domingo, 10 de agosto de 2014

Contos do Nascer da Terra

Mia Couto (António Emílio Leite Couto) é um escritor moçambicano. Vários de seus livros foram publicados pela Cia das Letras no Brasil. Há tempos eu o espreitava, mas não sei por que razão me tolhia como se experimentá-lo como leitor fosse me causar algum efeito colateral.
Nas livrarias, folheava seus livros como que tentado, mas acabava com alguém conhecido ou outro estranho mais bem recomendado. É isso, tinha receio do desconhecido. Uma decepção. Detesto me decepcionar com um autor. Não com o conhecido, pois sempre saberei pra onde voltar em sua obra, mas o que não conheço de jeito nenhum me causa agonia. Queria lê-lo, talvez, com a certeza de que me seria uma viagem gratificante. Não encontrei, em meu círculo, ninguém que o conhecesse. Assim fiquei, à distância.
Outro dia venci o pudor. Comprei Contos do Nascer da Terra. São trinta e cinco contos que dão a sensação de um lugar próximo e, ao mesmo tempo, desconhecido. Couto adora mostrar palavras novas. É um português com vocábulos estranhos, filhos da África portuguesa. Ele também inventa palavras novas: imensidava, insistonto, desvalente, sofrências, desbicho, escaravelhota.
Para mim, há frases que já nascem eternas nas falas de seus personagens: “mesmo para morrer sofro de incompetências.” “Meus ouvidos esgravatando no vão escuro.” “Me desisti, desvalente, desvalido.” “Sou homem abastecido de solidões.” Uma das minhas preferidas: “Necessito de acontecimento de nascência, uma lucinação. Careço de um lugar para esperar, sem tempo, sem mim.” “A memória do cajueiro me fez crescer cheiro nos olhos.” Alguém lembrou de Manoel de Barros? Não é coincidência, Couto é fã do poeta mato-grossense e lhe dedica um conto neste livro.

Mia Couto me trouxe a alegria da descoberta de paisagens que não navegara antes. Surpresas com personagens longínquos como a idade da terra. Agora já sei para onde voltar neste autor se, caso, eu o desconheça de novo.

Mato tem olho, parede tem ouvido

Cientistas do MIT descobriram que as pequenas vibrações em objetos comuns – como um saco de batata frita, um copo d’água ou até mesmo uma planta – podem ser reconstituídas como som. Tudo o que precisamos é de uma câmera e de um algoritmo.

Fonte: Gizmodo UOL (Sarah Zhang – 05/08/2014)

Político, bicho matreiro e cheio de sesto, fala com o outro com a mão na boca. Ou enfia a cara no ouvido do correligionário deixando a boca assim, de viés, para que os lábios não sejam lidos e denunciem mais uma conversa impublicável. A Globo inventou a bobagem de decifrar falas, especialmente de jogadores e dos técnicos da seleção. Um surdo-mudo assiste às gravações, lê o inaudível e a tv coloca a voz. Às vezes, nem precisa da tradução, você leu o palavrão alto e claro ou a frase óbvia. Entra pela esquerda! Os caras não entenderam, se fizeram de surdos... resultado: tomaram de sete a um. Mas isso é coisa bronca, já verão.
Cientistas descobriram que o som, ao se propagar no ar, produz micrométricas vibrações em objetos. Uma câmera que capta imagens a altíssimas velocidades grava as vibrações, um algoritmo as decodifica em som. De fato, a fala, música, qualquer som, reverberam nas coisas e deixam ali seu dna que, se gravados pela câmera, podem ser reproduzidos com fidelidade.
Um saco de batata jogado no chão por algum sem-modos pode denunciar a conversa. Imagine. Um vulgar saco de batatas agora é um espião infernal. Desde que a câmera consiga filmá-lo, já era. Cada suspiro, cada letra trocada estará no demonioso código que o reproduzirá sem erro. E você aí que ainda se precavê de todas as formas apagando histórico de visitas de sites, deleta conversas no celular, usa a forma privativa de navegação e não coloca nada além de bobagem naquela página do face.
Os caras arrancaram uma música de uma mísera planta anônima num canto qualquer. De certo modo invisível, mal cuidada, mas está lá reproduzindo como uma papagaia louca cada palavrinha sua. E tem gente que dizia de pés juntos que planta não falava e que quem fala com elas é doido de pedra. Aquela samambaia, aquela comigo-ninguém-pode ali da sala são agentes entreguistas e delatoras contumazes. Mas antes que você resolva fazer uma poda radical pela raiz das pobres, tem os outros objetos que também lhe denunciarão. Seu computador. Um copo esquecido na mesa, cheio ou vazio. Claro que o olho não vê estes tremores mefistofélicos nas coisas, mas estão lá dedos-duros.
Saramago que me perdoe: mudemos de Ensaio sobre a cegueira para ensaio sobre a mudez. Mas falar por Libras está fora de questão. Telepatia. Eis a saída. Não por muito tempo, um mísero eletroencefalograma já já denunciará sua fala com seus garranchos mudados em ondas sonoras. Adivinhação, visão remota... que mais? Acabei minhas opções.
Diz-se que assuntos importantes não se falam ao celular. Só pessoalmente, Nestor. Diz o político para aquele doleiro. Onde falamos? Em lugar fechado, não. No descampado, em frente ao Congresso. Às duas da tarde. Desliga o celular, viu? Então falam tudo. Ao redor, um monte de capim reverberando o acerto da mesada. O pé de pata de vaca matraqueando cada número de conta em paraísos fiscais. O saco de bolacha no chão gritando o favorzinho do avião para as férias da família.
Não sei se me espanto ou se me embasbaco. Que mais vão inventar? Conversa agora é no escuro de meter dedo no olho. Até os caras usarem uma câmera infravermelha. Não se tem mais sossego nem privacidade. Obama futricando os e-mails da gringada, de meio mundo e da Dilma parecerá agora coisa de criança. Falar, só num bunker, talvez. Mas é de se certificar que lá não tem nada além de paredes de três metros de espessura, você e seu interlocutor. Se bestar eles põem a câmera-olho-de-mordor num satélite. Aí eu quero ver.