sexta-feira, 2 de março de 2018

Você não sabe que não sabe

Você tende mais a subestimar suas habilidades e competências? Ou você as amplifica e superestima? Dirige melhor, ama melhor, cozinha melhor, é mais esperto, mais engraçado, mais...
Em qualquer dos casos do espectro, possivelmente você seja vítima do efeito Dunning-Kruger (David Dunning e Justin Kruger). Trocando em miúdos. Nós cultivamos um tipo de superioridade ilusória ou inferioridade. Seria uma defesa contra nossa própria ignorância sobre nós mesmos? Ou ainda uma compensação por nos sentirmos inferiores ou inadequados?
As distorções cognitivas são tão fáceis de acontecerem em nós que é, diria, quase impossível em algum momento não sermos flagrados em alguma delas. Elas se mostram sutis, muitas vezes, ou são rombudas. A diferença pode se dar no tamanho da ignorância ou do transtorno mental.
O que os psicólogos autores da teoria descobriram é que quanto mais ignorantes somos sobre um tema, mais tendemos a parecer que sabemos. Enquanto os que sabem tendem a minimizar seu saber numa espécie de humildade modesta ou medo. Os ignorantes são afirmativos e parecem saber tanto quanto os que sabem. Seria esta ênfase não uma assertividade, mas um tipo de arrogância que ignora a si mesma?
Os autores concluem que simplesmente não sabemos o que ignoramos. Mas algum tipo de ousadia tola nos força a falar e falar como se soubéssemos, quando deveríamos calar. Enquanto falam se distanciam cada vez mais da verdade dos fatos e já não saberão onde estão errados, ou até se há um erro.
A mente do que não sabe, não é vazia. Olha que curioso! É cheinha de ideias preconcebidas, experiências, fatos, intuições, vieses e pressentimentos, além de conceitos que importam de outras áreas do conhecimento. Com tudo isso, os ignorantes constroem histórias e teorias que nos dão a impressão de ter um conhecimento confiável. Eis como se monta teorias conspiratórias.
Quanto mais pensam em seus pressupostos sem alicerce, mais se convencem de sua verdade. É como o fanático para quem qualquer indício, alimenta a certeza, qualquer traço, prova a sua verdade. Sua mente se torna impermeável à racionalidade. Quanto mais convencidos, menos dispostos a se conectar com a realidade se tornam. Daí que a evidência dos fatos pouco lhes importa.
O efeito Dunning-Kruger prevê que estas verdades paralelas, podem se espalhar entre todos como se fosse um vírus. A gente simplesmente acredita e reproduz sem nunca perguntar: vem cá, esta ideia ou fato está baseada em que evidência mesmo? Isso significa que o exercício da pergunta ao fato e/ou ideia e de nossa própria percepção deve ser realizado continuamente, ainda mais quando a verdade virtualizada é documentada com a concretude de milhões de repetições.

quarta-feira, 28 de fevereiro de 2018

Um café com meu pai

Estava sentado à mesa enquanto aguardava um café. Minha mente era arrodeada por aquele tédio minúsculo que nos força a mexer no celular com dedos nervosos em busca de distração. Mas nem isso me interessava naquele momento.
Repentinamente, adotei uma postura. A mão esquerda meio que apoiando o queixo e cobrindo parte da boca, a coluna ereta e as pernas agitando como se fossem duas partes de um abano balançando nervosamente. Instantaneamente vi uma imagem mental-real: meu pai vivo diante de mim.
Eu o vi vividamente, como num pequeno fragmento de filme destes que se recuperam em algum porão que, neste caso, era minha mente. Borrões e traços do desgaste do tempo se projetam junto com a imagem, mas não lhe tira a força e definição.
Parei como que espantado por esta lembrança/vivência tão realista. Era ele ali e era eu. Ele em mim. Tão rapidamente quanto veio se foi, mas reverberava em minha mente qual imagem que se desfaz e em seu lugar deixava um sentimento confuso, posto que foi uma mistura de muitos outros. Alguns velhos e de aspecto ardido, outros alegres como quanto estava em sua companhia nos bons momentos.
Um pai apenas tem que estar. É sua presença pura e simples que precisamos tantas vezes. É nossa necessidade saber dele ali. Isso basta. É ruim quando nos acostumamos à ausência, pois perdemos a memória desta agradável satisfação que senti naquela pequena praça de alimentação com os comensais entretidos em seus próprios mundos e ambos, eu e eles, alheios uns aos outros.
Aquele sentimento estava literalmente perdido, pois não tenho sua presença há muitos anos e se manifestou naqueles poucos segundos. Eu tão acostumado aos meus próprios sentimentos, aqueles que definem e dizem quem sou, foram invadidos por outra pessoa em quem me confundi.
Temos tanto orgulho de ser nós mesmos que mesmo quando temos apenas vaga ideia, ainda assim gostamos de alardear esta singularidade. O adolescente em mim se estranhou, mas o homem ficou agradecido. Ter meu pai vagamente em mim fez-me perceber com nitidez uma origem e só posso ter um destino se tenho um começo. O começo não me define, mas é de onde parto e tenho a vida para (re)construir quem desejo ser. Então não o rejeito, acolho com todas as suas intensidades de dores e alegrias.
Sempre penso que não herdamos apenas vinte e três cromossomos de cada um de nossos pais. Coisas outras se formam tão fortes e duradouras quanto esta marca genética. Para o bem e para o mal. São memórias na carne, nos ossos que vazam para trejeitos imperceptíveis. Assim, estamos tatuados com estas marcas que permanecem até quando fugimos delas.
Eu e meu pai sentamos por segundos juntos para um café, como imagens superpostas. Foi um encontro feliz. Ele adorava café, eu também.