O Lobo de Wall Street é o mais novo
filme protagonizado pela dupla Leonardo Dicaprio e Martin Scorcese. Como toda obra desse tipo, cabem muita
leituras. Pelo retrospecto, Martin não é um Stone que, nos últimos anos,
resolveu fazer filmes engajados, meio que de forma extemporânea. Ele dirá que
não, suponho. Martin faz duas coisas neste filme que, são de certo modo, uma guinada
mais agressiva de seus trabalhos. Não que outras obras suas não sejam intensas.
Dá uma overdose de sexo, drogas e palavrões e expõe criticamente o mundo de
Wall Street, uma verdadeira máquina de trucidar almas mais simples, caso não se
tornem chacais sem coração cuja única motivação na vida é o dinheiro.
A certa
altura, o primeiro mentor do jovem Jordan Belfort (Dicaprio), Mark Hanna – uma
pontinha feita pelo agora ganhador do Globo de Ouro, Matthew McConaughey –, dá
uma cheirada numa carreira de cocaína com uma nota de dinheiro e diz que, acima
de tudo, aquilo é o grande tesão da vida. Dá a entender que é a coca e depois
desenrola o dinheiro e diz que aquilo, sim, é a maior motivação de todas.
O imberbe
aprendiz está ali extasiado com aquele mundo que mal aprendeu a conhecer. Ele
ama Mamom, só não sabe o que ainda é capaz de fazer para adorá-lo em toda a
plenitude e o quanto está disposto a fazer por ele.
O filme não é
de humor, mas tem cenas e falas hilárias. Não sei se as pessoas riem de
nervosas ou porque gostariam de estar no lugar do personagem porque, na maioria
das vezes, o riso é produzido por aquilo que você e eu, em sã consciência e
como bons cidadãos, diríamos: eeeuuu? Nunca faria isso! Então o filme acaba
sendo um mundo de fantasia de dez entre dez adultos e o que guardam em
pensamentos, mas que jamais admitirão em público.
Jordan tem uma
incrível capacidade de ganhar dinheiro na roleta das ações e motivar outros a
ganhar para ele, sempre com generosas recompensas. Sua empresa, ao final de uma
semana, torna-se uma verdadeira festa de baco e suas bacantes. Um frenesi perpassa
todos ao som de gritos primais, dezenas de prostitutas, bebida, drogas, sexo e
loucuras para as quais não há a mais remota censura. Não poucas vezes tem-se a
clara impressão de que se trata de um culto de uma religião pagã, mas com
traços incrivelmente similares ao de certas igrejas e seus pregadores de
prosperidade.
Nenhum valor
se impõe, exceto o dinheiro. Tudo é possível e reduzido à monetização. Uma cena
que passa despercebida ilustra o fato. No iate, a mulher do melhor amigo de
Belfort, Donnie (Jonah Hill, o gordinho de Vizinhos imediatos do 3º grau) o
ameaça e ele prontamente ameaça tirar-lhe o cartão. A mulher imediatamente
senta em silêncio. Noutro momento, Donnie, totalmente doidão de quaaludes, numa
festa numa casa de praia, ao ver a belíssima Naomi (Margot Robbie) começa a se
masturbar na frente de todos como se fosse um cachorro enlouquecido. Claro,
apanha da mulher em público. Ao longo da projeção vai-se tendo a impressão que
o sem limites da vida que os personagens vivem, se exaure em algum momento,
porque não há mais controle de nada.
O filme é uma
montanha russa. Seja pelo enredo, seja pela forma de contá-lo. Cenas são
mostradas e são quase banais. Então, em off, mas em primeira pessoa, Belfort
nos conta o acontecido real e então vem o choque, o riso, a surpresa. O real
foi inimaginavelmente louco, como no episódio em volta pra casa dirigindo sua
Lamborghini depois de ingerir vários “ludes”, sua droga preferida, que
alternava com bebida e coca, para subir ao astral e tornar-se frenético como
pedia sua vida.
Entremeado
pela vida alucinada de Belfort e seus amigos igualmente ensandecidos, Martin
tenta dar um tom de realidade ao filme através do insípido oficial do FBI que
persegue com tenacidade de cão perdigueiro as peripécias fiscais de Belfort. O
próprio, diz, em seu período descendente - obrigado a parar de se drogar – que
a vida é um tédio sem suas drogas e tudo o mais. O real é um vagão de metrô com
pessoas comuns e banais, alheias à fantasia de Belfort, entre os quais os
agente. Um close da câmera mostra seu rosto com ar entre resignado e
satisfeito. Ele havia prendido Belfort.
Jordan seguirá
em seu destino desabrido até que as consequências – elas sempre chegam – se imponham
de forma amarga. Mas para Belfort, sem arrependimentos ou qualquer coisa
parecida. Ele está pronto para o próximo round. Para nós, incautos assistentes,
fica a provocação. A vida de Belfort, à parte de julgamentos morais – algo que
causa prurido em muita gente hoje – é aquilo que gostaríamos de ser e ter em
nossos sonhos mais inconfessáveis? Sim, com reservas ou um não absoluto? Não
vale dizer você quer ser esta pessoa boazinha que você é e que apenas queria
ter a montanha de dinheiro que ele tinha. Isso é pura hipocrisia. Vai jogar na
mega sena, mané e sonhar com a pureza de suas boas intenções se ganhar. Não vai
acontecer.
Por Jordan Belfort,
Dicaprio é mais uma vez indicado ao Oscar. Torcerei por ele, pelo conjunto de imemoráveis
atuações nos últimos anos das quais cito duas: como Teddy Daniels em A Ilha do Medo
e como Calvie Candie em Django.