sábado, 24 de janeiro de 2009

Com “So help me God” ou sem?


I

Passou despercebido de muita gente, a querela que se desenvolveu pelo judiciário americano, nos bastidores dos preparativos para aposse de Barack Obama como novo presidente.

No juramento à constituição, ato que faz com a mão esquerda sobre a Bíblia, além das palavras obrigatórias do juramento, previstas constitucionalmente, o presidente pode dizer “So help me God” que pode ser traduzido como “com a ajuda de Deus”.

Talvez reflexo de uma onda de ateísmo militante que tem na Europa seus maiores representantes, inclusive com campanhas de marketing recentes. Ou motivado pela filosofia do politicamente correto, esta bem americana, que deu às chamadas minorias um poder descomunal de fazer ajoelhar-se a maioria a seus caprichos, um advogado, Michael Newdow, pediu à justiça que fosse suprimida a expressão que aludia a ajuda de Deus no juramento presidencial.

Em seu pedido alegava que a expressão não é constitucional, mas um acréscimo feito pelo primeiro presidente, George Washington. Ainda mais. “A Justiça não pode mudar a Constituição com base em religião nenhuma. Isso me ofende pessoalmente”.  “Os indivíduos podem fazer o que quiserem, mas o meu governo não pode dizer que nós, como povo, acreditamos em nada” Alegou ainda que a tradição, como é considerada a frase, é nociva à sociedade. E que constrange os cidadãos de outras crenças que não são oriundas do ramo judaico-cristão e os ateus. Ele não pediu para retirar a Bíblia.

O pedido foi negado.

II

Ninguém pode dizer que valorizar aos que não tem voz e vez não é algo positivo. A sociedade ocidental é, em tese, inclusiva. Defende a igualdade perante os entes governamentais que funcionam como juízes, no sentido de promover se não a igualdade, a isonomia entre as pessoas, independente de raça, credo, posição sócio-econômica.

Todos sabemos que não é assim, especialmente no Brasil. Mas o pressuposto de que deve ser assim possibilita que qualquer um reclame seu direito quando conspurcado. O diabo é quando estes ditos minoritários se juntam aos magotes para impor sua posição.

Por vergonha, medo, seja lá que for, de quem recebe sua demandas, tendem a se fazerem ouvir. Pior, recebem acolhida que impõem a todos os demais comportamentos, obrigações, falas, e sei lá mais o quê que a estes prejudica e até humilha, numa clara e injusta inversão de valores. Há algo de muito errado nisso.

III

De repente, certo é amoldar-se a centos de pequenos padrões. Não diga isso. Não faça aquilo. A patrulha corre solta e um se queda cheio de dedos ante um sem número de “menores” que, ciosos de seus direitos, despejam sua sensibilidade a um mero olhar. Mais que isso, demanda judicial que a justiça encurralada, trata de atender sem delonga.

Passou-se do limite de proteção, do favorecimento para estabelecer tratamento isonômico, demos luz a monstrinhos enfadados que parecem não se cansar de querer transformar o mundo à sua imagem e semelhança. Arre égua! Será que não dá pra mandar tudo se lascar, não?

São Luís - Maranhão


O flagrante após o temporal

Hernandes, Jó? É de lascar!


A aparição

O auto-proclamado apóstolo Estevam Hernandes, fundador e líder máximo da igreja Renascer em Cristo, é um sobrevivente. Com isso quero dizer que é um espertalhão. Se algum dia motivou-lhe o puro desejo do serviço ministerial, este fruto daquilo que se diz “chamado de Deus”, em algum momento virou delírio de grandeza, transformou-se em soberba ou numa humildade demoníaca que não lhe impede de ver os próprios erros e assumir responsabilidades.

A igreja que criou tornou-se um monstro maior que qualquer desejo simples de servir, que é o trabalho de pastorear ovelhas. O ingrediente dinheiro maculou definitivamente sua alma, como o anel que consumia quem o possuía na saga “O Senhor dos Aneis”.

Eu, por mais que esteja calejado pelos erros humanos, incluindo os meus, custa-me ver o cinismo com tanto requinte e de forma pública. Desespera-me que as pessoas, nestas igrejas e muitas iguais a ela, não percebam. Bem disse Oséias, que por falta de instrução o povo perecia.

