Policiais civis que faziam uma revista no presídio Barra do
Grota, em Araguaína, no norte do Tocantins, se depararam com um rato treinado para transportar drogas e
até cartas de jogo de um pavilhão para outro. O roedor tinha uma linha de
crochê amarrada ao rabo.
Fonte: Estadão (04/11/2015)
É muito difícil
conseguir relatos desse tipo em primeira pessoa. Óbvias razões explicam. Há que
se vencer a barreira linguística. Não se encontra falantes em ratês em qualquer
esquina. É mais fácil achar um fluente em uma língua morta. Ademais, tem a
burocracia do sistema. Entenda “sistema” como esse ente kafkiano, que resulta de
um emaranhado de leis, normas, costumes, jeitinhos e todo tipo de malandragem
que empesteia as instituições brasileiras.
De qualquer
modo, o meliante foi liberado para essa entrevista. O que se segue é sua fala,
com uma ou outra edição, pois houve momentos de exaltação ou por efeito de
drogas – ele agora se diz viciado – ou porque não quisesse ser explícito. Vai
se saber.
Fui obrigado. Ou fazia o trabalho ou eles me
dariam prum gato seboso que vivia pelas redondezas e que era meu inimigo
figadal. Aprendi a palavra com o delegado. Sofri o diabo. Menos mal que não me
transformaram na garota deles, se me entendem. Mas ser mula, traficante, não é
menos pior. Tenho calo no rabo pelo nó do cordão que eles amarraram. Coisa totalmente
humilhante. Nas vezes que me recusei a fazer o serviço fui puxado, digo,
arrastado pela cauda por vários pavilhões. Então eu ia fazer o quê?
O pior é que a polícia, que se fingia de
morta com essa zoeira acontecendo, me expôs publicamente na tv como chefe da
quadrilha. Faziam cafuné em mim e ainda diziam que eu gostava. Como gostar?
Acusado injustamente, cercado de meganhas armados por todos os lados... Cafuné
foi na frente dos repórteres no quartinho dos fundos – ainda bem que não me
fizeram de garota deles, se é que me entendem – me colocaram no pau de arara. Me
deram choques nas partes íntimas. No segundo choque, eu entreguei até o que não
sabia.
Como é que eu vim parar no presídio? Por puro
acaso. Errei de prédio. Espantei-me já nas mãos dos facínoras que me propuseram
carregar os produtos pra lá e pra cá. Agora olha meu tamanho carregando um
quilo de coisas: celulares, trouxinhas de maconha, crack. Só de ficar perto eu
ficava lombrado. Um dia errei o caminho quase fui parar na sala do diretor do
presídio. Mas se tivesse ocorrido, tudo bem, ele é nosso chapa.
Tão dizendo que sou rato treinado. Que treinado
o quê! Fui o-b-r-i-g-a-d-o. Não sei como, mas contrabandearam uns queijinhos de
Minas e até da Suiça. Era sentir o cheiro e disparar pro pavilhão A. Depois era
arrastado de volta. Vergonhoso. Mas um se acostuma com tudo. Principalmente nesse
mundo cão que é a cadeia. Menos mal que eles não me fizeram de garota deles, se
é que me entendem.
Agora, digo com verdade, pela alma da minha mãe que morreu envenenada
com chumbinho: o interrogatório foi muito pior. Convenhamos que um presídio que
tem sistema delivery de produtos proibidos pega um pouco mal pra polícia, ou
não? Pior ainda se um rato gerencia o negócio.
Como fiz delação premiada, vou sair já, já. Um xará meu entende pra
caramba como burlar a tornezeleira eletrônica. Tamo pensando em botar num rabo
de um gato que é bicho lerdo, fica só dormindo, eles vão pensar que estou
congelado num só lugar, sacou?
Quero me endireitar. Constituir família. Quem sabe
entrar numa igreja de crente. Qual é a boa dessas aí? Com a experiência que
ganhei aqui tô pensando em colocar um serviço de entregas. Qualquer coisa! Tô entendido
no ramo que você nem imagina.
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