra tudo, disse: é só entrar na igreja e pegá. Eu perguntei: pe. Cândido dêxa? Ele respondeu que fosse para outra coisa não, mas pra fazê remédio, o senhor era o primeiro a tomá, se precisasse, né padre? Quer dizer, a causa era boa e uma bondade feita na semana santa, vale o dobro, eu acho aqui com meus conhecimentos, num tô certo?
Acontece, padre, que o capiroto atenta nóis é dia e noite. Num se pode bobear com o danado. Se rezar todo dia o fute ainda acha um meio de atazanar a vida de um. Acho que só o senhor aguenta o safado, né padre? Mas nóis, pobres coitados que num entende as coisas do céu, vixemaria, ele deita e rola.
Entremo na igreja. Eu já achei ruim porque tivemo que arrombar aquela portinhola ali do lado da sacristia. Perguntei pro meu camarada pra quê aquilo. Ele disse que tinha esquecido a chave que o senhor deu. Olhe só que homi mais desavergonhado, mentindo em plena semana santa! Bom, aí pequemo o cabelo bento de nossenhor. No caminho vimo a caxinha de oferta aberta, peguemo, a minha parte, eu disse pra nossenhora, foi emprestado. O vinho tava por ali, pra não estragá, bebemo também. Olhe, padre, êta vinho bão, muito melhor que São João da Barra. Aí, depois de tanta estrepolia, eu já tava era bebo, bateu uma fome da gota. Comemo as óstias. Pezão disse que aquela não era benta, então não fazia mal. Agora, essas outras coisas de que tão falando - seis microfones, cabos de som, dois castiçais, um incensário – não sei dá conta disso não.

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