sexta-feira, 20 de agosto de 2010

O jumento de São Francisco



Diz-se que quando Francisco não sabia que direção tomar fazia com que o jumento rodasse até ficar tonto – esta parte acrescento eu – e depois deixava que o animal tomasse um rumo qualquer e por aí julgava que era a boa vontade de Deus.

Falta-me o jumento. Justo quando mais se precisa. A vida não é justa, concluo. Por absurdo que pareça, também penso que nele – no Francisco, por suposto – havia um tipo de entrega radical que me faz ficar azedo. Tenho isso não. Como não rodo um animal, roda meu juízo e nem uma das direções me parecem boas. Penso nas perdas. Posso lá pensar em entrega com perdas a contar?

Quem sabe um encontro à noite. Esgueiro-me pelas vielas, deixo minhas pré-condições rasas e respeitos com hora marcada em algum canto como molambos e arrisco. Perguntarei: Que devo fazer para nascer de novo? Estou cansado desta cara rota, destes hábitos bem medidos, de uma crença esmolambada que faz bom papel nas salas.

Tomara que não me diga coisas como: é necessário nascer do Espírito. Vai confrontar minha bruta ignorância. Vou cair na mesma esparrela. Devo voltar ao ventre de minha mãe? Coisas de gente muito chão e de olhos baços. É meu astigmatismo atávico.

Queria uma resposta daquelas que nem bem fala o mundo se revolteia e convulsiona em protesto. Só de teima besta. Queria uma resposta daquelas que embrutece os sentidos. Não há como negar, não haverá dúvida que chegue para confrontá-la.


Este texto faz uma singela homenagem à poetisa Adélia Prado. Recomendo que todos a leiam.

quarta-feira, 18 de agosto de 2010

A origem do diabo e de outras cositas

Como é que foi na escola hoje? Foi legal. Só isso? Quais foram as aulas? Ah, nós tivemos devocional. A professora contou a história do diabo. E como foi isso? (convenhamos, mesmo sendo uma escola cristã, soa estranho uma aula para crianças de 8-9 anos sobre a origem do diabo, espremida entre matérias mais prosaicas como matemática e português).
Sabia que o nome dele era Lúcifer? Isso quando ele era um anjo bom. Mas um dia ele ficou maluco e disse pra Deus: eu não quero mais trabalhar pra ti. E sai logo daí desse trono que eu vou sentar no teu lugar. E o que foi que aconteceu? Ah, ele tinha uns amigos, uns caras lá que apoiaram essa maluquice dele. Dele quem? O diabo, oras! (impaciente com minha ignorância) Tá bom, continua.
Como foi que ele mudou de nome? Ah, isso ela não falou, não. Acho que deve ter sido porque ele ficou mauzão, né? Não sei, o que você acha? É, eu acho que foi por isso. Se bem que não acho o nome “diabo” assim, tão feio. Ele não é malvado? Devia ter um nome horrível. A questão não é o nome, mas o que ele significa. E o significado é ruim. Ah... Sim, que mais você aprendeu?
Deus pegou uma corrente do material mais forte que tinha, acho que era adamantium, e amarrou todos eles. Tudo de uma vez? Foi. Que mais? Pegou e jogou lá no fundo da terra, onde ficam as placas “tecnotônicas”. Por isso que quando eles se mexem as placas mexem também e dá estes terremotos, vulcão... E foi assim que a professora ensinou. Foi quase assim.

PS. A versão da origem do diabo foi fantasiada pelo Yáron, 9. É sua versão da origem do Coisa Ruim e de quebra, dos terremotos e vulcões. E os cientistas quebrando a cabeça para entender estes fenômenos. Está aqui e de graça.

domingo, 15 de agosto de 2010

O homem e o pé de ervilha

Médicos que tratavam um americano hospitalizado por problemas respiratórios nos Estados Unidos descobriram que o paciente tinha uma ervilha brotando e criando raízes em seu pulmão. O pé de ervilha media 1,25 cm de tamanho.
De acordo com o jornal The Boston Herald, Ron Sveden, de 75 anos, vinha lutando contra um enfisema pulmonar por meses quando sentiu uma piora em seu estado físico.

Fonte: BBC Brasil

Cabeça de ervilha, Floresta Amazônica, Ervilhão, Pulmão de Folha, A Coisa, Pé de Ervilha e outros tantos apelidos tem sido a minha sina, doutor. Outro dia, eu estava na fila do supermercado. Um garotinho se aproximou e disse com aquela vozinha idiotinha (imita): o senhor é o homem que plantou ervilha no pulmão? As demais pessoas na fila riram. Suponho que da pergunta impertinente e sem pé nem cabeça que o menino fez. Acharam engraçadinho. Afinal, menino diz cada coisa. Mas para mim, não é nada engraçado.
Agora, como é que o diabo daquele menino sabia? Sim, foi pelo inusitado do acontecido. Um caso raro, sim, senhor. Deu nos jornais. Dizem até que um médico contrabandeou o pé de ervilha da sala de cirurgia, replantou em lugar insabido e depois vendeu as ervilhas produzidas no Ebay ou fez um leilão, sei lá. Sabe qual era o mote? Ervilhas da juventude: uma aberração genética, o novo Cocoon. Dava a entender, como é possível notar, que as tais ervilhas sofreram mutação genética e que poderiam dar longevidade. Ganhou um dinheirão às minhas custas. Um pilantra rematado. É possível que depois de Mendel, nunca as ervilhas foram tão faladas. Sim, porque no sentido culinário é coisinha insípida, não tem gosto de nada, é uma bolinha macenta asquerosa.
Quer dizer, passei um tempão sofrendo do pulmão. Diziam que era efisema. Evoluiu para suspeita de câncer. Isso tudo para nada. Eu até estava preparado para o diagnóstico ruim, juro. Mas não estava preparado para um pé de ervilha dentro do meu pulmão. Isso não, doutor. Pior ainda. A repercussão me fez famoso, notado e isso ninguém aguenta. Preferia a tosse seca. Preferia a “doença”. Pelo menos eu era normal.
Digo sem medo. Meu estado agora é pior que o primeiro. Talvez o senhor não acredite, mas não sei quantas vezes, perguntado pelo meu próprio nome, me dá um branco. Sabe qual o primeiro nome que já me veio à mente? Ervilhão, Ervilha... Uma única vez, atrapalhado, eu respondi: Cérebro de Ervilha, a seu dispor. O senhor que entende destas coisas de cabeça, é ou não é um caso grave, este meu?
Por último, além destes lapsos desconcertantes, estou vendo partes minhas como se estivessem esverdeadas. Uma pessoa tem daltonismo depois de velho, doutor? O mais constrangedor, no entanto, é na minha vida sexual. Pela idade, a coisa já está difícil. Dei para pensar que tenho duas ervilinhas lá. O senhor sabe. Precisa dizer? E não para por aí. Ainda sou um homem semi-novo. E se der um azar e minha mulher pegar filho? Será que ela vai parir um pé de ervilha? Sei lá. Depois do que aconteceu comigo, não duvido de mais nada.