Em sua primeira aparição depois da queda do teto de sua igreja, Hernandes e mulher utilizou a velha e surrada tática de se fazer de vítima dos homens e de satanás. O inferno é o outro. A imprensa acompanhou. Num “culto de poder” que realizou numa igreja emprestada no Brás, segundo relatou a reportagem, disse pérolas como: "Vamos esmagar com nossos pés sangrando a cabeça do gigante-satanás que fez aquele teto da Lins de Vasconcelos desabar"; pediu dinheiro para a glória de Deus; falou de uma conspiração demoníaca da imprensa contra seu “sagrado” ministério; lembrou que uma das vítimas teria dito que queria morrer na igreja e que outra queria doar seus bens para à Renascer. Por fim, num ato de supremo mau caratismo, comparou-se a Jó: "Também a casa de Jó caiu com seus filhos dentro".

Jó era íntegro antes e depois de sua provação. Jó era líder e juiz em sua cidade. Jó tinha o respeito e honra de seus pares. Como ele mesmo diz, nunca tomou nada de ninguém. Pagou o salário do trabalhador. Viveu de seu trabalho e sua riqueza era fruto deste ato e da bênção de Deus. Nem o diabo tinha uma acusação consistente contra ele. O próprio Deus testemunhou em seu favor: Disse Deus a Satanás: observaste meu servo Jó? Porque ninguém há na terra semelhante a ele, homem íntegro e reto, temente a Deus e que se desvia do mal.” Estevam Hernandes pena pela seus próprios pecados.

quinta-feira, 22 de janeiro de 2009

Notícia


“China condena dois à morte por escândalo do leite contaminado”, era a manchete na BBC Brasil. Outros três foram condenados a prisão perpétua.

Fale-se o que quiser da justiça chinesa, só não se pode dizer que é lenta, morosa, jabutiana, como reconhece de público a justiça brasileira e quem sofre miséria à espera pela dita, não precisa que ninguém lhe diga.

Os caras adulteraram leite em pó e o produto contaminou mais de 300 mil crianças, fora algumas mortes. A traquinagem foi movida pela ganância de ganhar mais dinheiro diminuindo custos. Se estreparam. Não contavam com a astúcia do povo que bebeu o leite e adoeceu. Erraram de país. Outro dia uma gangue entre Minas e São Paulo tascou soda cáustica no leite tipo C e além de terem sido retirados do lucrativo negócio, nada aconteceu. Mas se a moda pega aqui, não haveria Daniel Dantas que chegasse.

A foto ilustra um dia de execução coletiva. O acontecimento se dá num estádio. A bala gasta com o condenado será cobrada da família.

Morre o Robô de "Perdidos no Espaço"


O ator Bob May, o Robô da série "Perdidos no Espaço", morreu anteontem, aos 69, em decorrência de problemas no coração, em um hospital na Califórnia.

Ator e dublê, o nova-iorquino vestiu a fantasia do personagem durante 83 episódios da série americana, que foi produzida entre 1965 e 1968. Já a voz do Robô era feita pelo ator Dick Tufeld.
May deixa a mulher, dois filhos e quatro netos.

DA REPORTAGEM LOCAL (Folha de S. Paulo)

Uma legião de pessoas carrega na lembrança a simpatia pelo desengonçado robô que fazia companhia ao pequeno Will e protegia a família Robinson com seu inconfundível “perigo”, “perigo”, durante as incontáveis aventuras que viviam na busca de um planeta habitável para a raça humana.

Muitos de nós tem ou teve na vida esta figura que nos alerta para as armadilhas da estrada. Às vezes a ignoramos, como crianças que, na avidez em aprender, não tem medos e apenas se lança. É o processo de crescimento, pede experimentos, fazer por si mesmo. Um dia, porém, desamparados ante desafios que parecem maiores que nós, olharemos para os lados, aguçaremos o ouvido à espera de que aquela voz nos socorra com um “perigo”. Ou então diremos saudosos: Ah, se ela estivesse aqui.

terça-feira, 20 de janeiro de 2009

No expositor


Imagem é tudo. Não deu para saber se na presente crise parcelavam.

Piratas do Tietê. Laerte.

Maria sexy


Maria, na visão do estilista chileno Ricardo Oyarzun, é sexy. Causou o maior bafafá. Parece que este continua sendo o caminho preferido para quem deseja sair das sombras, tocar em tabus religiosos, sexuais, comportamentais. 

