segunda-feira, 26 de dezembro de 2011

Sentidos do Fundamentalismo - um senão com o Contardo Calligaris


O Psicanalista Contardo Calligaris não poderia ser incluído entre pessoas fundamentalistas ou intransigentes em suas posições. Acompanho-o na Folha já há algum tempo, não poucas vezes apreciando seus textos e aprendendo com eles. Como ele mesmo diz em “Sentidos do Fundamentalismo” (Caderno Ilustrada da Folha de 15 de dezembro de 2011): “...eu não sou fundamentalista: decido e escolho segundo as circunstâncias e não por princípio.”
O texto citado é muito bom e recomendo sua leitura. Numa época em que o fundamentalismo religioso de toda espécie ganha as páginas dos jornais pelos motivos mais infames, nunca é demais questionar as razões e certezas absolutas de quem diz seguir ordens divinas com resultados que relembram apenas os períodos de barbárie pelos quais a humanidade passou.
Minha cisma começa quando o Calligaris, a título de exemplo, retoma o tema que está sempre na ordem do dia nos últimos tempos, o homossexualismo em contraposição com o cristianismo, ou este contra aquele, e diz que prefere Oscar Wilde a Paulo, o apóstolo. Ora, claro está que o articulista não está colocando em evidência sua mera preferência – questão que, como se sabe, não se discute – mas o que subjaz à afirmação e isto esclarece no parágrafo seguinte de seu texto.
Também gosto de Oscar Wilde, mas conheço Paulo melhor. Nenhum dos dois poderá ser julgado pelo que os outros fizeram com o que escreveram ou, no mínimo, se incorreria numa enorme injustiça. Donde acho que a comparação é descabida. Sim, alguém poderia dizer que Paulo enquadra a conduta homossexual, masculina e feminina, como algo que o cristão deve evitar sob pena de estar praticando algo pecaminoso. De fato, Paulo fala isso mais de uma vez, destaque para a carta aos Romanos (1.26,27).
Que se pode entender destas recomendações paulinas? Em primeiro lugar, não há em qualquer de suas falas sequer a insinuação de que os cristãos devem empreender uma caça aos homossexuais como forma de extirpar o pecado seja de onde for.   Em segundo lugar, o que está na Bíblia, de modo geral, é para o que crê, logo é somente este que deve se adequar como princípio de fé. Em terceiro lugar, os fundamentalistas, ainda que sejam a face espalhafatosa da fé cristã, não a representam. Ao contrário, distorcem seus princípios fundamentais, entre eles o amor sua ordem basilar.
É de Paulo a descrição mais bonita deste estado de alma (1 Co 13.2-9): E ainda que eu distribua todos os meus bens entre os pobres e ainda que entregue o meu próprio corpo para ser queimado, se não tiver amor, nada disso me aproveitará. O amor é paciente, é benigno; o amor não arde em ciúmes, não se ufana, não se ensoberbece, não se conduz inconvenientemente, não procura os seus interesses, não se exaspera, não se ressente do mal; não se alegra com a injustiça, mas regozija-se com a verdade; tudo sofre, tudo crê, tudo espera, tudo suporta. O amor jamais acaba; mas, havendo profecias, desaparecerão; havendo línguas, cessarão; havendo ciência, passará;”
Calligaris incorre em outro deslize. Toma o termo “evangélicos” como algo unânime e coeso como se houvesse uma única forma de ser evangélico, a saber, a forma fundamentalista como chama. Se há os que desejam converter todos os homossexuais ou condená-los ao fogo do inferno, e fazem disso quase uma missão, há os que entendem os praticantes homossexuais como pessoas que, como qualquer outra, sob o ponto de vista cristão, precisam do perdão dos pecados na pessoa de Jesus. O que, absolutamente, não é impositivo.
O ser cristão é um modelo de vida, uma postura perante o mundo, uma forma de entender a realidade, uma “contracultura” como chamava Jonh Stott em seu livro baseado no Sermão do Monte. Baseia-se no respeito ao outro, na misericórdia e encontra sua fonte na Graça que, no sentido cristão, é a bondade de Deus em nosso favor sem que haja merecimento de nossa parte. Se alguém se diz evangélico e representa ideias e comportamentos contrários a estes princípios, não expressa o sentido da pregação de Cristo.
A Bíblia, as cartas de Paulo incluídas, defendem sim, que certas posturas, pensamentos e posições são pecado, a saber: toda forma de viver que nos distancia de Deus.  Ao mesmo tempo, o Livro diz que todos somos pecadores e que em nós habita o pecado (Paulo), o que põe em igualdade de condições  assassinos, ladrões, homossexuais e aquele que não é nada disso, mas perjura, odeia, mente, engana, sente inveja e ainda se gaba de não fazer o que os primeiros fazem. Como diz Paulo: “Infeliz de mim! Quem me libertará deste corpo de morte?” À pergunta retórica, ele mesmo responde: “Graças a Deus por Jesus Cristo, nosso Senhor.” (Rm 7. 24)
O que está claro é que o fundamentalista não suporta – não o cristão cheio de Graça – que as pessoas em todos os tempos e em todas as classes, continuem vivendo segundo suas próprias crenças, modelos e culturas. Que não estão obrigados a aceitar o “negar-se a si mesmo” e seus “desejos” (viu Calligaris?) para estabelecer uma relação única de obediência e serviço a Deus. A Parábola do Semeador é esclarecedora. A semente é lançada pelo semeador num campo que fora previamente preparado. Mas parte dela caiu à beira do caminho, outra parte sobre pedras, outra entre espinhos e foi sufocada e outra no solo profundo, donde veio a germinar, crescer e produzir frutos conforme sua natureza e em proporções distintas. Ora, nem aqui há igualdade, mas o fundamentalista não suporta o diferente.
O Evangelho de Jesus é acima de tudo inclusivo, não sem que o incluído seja transformado, sublimando suas misérias em coisas produtivas e abençoadoras de si e de outros. Diga-se, projeto para a vida inteira. Não é um ato em que as pessoas são submetidas a um tipo qualquer de lavagem cerebral ou o tacão da lei, acontece pelo poder do Espírito de Deus, cada um a seu modo e tempo. Se as pessoas querem viver de acordo com seus cânones, alheios à fé, a expressão cristã genuína concorda com Calligaris: “não é preciso escolher entre as ideias e as práticas das partes, mas entre os que querem regrar a vida de todos segundo seus preceitos e os que preferem que, nos limites da lei, todos possam pensar e agir como quiserem.” Pois cada qual, diante de Deus, dará conta apenas de si.


