sexta-feira, 20 de agosto de 2010

O jumento de São Francisco



Diz-se que quando Francisco não sabia que direção tomar fazia com que o jumento rodasse até ficar tonto – esta parte acrescento eu – e depois deixava que o animal tomasse um rumo qualquer e por aí julgava que era a boa vontade de Deus.

Falta-me o jumento. Justo quando mais se precisa. A vida não é justa, concluo. Por absurdo que pareça, também penso que nele – no Francisco, por suposto – havia um tipo de entrega radical que me faz ficar azedo. Tenho isso não. Como não rodo um animal, roda meu juízo e nem uma das direções me parecem boas. Penso nas perdas. Posso lá pensar em entrega com perdas a contar?

Quem sabe um encontro à noite. Esgueiro-me pelas vielas, deixo minhas pré-condições rasas e respeitos com hora marcada em algum canto como molambos e arrisco. Perguntarei: Que devo fazer para nascer de novo? Estou cansado desta cara rota, destes hábitos bem medidos, de uma crença esmolambada que faz bom papel nas salas.

Tomara que não me diga coisas como: é necessário nascer do Espírito. Vai confrontar minha bruta ignorância. Vou cair na mesma esparrela. Devo voltar ao ventre de minha mãe? Coisas de gente muito chão e de olhos baços. É meu astigmatismo atávico.

Queria uma resposta daquelas que nem bem fala o mundo se revolteia e convulsiona em protesto. Só de teima besta. Queria uma resposta daquelas que embrutece os sentidos. Não há como negar, não haverá dúvida que chegue para confrontá-la.


Este texto faz uma singela homenagem à poetisa Adélia Prado. Recomendo que todos a leiam.

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