De longe, os tabus religiosos são os preferidos porque há sempre reações apaixonadas, viscerais e os provocadores contam com isso. Farão cara de inocentes. Dirão que não há nada de mais e que, até são religiosos, na verdade são vítimas do preconceito da igreja ou seja lá de quem for que provoquem. Pronto, ganharam seus quinze minutos de fama. 

Você pode ver a reportagem completa aqui: http://www.overbo.com.br/portal/2009/01/20/estilista-cria-polemica-ao-vestir-modelos-de-virgem-maria-sexy/


Sobre a catástrofe na igreja Renascer em Cristo


I

Qualquer pessoa se sente consternada diante da desgraça que se abateu sobre as pessoas que participavam, no domingo último, do culto na sede da Igreja Renascer em Cristo em S. Paulo. Contudo, três versões diferentes dos líderes da igreja, sobre uma suposta reforma do telhado que desabou matando 9 pessoas e ferindo mais de 100, deixa um sabor amargo na boca. Há algo de podre no ar que não deve passar sem investigação e punição dos responsáveis.

II

A Folha (ed. 20/01/09) relata que a bancada evangélica na Câmara Municipal de São Paulo fez lobby para que templos não fossem vistoriados há cerca de dois anos. A fiscalização, fruto de uma CPI, pretendia verificar as condições de segurança de lugares que concentrassem muita gente. Naquele momento, num show com o grupo RBD, quatro pessoas morreram esmagadas pela multidão num espaço que não oferecia estrutura adequada.

III

Não é de hoje que políticos evangélicos se organizam em bloco com objetivo de dar às igrejas ou pastores, algum tipo de imunidade contra investigações ou, no caso, uma mera fiscalização da segurança do espaço físico para acomodar pessoas que, da forma que foi montada a CPI da Câmara de São Paulo, as igrejas não eram o alvo preferencial. Mas, como é sabido, reúnem muitas pessoas em ambientes adaptados, prédios antigos.

IV

Não se sabe que interesses escusos, nem se pode medir o tamanho da ganância que motivou os 15 vereadores paulistas a “trabalhar” para convencer seus colegas a alterar o texto da CPI, excluindo templos evangélicos da fiscalização. O certo é que atitudes como essas revelam comportamentos reprováveis de gente que se pensa acima dos mortais comuns, a empáfia de se aperceberem especiais, o descaramento de que com o jeitinho se arregla quase tudo, mesmo quando vidas estão em jogo.

V

Há um tipo de sanha louca entre igrejas que vêem em tudo uma perseguição aos evangélicos, coisa que no Brasil sequer se pode nomear. Num grupo fechado, porém, escaldado como é a Renascer e outras similares, serve para fundamentar um discurso que une seus fiéis, dá-lhes uma fantasia de mártires e os mantém na rédea do engano que seus pastores, bispos e apóstolos habilmente manipulam.

VI

Esta estratégia foi usada e abusada pelo bispo Macedo em todas as vezes em que sua igreja, representada por seus bispos e pastores, foi pilhada em situações escandalosas. Agora, já suficientemente forte (põe forte nisso), se dá ao luxo de afrontar a justiça e atacar um jornal nos quatro cantos do país quando se sentem lesados em seus interesses.

VII

Os líderes da Renascer em Cristo, atualmente em férias forçadas nos EUA – estão em liberdade vigiada pelo rumoroso caso em que fugiram do Brasil para não responder à justiça e foram presos com dólares não declarados, inclusive dentro da Bíblia – fazem seu papel de não é comigo. Rapidamente o apóstolo e sua cônjuge partner “bispa”, em declaração, atribuem o acontecido a uma fatalidade e a um desígnio dos céus, que é outro nome para irresponsabilidade e leniência.

VIII

É característico deste tipo de gente. Ora eles acusam às forças demoníacas de lhes perseguirem e tentarem impedir seu sacrossanto ministério, quando de fato, a tal perseguição resulta de suas estrepolias financeiras, trabalhistas e criminais. Ora atribuem a Deus, que lhes purificará pelo sofrimento, quando acontece algo que é resultado de sua omissão criminosa. Nunca são eles os culpados de nada. 

IX

Sobram agora ditos e desditos, informações desencontradas e entre estes escombros produzidos pela irresponsabilidade, a verdade vai aparecendo, igualmente machucada como aqueles que sofreram no desastre. Os cupins que corroeram parte do telhado, como afirmou o chefe dos bombeiros, são metáforas de outras corrosões, estas morais, para isso não há inseticida que dê jeito.

