domingo, 27 de março de 2011

Beijo Negado


Uma mulher de 92 anos atirou no seu vizinho após ele se recusar a beijá-la. Helen Staudinger, uma moradora de Marion County, na Flórida, EUA, deu vários tiros no vizinho com uma pistola semi-automática e foi presa na última segunda-feira (21).

Fonte: Do UOL Notícias (Em São Paulo 23/03/2011 - 10h51 )

Ah, o amor! É tudo o que alguém deseja e ele veio à sua vida. Primeiro, como um comichão, um pequeno desconforto no corpo. Entendam, não era ruim, mas passados mais de trinta anos da morte do último companheiro, era como renascer, sorver o primeiro ar, os pulmões desacostumados, ardem. Depois, mudara a própria forma como via as coisas, a velha casa em que morava, os móveis antigos, tudo representava um descompasso com as emoções que agora carregava. 
Sentia o rubor no rosto quando via Bill e era como se tivesse sido pega num malfeito. Havia uma energia nova em sua vida e as velhas dores nas pernas e nos ombros haviam, como por milagre, sumido. Esperava por ele todos os dias e, com o coração acelerado, corria para a janela para olhá-lo passar. Bastava isso para que todo um dia se tornasse luminoso. Durante um longo tempo, que ela não saberia contar, aquele ato quase religioso bastou.
Mas paixão é bicho indomável. Se se alimenta a fera ela cresce, torna-se forte e, às vezes, insaciável. É como um cachorro louco drogado. Lamberá a mão de quem o afaga enquanto se lhe dá a droga de que realmente precisa, mas se faltar, ele morderá a mão que dele cuida. Ela percebia, a cada dia os impulsos aumentavam. Algumas vezes faltava o fôlego tal a aceleração do coração. Uma tontura até gostosa, girava o mundo rápido como um carrossel desgovernado. Então, parava por momento até recuperar-se. Chegava a murmurar: Bill, seu safadinho, olha só o que você está fazendo com este corpo velho!
Mas precisamente estes abalos nos sentidos e no corpo a despertara como de um sono profundo, da morte, sei lá, pois era como não poucas vezes se sentia naquela solidão miserável. Os antigos amigos, a bem da verdade, fora um ou outro que estivesse numa vida pré-coma, haviam morrido. A paixão, pelo menos, lhe deu uma companhia, ainda que platônica. Certo dia, acordou à hora de ver Bill passar para o trabalho. Naquele dia percebeu-o com mais detalhes, achara os óculos que, talvez, há anos não usava. Que homem! Pensou. As mãos fortes, o andar ereto, os cabelos um pouco grisalhos lhe davam um ar majestoso. Ai! Deu um gritinho como a desfaceler.
Precisava fazer algo para aproximar-se de Bill, assim não era possível continuar. Além de uns dois “bom dia” nunca haviam conversado. Era novo no bairro. Fez algumas tentativas toscas de aproximação, mas sentia-se atrapalhada e apesar de certa amabilidade de Bill, nunca resultara no que queria. Faria uma torta de maçã e lhe daria com a desculpa de um bem-vindo. Mas havia se passado quase um ano que ele morava na casa vizinha não seria extemporâneo? Perguntou-se. E lá existe tempo para ser gentil, convenceu-se. Isso, ela o presentearia com uma bela torta, estava decidido.
Pôs-se à faina, afinal, já não tinha tanta destreza e fazia tanto tempo que não cozinhava nada significativo naquela casa. Era preciso achar louças, panelas e os apetrechos, limpá-los e... ah, comprar os ingredientes, claro. No final da tarde, a torta fumegava na janela para esfriar. Logo em seguida, Bill voltava do trabalho. Como sempre, ela o espreitava da janela. Ele olhou displicente para o lado da casa. Ela paralisou. Meu Deus, ele me olhou! Ou será o cheiro da torta? Será que consigo chegar lá? Acho que me faltarão as pernas. Sua cabeça girava. Então veio uma pergunta fatal. E se você for rejeitada? É a morte, é a morte... resmungou. E se ele tiver namorada? A esta altura não me importo, conheço bem os homens: difícil enjeitar um pratinho quando se lhes dão, e são capazes de amar mais de uma muher ao mesmo tempo.
Já não havia volta. Arrumara-se da melhor maneira, pois havia anos que não comprava cosméticos. Havia um pouco de lavanda que tratou de esfregar em todo o corpo. Penteara-se e refez as sobrancelhas cuidadosamente. Estas, fazia questão, eram como um amuleto, sua identidade, algo que lhe dava personalidade e, por que não, um ar sensual e de mistério. Homem adora estas coisas, pensou convencida.
Bateu à porta. Vibrava da cabeça aos pés. A torta tremia nas mãos. Bill abriu a porta. Pois não? Milhões de pensamentos tentavam organizar uma única palavra que fosse. Mas elas não saiam. Ficaram os dois ali, segundos eternos. Ela estendeu a torta e espremeu um bem vindo nos lábios. Ele agradeceu. E já quase se retirava, ela recobrou-se: posso entrar? Ele fez que sim. 
Não era tããããõ bonito quanto imaginou, mas... Bill, eu te amo. Bill não esboçou qualquer reação. Ela achou que não tivesse dito nada. Repetiu. Ele assustou-se. Disse que tinha namorada, não estava interessado e pediu que fosse embora. Ela pediu um único beijo. Ele respondeu de uma forma terrível e desastrosa e jogou-lhe na cara os 92 anos de idade. Ela sentiu a ânsia da  morte, mas desta vez não quis morrer. Não só paixão dá sentido à existência, o ódio também. O castelo de amor desmoronara como por um terremoto. Saiu resoluta. Este homem é um crápula! Foi em casa pegou a pistola do falecido postou-se à frente da casa dele. Bill, gritou, você não é homem! Era tudo que lhe vinha à mente. E descarregou todas as balas na fachada da casa.