sábado, 14 de novembro de 2015

O rato mula

Policiais civis que faziam uma revista no presídio Barra do Grota, em Araguaína, no norte do Tocantins, se depararam com um rato treinado para transportar drogas e até cartas de jogo de um pavilhão para outro. O roedor tinha uma linha de crochê amarrada ao rabo.
Fonte: Estadão (04/11/2015)
É muito difícil conseguir relatos desse tipo em primeira pessoa. Óbvias razões explicam. Há que se vencer a barreira linguística. Não se encontra falantes em ratês em qualquer esquina. É mais fácil achar um fluente em uma língua morta. Ademais, tem a burocracia do sistema. Entenda “sistema” como esse ente kafkiano, que resulta de um emaranhado de leis, normas, costumes, jeitinhos e todo tipo de malandragem que empesteia as instituições brasileiras.
De qualquer modo, o meliante foi liberado para essa entrevista. O que se segue é sua fala, com uma ou outra edição, pois houve momentos de exaltação ou por efeito de drogas – ele agora se diz viciado – ou porque não quisesse ser explícito. Vai se saber.
Fui obrigado. Ou fazia o trabalho ou eles me dariam prum gato seboso que vivia pelas redondezas e que era meu inimigo figadal. Aprendi a palavra com o delegado. Sofri o diabo. Menos mal que não me transformaram na garota deles, se me entendem. Mas ser mula, traficante, não é menos pior. Tenho calo no rabo pelo nó do cordão que eles amarraram. Coisa totalmente humilhante. Nas vezes que me recusei a fazer o serviço fui puxado, digo, arrastado pela cauda por vários pavilhões. Então eu ia fazer o quê?
O pior é que a polícia, que se fingia de morta com essa zoeira acontecendo, me expôs publicamente na tv como chefe da quadrilha. Faziam cafuné em mim e ainda diziam que eu gostava. Como gostar? Acusado injustamente, cercado de meganhas armados por todos os lados... Cafuné foi na frente dos repórteres no quartinho dos fundos – ainda bem que não me fizeram de garota deles, se é que me entendem – me colocaram no pau de arara. Me deram choques nas partes íntimas. No segundo choque, eu entreguei até o que não sabia.
Como é que eu vim parar no presídio? Por puro acaso. Errei de prédio. Espantei-me já nas mãos dos facínoras que me propuseram carregar os produtos pra lá e pra cá. Agora olha meu tamanho carregando um quilo de coisas: celulares, trouxinhas de maconha, crack. Só de ficar perto eu ficava lombrado. Um dia errei o caminho quase fui parar na sala do diretor do presídio. Mas se tivesse ocorrido, tudo bem, ele é nosso chapa.
Tão dizendo que sou rato treinado. Que treinado o quê! Fui o-b-r-i-g-a-d-o. Não sei como, mas contrabandearam uns queijinhos de Minas e até da Suiça. Era sentir o cheiro e disparar pro pavilhão A. Depois era arrastado de volta. Vergonhoso. Mas um se acostuma com tudo. Principalmente nesse mundo cão que é a cadeia. Menos mal que eles não me fizeram de garota deles, se é que me entendem. 
Agora, digo com verdade, pela alma da minha mãe que morreu envenenada com chumbinho: o interrogatório foi muito pior. Convenhamos que um presídio que tem sistema delivery de produtos proibidos pega um pouco mal pra polícia, ou não? Pior ainda se um rato gerencia o negócio.
Como fiz delação premiada, vou sair já, já. Um xará meu entende pra caramba como burlar a tornezeleira eletrônica. Tamo pensando em botar num rabo de um gato que é bicho lerdo, fica só dormindo, eles vão pensar que estou congelado num só lugar, sacou?
Quero me endireitar. Constituir família. Quem sabe entrar numa igreja de crente. Qual é a boa dessas aí? Com a experiência que ganhei aqui tô pensando em colocar um serviço de entregas. Qualquer coisa! Tô entendido no ramo que você nem imagina.