X

A prefeitura paulista e nenhum outro órgão tem conhecimento das ações de melhoria no telhado. Um humilde empreiteiro, consertador de telhado substituiu algumas telhas, sem engenheiro nem qualquer técnico especializado. Os testemunhos das vítimas vai montando uma outra história como não querem os líderes da igreja, é pena. O desabamento soa premonitório ou realístico e retrata, quem sabe, a débâcle de uma denominação que se notabilizou pelo espalhafato, pelo escândalo, pelos nada santos comportamentos de seus líderes. É uma lástima. 

Caminhos: um caminho para si


Há algum tempo tínhamos mais certezas. Dizem que este fenômeno é fruto da ignorância, pois só os que não sabem têm a ousadia de afirmar verdades definitivas. O mundo é das certezas voláteis, embora na vida pessoal tenhamos as elevado, em cada um, ao status de máxima convicção. Cada qual faz a sua, junta retalhos e faz uma grande colcha e nela se estriba. Como todos fazem igual, logo, todos tem a pretensão de estarem certos.

A atitude politicamente correta é fruto desta asneira. A pretensa unidade que aceita tudo em nome de um suposto respeito ao direito supremo daquele que ostenta sua verdade que, por incrível que pareça, não desdiz a do outro. Não é estranho?

Quando se trata do homem é assim, desde tempos imemoriais. É duro caminhar às cegas, por isso construímos dogmas, regras, leis. Dão a sensação de segurança, no limite, de controle. Com isso, controlamos as circunstâncias e aos outros que por nossas verdades se deixam guiar. Talvez nos tornemos tiranos, talvez mestres que oferecem a sugestão de um caminho.

Li "Tirando os sapatos" do rabino Nilton Bonder. Fui instigado a pensar sobre estas certezas nossas de estimação. O livro relata sua viagem, juntamente com outros religiosos e acadêmicos de vários países, o caminho de Abraão. A jornada fez o autor repensar sua própria história como judeu e como crente.

A certa altura ele fala do Lech Lechá que é a transliteração do hebraico do chamado de Abraão para sair de sua terra e ir para outra que Deus lhe mostraria. Lech Lechá significa "Vá para si mesmo"; "Vá para ti". O texto de Gênesis (12.1) que nos é familiar fica assim: "Vá para si, anda da tua terra e da terra da tua parentela e da casa de teu pai, para a terra que eu te mostrarei."

Para mim foi uma descoberta esta pequena frase: vá para si mesmo. Soa estranho, mas quanto significado! É isso que todos fazemos com nossas crenças, tornamo-nos ensimesmados, centrados em nosso umbigo e tudo que seja diferente, por medo, por insegurança, detratamos, rechaçamos para nos proteger do diferente, do que não entendemos. Nisto se inclui os mistérios de Deus em seus caminhos insondáveis para nós. Se não acontece tal coisa de determinado modo que nossa crença acredita, não pode ser válido, nem de Deus.

A caminhada de Abraão é sair de seu conforto, da proteção, de seus hábitos e crenças cristalizadas para ser ele mesmo, desabrochar o homem que Deus já conhecia, mas que o próprio Abraão desconhecia. Ir a si mesmo é construir uma história. Peregrinar num caminho sem mapa é aprender a depender e a conhecer quem o chama. Ir em direção à terra prometida significa abandonar certezas, deixar para trás trilhas conhecidas e lançar-se numa relação com Deus em que Ele será o provedor e sustentador. É viver ao Deus dará. Aqui sem a conotação negativa dessa expressão.

Pelas certezas, muitas milimetricamente sustentadas por fieiras de referências bíblicas, forjamos um deus e seu comportamento. No fim, ele é um pálido reflexo de nós mesmos ou daquilo que nem ousamos ser em sociedade e nele projetamos, especialmente nossa tendência ao autoritarismo. Por isso, é preciso peregrinar, abandonar-se, sair de si mesmo, ou daquele que está acostumado a um deus domesticado, a orações repetitivas, a rituais mecânicos.

No caminho não há amparo à vista. Estamos sempre no limite do precipício daquilo que julgamos correto por nós mesmos. Os temores noturnos nos acompanharão até que os sons da noite se nos tornem familiares: "Não te assustarás do terror noturno, nem da seta que voa de dia." (Sl 91.5) Mas é somente aí que o caminho se faz real. Ninguém nunca se conhece na bonança ou na mornidão de uma vida sem o fogo de Deus.

