Um software
chamado SimSensei, desenvolvido pela Universidade John Hopkins (EUA), é capaz
de diagnosticar depressão pela fala. A ideia despertou debates contra e a favor.
Em defesa do soft, a sua suposta objetividade ao detectar o transtorno. Contra,
o questionamento de substituir um profissional habilitado na avaliação.
Os próprios
desenvolvedores minimizam e dizem que o programa seria apenas um auxiliar. Uma
ajuda no exagero de diagnósticos que hoje campeia no mundo da saúde mental. Este
temor foi aumentado quando em 2013 foi lançado o DSM V, o manual de doenças
mentais usado nos EUA e aqui no Brasil por boa parte dos profissionais, embora
nosso sistema de saúde se referencie pelo CID 10.
A grande
discussão é que não existe mais nada normal. Qualquer coisa que se manifeste
com alguma repetição ou consistência diferente daquilo que se pensa normal,
logo se inclui no DSM como doença. A indústria farmacêutica se aproveita; os
médicos não medem limites e enquadram o paciente na mais nova doença da
classificação. De repente, há uma sensação de que todos tem o mal suposto,
quando há pouco este nem aparecia em nenhuma estatística epidemiológica.
Allen Frances,
psiquiatra que trabalhou na edição do DSM IV, diz que naquele momento se
tentava conter a inflação de diagnósticos e que foi, critica, abandonada nesta
edição. O autor de “Voltando ao Normal” (Versal Editores) esteve no Brasil em
setembro para lançar seu livro. Em entrevista, disse que milhões de americanos
são prejudicados com diagnósticos e tratamentos desnecessários. Imagine no
Brasil.
Como
psicólogo, não raro me deparo com clientes que vem com uma farmácia a tiracolo
e um diagnóstico no mínimo apressado. Uma cliente mais esperta disse: “A médica
disse que tenho transtorno bipolar. Eu fui à internete e li os sintomas e não me
encaixo neles.” Mas estava tomando os remédios receitados pela psiquiatra.
Outros nos desafiam a dizer que eles têm determinada doença, só porque, ao contrário,
leram na internete e percebem que se encaixam perfeitamente.
Uma ressalva.
A internete é excelente fonte de informação, mas nem todos sabem extrair dela
uma interpretação correta das informações. No caso da mulher aqui mencionada,
ela tinha razão. Então, os profissionais da saúde mental tem que redobrar seu
cuidado. Um diagnóstico pede paciência, ampla exploração dos sintomas, da
história de vida do paciente.
Infelizmente,
ainda não há disponível para consumo dos profissionais exames clínicos acima de
toda dúvida. Existem estudos avaliando marcadores biológicos promissores, mas
ainda não validados para a prática clínica. Psicólogos tem testes diversos que
são bons indicadores de alguns transtornos, mas também exige cautela para não
se sair rotulando uns e outros por aí. O engraçado é que boa parte das pessoas se
auto-rotula das mais diversas manifestações psíquicas quase como um diferencial
dos demais.
Será que toda
manifestação psicoemocional tem que se encaixar num transtorno? Frances diz
algo interessante: “Temos de aceitar que nem toda angústia
humana é transtorno psiquiátrico e que não há uma pílula para cada problema.
Muitas emoções e comportamentos são simplesmente parte da natureza humana.”
Disse tudo. Mas como lidar com os desacertos nossos?
Desconfio
que estamos nos formando que nem bolo. Põe fermento, leva ao fogo e cresce. O
problema é que se coloca de tudo dentro desse bolo e o resultado é gente
solada. Aceitar, aprender a lidar, conhecer-se: são remédios mais duradouros e
necessários. O danado é que exige trabalho, enfrentamento. Quem quer isso?
De
volta ao SimSensei. O programa procura na expressão verbal uma voz monótona,
plana, sem expressão, afirmam os autores. Os deprimidos falam arrastado, gaguejam,
fazem longas pausas. A lentidão psicomotora é sintoma da depressão. Tudo isso é
verdade, mas há deprimidos que não se encaixam nesses sintomas. Há pessoas deprimidas
com características distímicas (depressão com sintomas mais leves) que levam
anos assim e todo mundo pensa, inclusive o próprio, que ele/ela é assim mesmo.
A
tecnologia ajuda, mas sendo a depressão uma doença multicausal, inclusive
associada à ansiedade e até com acatisia – sintoma em que a pessoa não consegue
ficar parada, sentada devido a uma profunda sensação de desassossego. Depressão
é multifacetada, só por isso exige muita cautela em seu diagnóstico.
O sintoma mais típico da depressão, a tristeza, pode ser apenas uma espécie
de tristeza que qualquer um de nós terá só por causa de nossa humana condição.
Não sei se concordo com a ideia defendida pelos autores do programa de que é
melhor um diagnóstico errado do que nenhum quando existe a doença, ressalvam.
Ora, mas aí o diagnóstico não foi errado.