segunda-feira, 19 de fevereiro de 2018

Deus com ou sem gênero

Será que Deus se importa se nos referirmos a Ele num gênero neutro? Ou que antecedamos o nome “Deus” por um artigo feminino? De quem é mesmo este problema de gênero divino? É de Deus, que vive uma crise de identidade, ou é das pessoas?
Há um movimento nos meios cristãos, protestantes de teologia liberal, vamos chamar assim, que é profundamente afetado pela filosofia e cultura líquida moderna. É uma inversão profunda dos pólos.
A teologia protestante fundamentou desde a Reforma, toda a cultura e forma de viver das pessoas no ocidente, inclusive com razoável influência nos países de maioria católica. Foi, portanto, um fundamento estável e relativamente sólido, até enquanto sua referência era o próprio texto sagrado. Mas quando este mesmo texto passou a ser lido e interpretado a partir de referenciais teóricos outros, então acabou.
É evidente que isso não tem mais fim. O chão foi definitivamente removido. Agora, como se estivesse no espaço em que os vetores direcionais apontam para lugar nenhum, a teologia protestante, especialmente de certos setores, é agora maria-vai-com-as-outras da cultura do momento.
É assim que, neste espírito, em assembleia ano passado o Sínodo Luterano sueco decidiu por maioria, que não se referirá a Deus antecedido do artigo masculino “o”. A explicação é que Deus transcende o humano, portanto, não faz cabe dar-lhe um sexo. A edição de suas Bíblias, doravante, obedecerá a esta norma gramatical onde tudo que se refira a Deus terá gênero neutro. Mas o Espírito Santo poderá ser tratado na forma feminina. Eles não ousaram mudar o artigo em relação a Jesus. Ainda.
A explicação verdadeira, no entanto, justifica um membro proeminente da corrente liberal majoritária: Trata-se de “dar um passo a mais em relação à linguagem inclusiva e indicar (...) que é preferível um pronome oculto para se referir a Deus”.
Há uma insanidade no raciocínio que, no Brasil, teve até sugestão de mudança da gramática com um nefasto exemplo no venerando colégio Pedro II no Rio de Janeiro. Ali os gênios da pedagogia inventaram que qualquer coisa que defina o gênero deveria ser abolida e em vez de “o” ou “a”, seria um usado um “x”. Meninos passaram a usar saias normalmente nas aulas, mas isso é, por suposto, uma banalidade ante a ideia mefistofélica da abolição da fronteira entre gêneros.
Nem entro no mérito da ideia de inclusão de minorias que é, em si, boa, mas levada a um nível do paroxismo em que todos os sinais diferenciais sejam borrados ou extintos, caminhamos para sermos todos transformados numa grande massa informe de criaturas desconstruídas física, emocional e psiquicamente. Uma massa, afinal, de iguais em que qualquer definição identitária estará meramente na aparência, se muito.
A crise da masculinidade é bem uma antessala deste fenômeno. Homens que estão desesperados por um lugar e, não sabendo qual, se abandonam no encaixe de qualquer forma, menos da masculinidade/virilidade que hoje está demonizada. Estas características às quais sempre se associou a valores como coragem, honra, dignidade, heroísmo (por que não?) foram jogadas na vala comum do machismo reles, que na crítica da academia ganha o apelido de “modelo opressor do patriarcado”.
Ao escrever este texto, algumas vezes durante a revisão percebi um erro ao grafar o gênero da palavra. Sim, as palavras tem gênero! A leitura ficava claramente sem sentido ou, no mínimo, estranha gramaticalmente. Estamos falando da natureza das coisas. Não posso, ao meu bel prazer, subvertê-las se quiser comunicar, neste caso.
A cor azul tem uma natureza definida pela medida física de seu comprimento de onda. A palavra azul, por sua vez, é um substantivo masculino. Alguém gostaria de sugerir um novo nome se considerar que a palavra associada ao comprimento de onda é uma mera convenção de cientistas homens-masculinos, filhos da cultura patriarcal machista e misógina?

Ter um gênero não é, em absoluto, uma agressão ao outro ou uma condição de inferioridade por si mesma. No encontro entre os dois gêneros, sim há desequilíbrios por ene razões, mas a solução não é, nunca será, a mera extinção de uma das partes que são, em si, complementares. Enfrente-se a violência, a misoginia, o machismo e o feminismo. Respeite-se aqueles que, por razões muito particulares, querem viver em outro sexo ou se relacionarem com outros do mesmo sexo, mas alto lá com esta sanha imbecil de fundir todos num um sem gênero. Ou haverá um momento em que as pessoas com gênero congruente com a expressão da sexualidade terão que pedir desculpas por existirem? Teremos que usar um arco-íris cinza de ponta cabeça grudado à roupa para sermos claramente identificados?

Obs.: A imagem ilustra um texto sobre o Facebook ampliar as opções de gênero para seus usuários. Vocês sabem, o Facebook é um site de caridade sem fins lucrativos.