Se o leitor acompanhou até aqui, deve se perguntar, então, devo fazer um caminho literal como o fez nosso pai na fé? Práticas espirituais de retiro de silêncio, peregrinações (peloamordedeus não é turismo), podem ser úteis, mas nem todos podem fazê-los. Uma primeira resposta à pergunta é que este peregrinar tem a ver com nossa prática religiosa e de ser pessoa. O pior inimigo é a acomodação. Um programa previamente agendado (nada contra agenda) que você cumpre no piloto automático.

Analise sua oração. Você experimentou ouvi-la? O culto de que você participa. A mensagem que você ouve. O canto que você entoa. A leitura que você faz, quando faz, da Bíblia. Quanto de você está em cada ato destes? Ir para si é confrontar-se com seus limites. Com a mediocridade que a todos nós corrói. A auto-satisfação espiritual é perigosa, porque sem querer ou querendo, alguém se torna seu próprio gozo. Olha como eu faço isso! Olha como eu faço aquilo!

Ir para si mesmo é desapegar-se. Aqui temos sérios problemas. Sim, porque na peregrinação só dá para levar o essencial e falo de algo equivalente a uma caneca, sandália, uma muda de roupas, a escova dental, o resto faz parte da provisão do hospedeiro maior, Deus, que nos recebe nEle mesmo.

Mas detestamos improvisação, mesmo aqueles de nós que são mais desorganizados. Caminhar sem uma segurança, está louco? Alguém exclamaria. Não senhor, é preciso um colchão forrado com umas economias, um pouco de saber, um emprego seguro, uma casa, carros... Vejam, falo destas coisas em seu sentido figurado.

Sair para si equivale a lavar os olhos de um olhar viciado, descalçar sapatos confortáveis para sentir o chão e suas irregularidades, quer dizer, ter contato com a realidade tal como é. Abraçar o insólito porque carros de fogo existem, anjos cheios de olhos existem, machados que flutuam na água, pessoas que levantam da morte... Ir para si é o mesmo que esvaziar a mente de tudo que sabemos para nada saber, exceto o Cristo crucificado e nEle o sim de Deus para tudo que nosso coração renascido desejar.


Este foi publicado originalmente na Página Gospel (19/01/09) que circula às segundas-feiras no Jornal Pequeno.

O azarado


Sorte não é exatamente a palavra que o acompanhou toda a vida. Por uma destas estranhas coincidências, ele sobreviveu aos inúmeros infortúnios dos quais foi vítima. Confessou algumas vezes a amigos que se sentia como um rato nas patas de um gato que brinca com seu petisco até enjoar, e depois o come. O gato, que com ele brincava, era o destino.

Valdinelson conviveu com esta sina e até, quando podia, ria disso. Mas tudo tem limite. Foi uma criança sozinha porque logo os coleguinhas descobriam que onde Valdinelson estava, nada progredia e toda sorte de coisa inacreditável acontecia. Esta fama era seu, por mal dizer, cartão de visita.

Mas a vida deve continuar e, justiça seja feita, o que Valdinelson tinha de azar compensava com teimosia. Era que nem o slogan do Lula: “sou brasileiro, eu não desisto nunca”.

Passou a adolescência e veio a maturidade. Ele precisava se sustentar. Não foram poucos os negócios em que Valdinelson se meteu sem sucesso. Quer dizer, não é que não alcançasse sucesso, em alguns até que progrediu, mas só para que o azar se tornasse maior. Claro que com uma fama dessas não havia quem quisesse contratá-lo. Por onde passava deixava atrás de si um rastro de desastres. A coisa chegou a um ponto que bastava Valdinelson dizer que procuraria emprego num lugar para acontecer uma falência.

Um dia, estava meio macambúzio, e lhe veio uma inspirada idéia. É que, se por outro lado, dissesse que certo empreendimento não daria certo, ele dava. Ora, isso era realmente interessante, desde que ele, propriamente, não estivesse envolvido no negócio. Isso deveria ter algum valor. E foi assim que Valdinelson descobriu o maravilhoso mundo da jogatina na Bolsa.

Começou devagar porque sabe como é, azarado como sempre foi, vai que dava tudo errado só para contrariar. Mas, incrível, Valdinelson logo começou a se dar bem. Virou consultor. Neste mundo louco de dinheiro volátil, ações que se vaporizam em instantes ou faz a fortuna de poucos, ele rapidamente ganhou fama. Nem ele acreditava que seu azar agora lhe dava sorte. Claro que a coisa ficou um pouco perigosa porque todo mundo queria um pitaco dele e num lugar em que todos ganham, a banca quebra.

