domingo, 24 de agosto de 2014

A dentadura



Em agenda no Nordeste nesta quinta-feira, a presidente-candidata Dilma Rousseff visitou obras da transposição do rio São Francisco, em Pernambuco, e também a cidade de Paulo Afonso, na Bahia. No sertão baiano, gravou imagens para sua campanha na casa de Dona Nalvinha, moradora da Comunidade Batatinha e beneficiária do programa federal Água para Todos.

Fonte: Ag. Folha (João Pedro Pitombo, 22/08/2014)

Nossa missão é maquiar o povo que a Dilma vai encontrar na campanha eleitoral. Tudo tem que ser preparado antes. Não pode haver inesperado, surpresa. Imagem é tudo. Gente feia, tudo bem, não tem jeito ela vai ter que abraçar e rir com eles. Olha a foto da próxima pessoa com quem a presidenta vai posar de benfeitora. Olha essa aqui? Diz a mulher. Quem escolheu essa? Está faltando os dentes da frente, gente. Se essa mulher rir, vai ser um desastre de marketing. Não dá pra trocar? A equipe disse que não. Era a melhorzinha do povoado. Ainda tinha dentes prestáveis, as outras não tinham nada ou a boca era um desastre de proporções cósmicas.
Pessoal, é o seguinte. Vai alguém na frente ou liga pro nosso correligionário e manda dar um banho de dentista na mulher. Banguela não pode. Será que ela vai querer? Claro que quer. Quem não quer os dentes na boca. Aproveitem e deem uma arrumada na palhoça dela. Cadê aquela ongzinha que faz cisterna e fogão a lenha. Isso é um atraso, alguém disse. Fogão a lenha?! É o contraponto com a Marina, seu tonto! Fogão ecológico. Mas se queima lenha? Não importa, ela cozinha na trempe com pedras no chão, alguém já viu? Só em documentário de homens das cavernas. Pra você ver como é a coisa por lá.
Ah, leva uma roupinha pra ela também. Compra um quilo de bode no comércio e manda ela fazer no tal fogão novo pro Lula e a Dilma beliscarem. Ah, ensaia com ela uma frase tipo: tudo que tenho aqui foi a Dilma que me deu.
Próximo, disse a chefe, já enfadada. Quem é esse outro? Meu Deus. Isso tem cara de um mangagá de ressaca. Ele é o quê? Pescador no S. Francisco. Muda, esse não tem salvação. Não há salão que dê jeito. Isso precisa de uma dúzia de cirurgias. E esse? Ah, esse está melhorzinho. Precisa de dentes? Só a parte de cima. Manda no mesmo lugar do dentista que ajeitou a outra. Peloamordedeus, não manda num prático, num chapa no papeiro, se não o conselho dos dentistas acaba com a gente. Pode deixar.
Que mais? Como assim? Precisa ajeitar mais o cara? Acho que não. Põe um boné do Corinthians nele. O Lula gosta. Mete ele numa camisa nova. Ele tem casa? Tem uma choupana fuleira. Tijolo? De adobe. Menos mal. Telhado. Parte palha, parte telha queimada no sol. Tá, o pessoal dos efeitos especiais ajeita na edição.
Não seria bom ela pegar uma criancinha no colo? Pode ser, mas achar uma criatura dessa nutrida vai ser difícil. Estão pouquinho melhores que os bichos do Manuel Bandeira. Sabe o poema... Sei não. Deixa pra lá. Então procura uma. Penteia o cabelo se for menina, se for menino mete uma máquina zero nele. Vê se não é remelento, o nariz escorrendo. Olha a pele se não tem sarna. Se não tiver jeito, deixa ela levantar o menino e alguém se posta logo ao lado pra pegar a criança. Leva o álcool gel com cheiro de lavanda para presidenta desinfetar as mãos. Discretamente. Olhem lá! Vão dizer que ela não gosta de gente pobre.
Tem que ser tudo cronometrado. Ela tem que voltar para a entrevista com o Bonner e a Poeta no Planalto. Alguém ensaiou com ela as respostas. Esse não é nosso departamento. Chama os caras da Petrobras que prepararam aquele do olho caído assim, faz um gesto esquisito com a cara. Não dá, lá eles combinaram com os caras das perguntas do Senado e essa dupla agora está um terror. Bota ponto. Que ponto? No ouvido e chama aquele especialista pra ir cantando pra ela o atropelamento da dupla.
Atribui-se a Karl Marx a frase que a história se repete. A primeira vez como tragédia, a segunda como farsa. Há acontecidos que, num só ato, são farsa e tragédia.