terça-feira, 21 de junho de 2011

A MALA FALANTE

A polícia regional da comunidade autônoma da Catalunha, na Espanha, prendeu em flagrante um ladrão contorcionista que se escondia em uma mala, de onde saía para roubar outras bagagens.
Segundo a polícia, o ladrão e um parceiro operavam em uma linha de ônibus que faz o trajeto entre a estação Norte de Barcelona e o aeroporto.

Fonte: BBC

Jabuzelski (doravante apenas Jabu) nunca foi muito inteligente. Foi reprovado meia dúzia de vezes até finalizar o equivalente ao ensino médio. Ao fim, como boa parte dos estudantes brasileiros, tornou-se um excelente analfabeto funcional. A seu favor, tinha dois talentos que o ajudou a sobreviver aos duros anos de estudo e depois deles. Diz-se que Deus dá a canga conforme o pescoço.
O que faltou de inteligência sobrou em simpatia. De troça Deus concedeu a Jabu uma inusitada capacidade contorcionista. Virou seu ganha-pão num circo de terceira que perambulava pela Europa. Em algum ponto deste vagar à cata de trocados, o circo se desfez e Jabu ficou à deriva num país estrangeiro. Um seu amigo de infância, Yuri, astuto lançador de facas, era o cérebro da dupla. Mas a coisa estava difícil. Euro é uma moeda danada de cara e difícil de ganhar. O estômago forçou os neurônios de Yuri até o último neurotransmissor e nada de sair daquela enrascada. Quem emprega um contorcionista e um lançador de facas?
Vagando pelas ruas de Barcelona, foram parar numa estação de onde partiam ônibus para o aeroporto. A cidade é linda em qualquer época, assim que milhares de turistas iam e viam com suas malas cheias de badulaques e coisinhas do El Corte Inglés e lojas congêneres. Eis que Yuri vira-se e dá de cara com Jabu macambúzio, corpo curvado, esfomeado e cansado. Como um sopro dos deuses, a mente de Yuri se iluminou. Uma mala estacionada casualmente ao lado de Jabu, vista pelo lado contrário, o escondia completamente. Era isso!!
Com a mente de um parvo, seria custoso explicar a Jabu os detalhes do plano que fervilhava de maneira febril na mente de Yuri. Colheu os últimos trocados e compraram uma boa mala. No muquifo onde se escondiam treinaram à exaustão. Entra na mala, sai da mala. Jabu, meu camaradinha, acabou-se a miséria. Agora seremos turistas, quer dizer, eu, você será a mala. Eu sabia que aquele terço de sangue brasileiro serviria um dia para alguma coisa. O avô de Yuri era brasileiro, malandro carioca ou baiano, escapa-nos agora a procedência. Mas isto é história para outro dia. 
Vencido o medo e tensão inicial, fizeram sua estréia em grande estilo. Relógios Rolex, Iphones, tablets, uns quantos anéis e pulseiras. O roubo acontecia no trajeto entre a estação e o aeroporto. Ali Yuri retirava sua mala como quem vai tomar o avião, mas tomava um táxi e iam direto para o cafofo. Foi uma farra. Logo acertaram com um receptador discreto e o negócio fluiu na medida em que aumentava as queixas dos passageiros às companhias aéreas, ao serviço de transporte. Logo os Mossos d’squadra, a polícia catalã, deparava-se com um grande mistério. Vigilância de todo jeito. Análise de vídeos. Os ladrões eram invisíveis.
Mesmo que a busca pelo larápio ou quadrilha tenha se tornado questão de honra, nem pista os Mossos tinham. Yuri e Jabu estavam cada vez mais ousados. Passavam ao lado da vigilância. Um dia, como a mala/Jabu estivesse particularmente pesada, ainda foi ajudado por um policial.
Mas uma hora a casa cai. Jabu, que nos últimos meses fora à desforra dos dias de fome, ganhou peso, nada que inviabilizasse sua profissão, mas comer os incríveis frutos do mar de uma boa paella tem seu preço.
Logo ao entrar na mala, sentiu algo estranho. Dentro do ônibus fez o rapa e, de volta à mala, outro aviso sinistro do estômago e todo o submundo que vem depois. Por um segundo, Yuri se distrai com uma linda catalã. Um carregador retira a mala e a coloca do lado de fora do bagageiro do ônibus. Desde os furtos, o aeroporto tem um enxame de Mossos olhando para todos os lados, feito baratas tontas. Jabu, em desespero, liga para Yuri. O bucho revirava, ele se contorcia de dor entre o saque que quinquilhava.
Um dos Mossos, estupefato, quase se recusa a acreditar que mala falava e se mexia. Aproxima-se temeroso. Quem sabe aquilo era um novo ataque dos etarras. Uma voz abafada em espanhol com forte sotaque do leste europeu suplicava: Atenda, Yuri. Eu não vou agüentar. Diabos, foi a paella, foi a maldita paella... Ai... Acuda-me João Paulo II. Um grande rebuliço se instalou ao lado da mala.
Cordão de isolamento, dezenas de Mossos, esquadrão antibomba para desarmar a mala e quando aberta, nem o quase escafandro do policial podia isolá-lo do fedor inacreditável. Pálido, suando frio, Jabu deixou-se escorregar no produto entre cordões de ouro, anéis, roupas finas. Ao lado, como um turista qualquer, Yuri assistiu à cena, escondeu-se mal e foi inevitável encontrar o olhar de desespero e súplica de Jabu, coisa que o atormentou por meses. A lástima era que encontrar um contorcionista tão talentoso é coisa que só acontece uma vez na vida.