Valdinelson aprendeu a usar seu azar em favor próprio e ganhou muito dinheiro. Só andava de ternos bem cortados, carrões e o certo é que se esqueceu de seus tempos malfadados. Cometeu, entretanto, o pecado da ganância. A pressão sobre ele era grande e então passou a usar seu dom de forma indiscriminada. Resultado: nem ele escapou de uma bancarrota monumental.

A máfia, representada pelos bancos, cresceu nos cascos com ele. Não que tivessem perdido muito, ganharam pouco. Os fundos de investimento perderam milhões e os pequenos investidores se lascaram. Em dívida com centenas de pessoas e sem um centavo furado, Valdinelson pensou numa saída definitiva, pelo menos que parecesse aos seus credores. Inspirou-se no padre voador catarinense.

Tomou um balão e lançou-se aos céus. Contava que os ventos o levariam na direção do mar. Achar um corpo naquele mundão d’água é difícil, pensou. Mas o velho azar acordou e o vento levou o balão para o continente. O plano era saltar, saltou de qualquer modo de pára-quedas. Enquanto isso, do balão, era emitido um pedido de socorro previamente gravado. Logo a polícia e os credores estavam no encalço do balão. Uns para salvá-lo, outros para esganá-lo. Nem sinal de Valdinelson.

No continente, que é onde saltaria, tinha uma moto estrategicamente colocada para a fuga. No afobamento, atropelou um ciclista desastrado. Arrastando-se, chegou a uma casa, aparentemente abandonada. Esperaria quieto até aquela maré passar. Meia hora depois ouviu o barulho. O balão se estatelava bem em cima da casa onde se escondera. Ao ouvir as sirenes dos que o buscavam, desesperado, pensou na atitude tresloucada que, no começo de tudo, seria apenas para enganar. Cortou os pulsos. Quando chegaram, encontraram Valdinelson semi-consciente, balbuciando algo como: “quero morrer”. A polícia o levou em cana. Foi a sorte de Valdinelson.

O texto acima foi publicado na coluna Eudes Alencar no Jornal Pequeno de 19/01/09

domingo, 18 de janeiro de 2009

O curioso caso de Benjamin Button


Drama baseado no clássico romance homônimo escrito por F. Scott Fitzgerald nos anos de 1920.

É possível que o filme “O curioso caso de Benjamin Button” não figure entre os que receberão prêmios pela atuação excepcional dos atores, direção, etc., mas isso não lhe tira a função, penso eu, que todo filme deve ter: fazer sonhar, expor a condição humana, refletir sobre a vida, contar boas histórias, fazer pensar. O filme faz tudo isso.

Imagine nascer em um corpo de 80 anos, embora pareça um bebê. Depois deste começo insólito, ir no sentido contrário, remoçando. Os desencontros com aqueles a quem se quer bem é o primeiro que acontece. A sensação de urgência é maior e do sagrado de cada momento é mais vivo. Perde-se tanto tempo com bobagens. Deixa-se tanto de ter encontros, realizar sonhos por causa de obrigações...

O irônico é que a história não tenta driblar a morte, ela encontra ao que se torna cada vez mais jovem e aos que envelhecem, com uma diferença, para pior, para o personagem Benjamin (Brad Pitt). Ele vai perdendo as lembranças e experiências vividas. Isso acontece também com quem envelhece, mas em virtude de doenças, não é o comum. Quando velhos, perde-se algo, não tudo, consolam as vivências, restam as lembranças, as histórias experienciadas, boas e ruins.

Nestes pontos diametralmente opostos – a juventude e a velhice – há muito de similaridade. A fragilidade, a necessidade de cuidados, a dependência e os medos retornam em outros formatos.

O filme fala da finitude que a todos nós ronda. A fala de um velho capitão reflete isso quando ele, prestes a morrer, diz que não adianta xingar, espernear, quando a hora chega, só nos resta aceitar.

           Temos o impulso interior para o eterno, para a saúde, para a felicidade, é do humano. Mas devemos aprender, como ensina o personagem Benjamin, que nada é para sempre e só nos resta aproveitar cada momento mágico que nos é ofertado, cada experiência, cada dia como se fosse uma dádiva. E é.