DESEJO A TODOS OS LEITORES UM NOVO ANO CHEIO DE PAZ E SAÚDE.

domingo, 25 de dezembro de 2011

Você não sabia, mas há uma cobra na sua vida antepassada (não é a sua sogra)


Dois cientistas americanos cotejaram uma massa impressionante de dados para mostrar que o embate entre cobras e primatas ajudou a moldar a evolução humana.

Fonte: UOL "CIÊNCIA E SAÚDE" 19/12/2011

Acho que a descoberta não é candidata a receber o Ignobel e constar nos Anais das Pesquisas Improváveis, mas dá o que pensar pelo inusitado.

As serpentes, dizem dois pesquisadores americanos, moldaram a evolução dos primatas. Acostume-se, no jargão científico entende-se por primata todos os bípedes que acabaram de completar 7 bilhões de almas. Quer dizer, inclui você, o vizinho mala, o cunhado mandrião e aquela senhora de bobes que lhe espera no final do dia e que você chama de patroa com justa razão.

E como teria sido isso? Eis o mistério.  Resumo para você. Os pesquisadores levantaram uma cornucópia de informações, embaralharam, juntaram tudo isso e bum! Concluíram que as serpentes estavam lá, em tempos de antanho, influenciando o ser humano a dar no que deu.

Suas sumidades afirmam que as serpentes participaram de três maneiras neste processo. Elas comiam nossos antepassados se algum deles dava bobeira. Elas comiam nossa comida, ou seja, competiam conosco e, por fim, viravam churrasquinho de sucuri quando elas davam bobeira. Era uma suruba de comilança. Literalmente, quero dizer, seus cabeças sujas.

O engraçado é que nestas descobertas ora, suponho, avançamos, ora afirmamos o que outros sem nenhum aparato já afirmaram mesmo com outras intenções. No caso da Bíblia, quem conta a história da cobra foi, por bem dizer, quase testemunha ocular. Em miúdos, o que aconteceu ali foi uma serpente empurrando homem e mulher para um tipo de evolução.

Há controvérsias, você diria. Sim e não. Pelo sim pode-se dizer que o casal ou mais gente que estava por lá, saíram de um estado de inocência e se tornaram ardilosamente criativos. Foram na onda da serpente, a moleza acabou e para se livrar do mau tempo, espinhos e uma terra mais mesquinha, tiveram que se virar com invenções e tecnologia. Caíram no conto do vigário ofídico, mas superaram. Serem conhecedores do bem e do mal, sei... Se tornarem iguais ao Todopoderoso, pois não...

Pelo não abarca a questão moral. O gênero antropominídeo tornou-se um bicho descarado e sem a menor compostura. Quer dizer, em termos absolutos regrediu a quase o estado primitivo da animalidade sem julgamento ético ou moral de qualquer espécie. Um tipo movido a instinto puro. Passou a dar em cima da mulher do vizinho. Tomar emprestado e não devolver ou pagar. Tomar simplesmente o bem do outro como bom carniceiro. E desenvolveu a mentira até o nível mais sofisticado. Isto é precisamente aquilo que nos diferencia de tudo quanto é bicho andante, nadante, voante ou rastejante.

Claro que tornado o mundo uma monumental bagunça, houve que, apesar da vontade danada de fazer tudo errado, dar um pouco de ordem para manter a vida minimamente suportável. Havia não somente que criar formas de governar para justificar os vários substratos sociais – quem fica na cobertura e quem fica nos andares de baixo até o porão –, mas também leis e religião para legitimar os sistemas. O fruto mais acabado desta influência serpentina é a política brasileira.

E a serpente? Fora os ecologistas de todo matiz e uns malucos que não tem o que fazer, a cobra continua despertando aversão e sendo culpada de quase tudo. Como é que se chama aquela pessoa incrivelmente falsa? E aqueles políticos finórios e despudoramente caras de pau? Quem acertar ganha um final de semana na ilha de Curupu com direito a ir no helicóptero do GTA. Vou dar a dica: Cobra. (não é para jogar no bicho, ouviram?)