domingo, 29 de maio de 2016

Queixa de Deus

Um israelense entrou com pedido na Justiça da cidade de Haifa para obter uma ordem de restrição exigindo distância de... Deus. De acordo com site The Times of Israel, o homem argumentou que o todo-poderoso estava sendo especialmente maldoso com ele.
Fonte: Veja (06/05/2016)
Uma cisma, um capricho, achar alguém uma ingrisia é parte de nossas nem sempre agradáveis convivências com as pessoas. Diria que uma leve misantropia é até saudável. Se um se enche de si mesmo, o que há de tão estranho em encher-se dos outros? Você acha alguém antipático porque sim. Por que tem que ter uma razão, oras?
Bom, está-se falando de gente concreta, gente bulindo de viva, não do Todo Poderoso, ainda que muita gente nutra desconfiança ou raiva mesmo do próprio. Mas há lá suas tortas razões. Na falta de alguém a quem culpar por seus azares, Deus se presta bem para receber a culpa. Mas longe da ideia vicária, esclareça-se, que o chateado com Deus não entende e nem quer entender. Um verdadeiro puto com Deus diria que não quer receber favor ou dádiva de qualquer espécie porque isso só O faria ficar bem na fita e ele, um mal agradecido. Ele bonachão, bom camarada, estende a mão e o outro é o enfezado infantil que bate o pé com sua zanga. Que dirão os outros? Vive-se um mundo de aparência, não pegaria bem ainda que, para a maioria, pouco se lhe dá o que Deus faz ou deixa de fazer.
De fato, a questão de Mordecai era um pouco mais grave. Onipresente, Deus simplesmente não saía de seu pé. Negou-se a dizer por que a presença divina tanto lhe incomodava. Apenas queria distância. Balbuciou algo como uma especial predileção que Deus tinha de lhe perturbar. Procurou palavras. Bullying!!! Disse alto, como se fosse o próprio Arquimedes gritando sua famosa Eureka. O Altíssimo estava sendo especialmente mau com ele. E sem mais, nada mais disse.
Não falou exatamente, estava na peça que perambulou por diversos advogados: os que toparam representá-lo, e que igualmente tentaram propor a ação numa vara qualquer. O juiz, estupefato, não sabia o que dizer. Riu-se do inusitado da coisa, de sua própria incompetência ante o disparate. É ridículo!, desabafou. Mas havia que conduzir a audiência, afinal, a lei tem a todos como iguais e se Deus está sendo demandado... sem contar com o princípio da inafastabilidade da jurisdição, prevista em todas as constituições de países ditos mais sérios, na qual o judiciário não pode se negar a apreciar qualquer demanda que lhe seja proposta.
Aliás, essa era outra queixa de Mordecai. Por três anos tentou ser ouvido e apenas mandavam uma patrulha policial até sua casa como se Deus fosse um delinquente comum. Como se fossem vizinhos em pé de guerra. E a polícia veio mais de dez vezes, convenhamos, uma tenacidade admirável, mas que adiantava? Deus simplesmente desaparecia e ele passava por louco. As autoridades precisavam se manifestar de maneira mais efetiva: uma ordem judicial.   
Quanto ao processo, havia três obstáculos: o Acusado não estava presente para se defender, o que tornava a audiência manca. Como fazer? Decretar a revelia? O meirinho não certificou de que o Acusado fora devidamente citado por viver em endereço incerto e não sabido. Convenhamos que “céu” é um tanto vago. Como citá-lo? Por meio eletrônico? Qual seria o seu email? Deus@... Por carta? Pessoalmente? Ou recorrer-se-ia às modalidades de citação ficta que incluem a citação por hora certa quando por duas vezes o citando oculta-se para não ser informado ou ainda por edital? Não se sabia como. Por fim, se se levasse o processo adiante e o autor conseguisse que fosse decretada alguma Medida Protetiva em seu favor, como fazer o réu obedecê-la? Mordecai não estava preocupado com isso, ele cria que Deus, criador de tantas leis e regras, obedeceria.
O juiz aconselhou ao autor buscar ajuda de especialistas na área, pois havia uma insanável dificuldade de abordar o problema proposto pelos meios legais e, para encerrar a bestagem toda, determinou que constasse na ata o não comparecimento do Acusado, ainda que pesasse a dúvida de como afirmar algo de Alguém de quem se diz ter a onipresença como atributo intrínseco a sua Pessoa.