Será que Deus
se importa se nos referirmos a Ele num gênero neutro? Ou que antecedamos o nome
“Deus” por um artigo feminino? De quem é mesmo este problema de gênero divino?
É de Deus, que vive uma crise de identidade, ou é das pessoas?
Há um movimento
nos meios cristãos, protestantes de teologia liberal, vamos chamar assim, que é
profundamente afetado pela filosofia e cultura líquida moderna. É uma inversão
profunda dos pólos.
A teologia
protestante fundamentou desde a Reforma, toda a cultura e forma de viver das
pessoas no ocidente, inclusive com razoável influência nos países de maioria
católica. Foi, portanto, um fundamento estável e relativamente sólido, até
enquanto sua referência era o próprio texto sagrado. Mas quando este mesmo
texto passou a ser lido e interpretado a partir de referenciais teóricos
outros, então acabou.
É evidente que
isso não tem mais fim. O chão foi definitivamente removido. Agora, como se
estivesse no espaço em que os vetores direcionais apontam para lugar nenhum, a
teologia protestante, especialmente de certos setores, é agora
maria-vai-com-as-outras da cultura do momento.
É assim que,
neste espírito, em assembleia ano passado o Sínodo Luterano sueco decidiu por
maioria, que não se referirá a Deus antecedido do artigo masculino “o”. A
explicação é que Deus transcende o humano, portanto, não faz cabe dar-lhe um
sexo. A edição de suas Bíblias, doravante, obedecerá a esta norma gramatical
onde tudo que se refira a Deus terá gênero neutro. Mas o Espírito Santo poderá
ser tratado na forma feminina. Eles não ousaram mudar o artigo em relação a
Jesus. Ainda.
A explicação
verdadeira, no entanto, justifica um membro proeminente da corrente liberal majoritária:
Trata-se de “dar um passo a mais em relação à
linguagem inclusiva e indicar (...) que é preferível um pronome oculto para se
referir a Deus”.
Há uma insanidade no raciocínio que, no Brasil,
teve até sugestão de mudança da gramática com um nefasto exemplo no venerando
colégio Pedro II no Rio de Janeiro. Ali os gênios da pedagogia inventaram que
qualquer coisa que defina o gênero deveria ser abolida e em vez de “o” ou “a”,
seria um usado um “x”. Meninos passaram a usar saias normalmente nas aulas, mas
isso é, por suposto, uma banalidade ante a ideia mefistofélica da abolição da
fronteira entre gêneros.
Nem entro no mérito da ideia de inclusão de
minorias que é, em si, boa, mas levada a um nível do paroxismo em que todos os
sinais diferenciais sejam borrados ou extintos, caminhamos para sermos todos
transformados numa grande massa informe de criaturas desconstruídas física,
emocional e psiquicamente. Uma massa, afinal, de iguais em que qualquer
definição identitária estará meramente na aparência, se muito.
A crise da masculinidade é bem uma antessala deste
fenômeno. Homens que estão desesperados por um lugar e, não sabendo qual, se abandonam
no encaixe de qualquer forma, menos da masculinidade/virilidade que hoje está
demonizada. Estas características às quais sempre se associou a valores como
coragem, honra, dignidade, heroísmo (por que não?) foram jogadas na vala comum
do machismo reles, que na crítica da academia ganha o apelido de “modelo
opressor do patriarcado”.
Ao escrever este texto, algumas vezes durante a revisão
percebi um erro ao grafar o gênero da palavra. Sim, as palavras tem gênero! A
leitura ficava claramente sem sentido ou, no mínimo, estranha gramaticalmente.
Estamos falando da natureza das coisas. Não posso, ao meu bel prazer, subvertê-las
se quiser comunicar, neste caso.
A cor azul tem uma natureza definida pela medida
física de seu comprimento de onda. A palavra azul, por sua vez, é um
substantivo masculino. Alguém gostaria de sugerir um novo nome se considerar
que a palavra associada ao comprimento de onda é uma mera convenção de
cientistas homens-masculinos, filhos da cultura patriarcal machista e misógina?
Ter um gênero não é, em absoluto, uma agressão ao
outro ou uma condição de inferioridade por si mesma. No encontro entre os dois gêneros,
sim há desequilíbrios por ene razões, mas a solução não é, nunca será, a mera
extinção de uma das partes que são, em si, complementares. Enfrente-se a violência,
a misoginia, o machismo e o feminismo. Respeite-se aqueles que, por razões
muito particulares, querem viver em outro sexo ou se relacionarem com outros do
mesmo sexo, mas alto lá com esta sanha imbecil de fundir todos num um sem gênero.
Ou haverá um momento em que as pessoas com gênero congruente com a expressão da
sexualidade terão que pedir desculpas por existirem? Teremos que usar um
arco-íris cinza de ponta cabeça grudado à roupa para sermos claramente
identificados?
Obs.: A imagem ilustra um texto sobre o Facebook ampliar as opções de gênero para seus usuários. Vocês sabem, o Facebook é um site de caridade sem fins lucrativos.