domingo, 1 de julho de 2012

Quem vê cara não lê pensamento


Demora e dá um bocado de trabalho, mas aparelhos de ressonância magnética já podem ser empregados para "conversar" usando apenas a força do pensamento.
A tecnologia, descrita por pesquisadores da Holanda e da Alemanha em artigo na revista científica "Current Biology", usa padrões cerebrais específicos para codificar cada uma das letras do alfabeto e mais uma "tecla de espaço" mental.

Fonte: Folha de S. Paulo – Ciência e Saúde (29/06/2012)

Até agora as experiências no campo da leitura da mente tem caminhado a passo de cágado. Veloz mesmo somente entre os mágicos que, por artimanhas que nos deixam abobalhados, “leem” nossas mentes. Por evidente, dentro do ambiente e palco que eles preparam. Não fosse isso, seriam tão analfabetos quanto qualquer um de nós. Há a turma da parapsicologia que jura de pés juntos que há indivíduos capazes de tal façanha telepática. Mas basta colocá-los à prova e como que por um milagre ao contrário, perdem a tal propalada habilidade. Assim, continuam fazendo sucesso apenas em seu mundinho onde há sempre um público ávido por estas bizarrices.
Japoneses e europeus estariam na frente da corrida da leitura do cérebro. Americanos tem lá sua versão e nós, brasileiros, expomo-nos por própria vontade a leitores de mãos ciganos, astrólogos, tarólogos, mães dinás e outros bichos. Mas, deboche à parte, estimulemos um pouco nosso incipiente sentido de teorias da conspiração, no que os americanos são pródigos. Imagine você que, por aí, já exista uma maquininha do tamanho de uma câmera fotográfica e que se disfarce da própria e que ao tirar uma “fotografia”, de fato, arranca do seu cérebro os pensamentos mais secretos e recônditos.
Recordo de uma velha professora, nos longínquos anos oitenta, que se deliciava com a hipótese desta última fronteira ser indevassável. Ria traquinas com a possibilidade que todos temos de dizer-pensar as piores barbaridades na cara do outro sem que por isso sejamos penalizados sequer por um banal rubor de vergonha. Boa época em que nem por hipótese se cogitava a possibilidade de uma máquina leitora de mentes. Catastrófico, só consigo cogitar os piores cenários. Sim, porque temos este pendor irrefreável de transformar algo bom em maligno.
Não haveria mais traições. Quer dizer, todas seriam sumariamente descobertas quando o cônjuge traidor se deliciasse desavergonhadamente na sua presença das cenas tórridas que horas antes tivesse vivido com o/a agente da traição. Pensar alto ganharia, desta forma, uma concretude desconcertante. A verbalização seria quase que desnecessária no que, em certas circunstâncias, seria uma bênção.
Imagine um encontro. Depois das saudações protocolares, a primeira coisa a fazer seria decidir: com ou sem leitor de mente. Para aqueles casos em que a confiança seria um artigo raro ou inexistente, cada qual se muniria com um aparelhinho, uma espécie de bina, que detectaria a presença do devassador de mentes. Com o avanço da ciência, e nestas poucas linhas que avancei no texto, aquilo que era do tamanho de uma máquina fotográfica no parágrafo anterior, aqui já estaria reduzido a algo do tamanho de um ipod nano – ainda existe esta velharia? Neste parágrafo, então, já se confundiria com uma caneta ou até um botão da blusa, se é que haverá botões a esta altura.
Prevejo, por outro lado que, por fim, a grave pergunta freudiana “o que querem as mulheres?” encontraria sua resposta definitiva. Acabaria para os homens os velho enigma feminino que a tantos perturba. O velho joguinho de palavras: ora dizem “sim” quando querem dizer “não” ou aquele “não” sem convicção e maroto que, na verdade, é um “sim”.
Logo a criatividade humana que é ladina, inventaria um capacete bloqueador de pensamentos como aquele do Magneto contra o Prof.Xavier do filme X-Man. Claro, a indústria faria não um capacete, mas variados modelos e capacidades de bloqueio. O basicão não bloquearia mais que xingamentos ou os mais sórdidos pensamentos sexualmente falando, o que não seria de muita valia, pois o contexto, como nos apitos ridículos que se vê na tv quando alguém diz palavrão, denunciaria o pensante. Bom mesmo, mas só os ricos teriam, seria aquele capacete que ao se tentar ler, o leitor só se depararia com um nada absoluto o que, sem ele, revelaria uma morte cerebral.
Sei, as conversas informais estariam praticamente banidas porque mesmo nestas falas, hoje, por mais singelas que sejam, somos assaltados pelos pensamentos mais escandalosos, raivosos e sanguinários. Por suposto, eles vem e vão como ondas sujas, cheias de detritos e quase nem registramos porque por alguma razão eles estão lá e vem à tona. Por cima, manda a urbanidade, a educação e bons modos. Minha professora, neste sentido, tinha total razão. Ali, por entre as fissuras do cérebro passeiam o que quisermos, livres e soltos, os mais assassinos, viris e cínicos pensamentos, enquanto a cara mostra inocência ou um sorriso delicado de aprovação como uma boa cobertura de bolo.