terça-feira, 20 de janeiro de 2009

O azarado


Sorte não é exatamente a palavra que o acompanhou toda a vida. Por uma destas estranhas coincidências, ele sobreviveu aos inúmeros infortúnios dos quais foi vítima. Confessou algumas vezes a amigos que se sentia como um rato nas patas de um gato que brinca com seu petisco até enjoar, e depois o come. O gato, que com ele brincava, era o destino.

Valdinelson conviveu com esta sina e até, quando podia, ria disso. Mas tudo tem limite. Foi uma criança sozinha porque logo os coleguinhas descobriam que onde Valdinelson estava, nada progredia e toda sorte de coisa inacreditável acontecia. Esta fama era seu, por mal dizer, cartão de visita.

Mas a vida deve continuar e, justiça seja feita, o que Valdinelson tinha de azar compensava com teimosia. Era que nem o slogan do Lula: “sou brasileiro, eu não desisto nunca”.

Passou a adolescência e veio a maturidade. Ele precisava se sustentar. Não foram poucos os negócios em que Valdinelson se meteu sem sucesso. Quer dizer, não é que não alcançasse sucesso, em alguns até que progrediu, mas só para que o azar se tornasse maior. Claro que com uma fama dessas não havia quem quisesse contratá-lo. Por onde passava deixava atrás de si um rastro de desastres. A coisa chegou a um ponto que bastava Valdinelson dizer que procuraria emprego num lugar para acontecer uma falência.

Um dia, estava meio macambúzio, e lhe veio uma inspirada idéia. É que, se por outro lado, dissesse que certo empreendimento não daria certo, ele dava. Ora, isso era realmente interessante, desde que ele, propriamente, não estivesse envolvido no negócio. Isso deveria ter algum valor. E foi assim que Valdinelson descobriu o maravilhoso mundo da jogatina na Bolsa.

Começou devagar porque sabe como é, azarado como sempre foi, vai que dava tudo errado só para contrariar. Mas, incrível, Valdinelson logo começou a se dar bem. Virou consultor. Neste mundo louco de dinheiro volátil, ações que se vaporizam em instantes ou faz a fortuna de poucos, ele rapidamente ganhou fama. Nem ele acreditava que seu azar agora lhe dava sorte. Claro que a coisa ficou um pouco perigosa porque todo mundo queria um pitaco dele e num lugar em que todos ganham, a banca quebra.

Valdinelson aprendeu a usar seu azar em favor próprio e ganhou muito dinheiro. Só andava de ternos bem cortados, carrões e o certo é que se esqueceu de seus tempos malfadados. Cometeu, entretanto, o pecado da ganância. A pressão sobre ele era grande e então passou a usar seu dom de forma indiscriminada. Resultado: nem ele escapou de uma bancarrota monumental.

A máfia, representada pelos bancos, cresceu nos cascos com ele. Não que tivessem perdido muito, ganharam pouco. Os fundos de investimento perderam milhões e os pequenos investidores se lascaram. Em dívida com centenas de pessoas e sem um centavo furado, Valdinelson pensou numa saída definitiva, pelo menos que parecesse aos seus credores. Inspirou-se no padre voador catarinense.

Tomou um balão e lançou-se aos céus. Contava que os ventos o levariam na direção do mar. Achar um corpo naquele mundão d’água é difícil, pensou. Mas o velho azar acordou e o vento levou o balão para o continente. O plano era saltar, saltou de qualquer modo de pára-quedas. Enquanto isso, do balão, era emitido um pedido de socorro previamente gravado. Logo a polícia e os credores estavam no encalço do balão. Uns para salvá-lo, outros para esganá-lo. Nem sinal de Valdinelson.

No continente, que é onde saltaria, tinha uma moto estrategicamente colocada para a fuga. No afobamento, atropelou um ciclista desastrado. Arrastando-se, chegou a uma casa, aparentemente abandonada. Esperaria quieto até aquela maré passar. Meia hora depois ouviu o barulho. O balão se estatelava bem em cima da casa onde se escondera. Ao ouvir as sirenes dos que o buscavam, desesperado, pensou na atitude tresloucada que, no começo de tudo, seria apenas para enganar. Cortou os pulsos. Quando chegaram, encontraram Valdinelson semi-consciente, balbuciando algo como: “quero morrer”. A polícia o levou em cana. Foi a sorte de Valdinelson.

O texto acima foi publicado na coluna Eudes Alencar no Jornal Pequeno de 19/01/09

Nenhum comentário: