quarta-feira, 31 de outubro de 2012

A máquina acaba briga


Chineses criam "Detector de Humor" para salvar casais em conflitos. Os chineses não cansam de nos surpreender, não é mesmo, internauta? E se você acha que já viu de tudo, então senta para receber essa notícia: para (tentar) resolver as brigas rotineiras dos casais, uma dupla chinesa desenvolveu um "detector de humor", capaz de mediar conflitos.

Fonte: Do UOL Tablóide em São Paulo (11/10/2012)

O mercadão de terapias para casais é quase infinito. Quem não vende terapia, escreve livros de autoajuda, dá conselhos, ensina mandinga, simpatias. Neste quesito, nós, latinos de influência católica, inventamos até um santo, dito casamenteiro, que resolve a solteirice daquelas moças que, sabe-se lá por quê, não encontraram seu príncipe. Não foi por falta de bebum, do que somos fartos.
Por que o santo só resolve o vexame das moças? E eu sei lá! Ainda não vi homem botando o santo de cabeça para baixo e nem se esfregando no pau, nem tirando cascas desse para fazer chá. Opa! Não me levem a mal com esta conversa de pau. Olhem as mentes sujas! Pau, árvore, madeira – literalmente falando – que, diz a lenda, teria a capacidade mágica de, não sei se depois de benzido, atrair os homens como besouros tarados pelo feromônio das besouras ou cães atrás das cadelas, correrem às mulheres que nele se esfregam. Também literalmente.
Relação de casal é quase tudo igual. Gire o globo e ponha o dedo em qualquer lugar e verá que as picuinhas, os maus humores, os diálogos de surdos mudos, os desentendimentos, são clichês puros. Menos nas latitudes e longitudes dominadas pelo islamismo, onde mulher compara-se a coisa. Mesmo aí, com burca e tudo, elas acham formas de estabelecerem seu espaço de manobra. Ou seria impossível sobreviver como algo assemelhado a gente.
Os chineses inventaram a pólvora, bússola, papel e um sem número de outras coisas. Bo Li é chinês e, esperto como só eles sabem ser, teve a fascinante ideia de criar um aparelho que resolveria brigas de casais. Estava cansado da senhora Li lhe detonar a paciência. E se houvesse um dispositivo que alertasse ou mesmo interferisse nas brigas dos casais? Comentou com um amigo que logo lhe lembrou a versão chinesa de que em briga de homem e mulher não se deve meter a colher. Bo não se deixou vencer pelo pessimismo do amigo. Haveria de criar a colher que acabaria com as brigas dos casais.
Quantos homens e, vá lá, mulheres, não estão cheios das brigas? Argumentava. E se houvesse um alarme que percebesse as primeiras palavras ferinas e a desfeita? E se fosse capaz de detectar as ironias mortais? Mais ainda, cheirasse as pisadas de calos? O aparelho se converteria numa espécie de campainha do Pavlov. Só que em vez das pessoas salivarem, parariam a briga. Quero dizer, o início dela.
O amigo, que ouvia atentamente, quis saber como é que as pessoas desafogariam suas frustrações depois de tantas vezes interrompidos, justo quando tripudiariam sobre seu cônjuge, descontariam uma contrariedade. O número de agressões passionais aumentariam, alarmou. Pior, até mortes, aconteceriam com tanta raiva guardada e sem ter para onde ir. O homem era um catastrófico de nascença.  Bo, ao contrário, era um otimista maníaco.
Que nada! Diminuiu o negativismo do amigo. As pessoas vão usar esta energia de forma (re)produtiva. Depois dos cinquenta milhões de tons de cinza e uma pitada de kama sutra, as pessoas desafogarão esta energia em sexo selvagem.
Com o pé atrás, o amigo de Bo decidiu entrar na empreitada. Qual será o princípio da detecção? Perguntou. Bo tinha tudo resolvido depois de horas pensando confucianamente. Pelo tom de voz, respondeu na lata. Um programa armazena diversos tons de voz carregados daquelas maldades típicas com que se espezinha a mulher ou marido. Uma voz – que tem que ser delicada e sensual – disparará uma frase pedindo calma, alertando para diminuir a aspereza da voz ou coisa assim. Ótimo, aplaudiu o outro. Faltava definir as frases. Vamos nós mesmos testar em casa. Dona Li será um teste de fogo, provocou o amigo de Bo, que riu amarelo – olha a piada infame.
Uma semana depois, Bo encontrou o amigo. Estava meio desanimado. O outro ria. Em sua casa o aparelho funcionou às mil maravilhas. Dona Li superou o aparelho? Perguntou. Mais ou menos. Quando ela começava a sair dos trilhos o aparelho funcionava. Já no final da semana, ela ganhou uma espécie de imunidade aos alertas e dava tanta importância às frases quando se dá para aquelas das cancelas de shopping. Pior, meu amigo, cismou que a moça tinha uma voz sensual demais e quis por que quis saber onde eu tinha arrumado aquela zinha.

segunda-feira, 29 de outubro de 2012

Fecharam o purgatório


O papa Bento XVI declarou nesta quarta-feira que o purgatório não é um lugar do espaço, do universo, "mas um fogo interior, que purifica a alma do pecado".
O Pontífice fez estas manifestações perante 9 mil pessoas que assistiram à audiência pública das quartas-feiras, cuja catequese dedicou à figura de santa Catarina de Gênova (1447-1510), conhecida por sua visão sobre o purgatório.

Fonte: site Terra (12 de janeiro de 2011)

Ele estava azedo. Quis saber por quê. Balbuciou algo ininteligível. Se fosse minha avó, diria que ele budejou. Não está no Aurélio e, suponho, o Houaiss também desconhece esta flexão corruptela no passado do verbo balbuciar. Ele, explico, é um velho amigo. Não declinarei o nome, ainda que inventado. Religioso das antigas, daqueles que não come carne na semana santa e guarda com genuflexão dias santos e festas, com todos os ritos que conhece. Não consta, para mim, que ele se flagele com um cilício, por exemplo, mas andou de joelhos algumas escadarias.
Como disse, indaguei o motivo de tamanha desconsolação. Movimentos lentos, palavras medidas e um ar de velório, só disse: o purgatório. Mesmo assim, a palavra saiu sumida da boca. O mistério só aumentou. Pensei no pior. Estaria com os dias contados? Soubera de uma doença terminal? Minutos depois, ainda como que em transe, acrescentou: o papa. Tentei juntar o papa e o purgatório, mas por uma dificuldade dedutiva de meu espanto, preferi esperar. Pensei até em me aconselhar com Dante, sei lá, folhear a Divina Comédia até encaixar as duas informações, mas seria perda de tempo. Em toda a trajetória pelos círculos infernais, Dante encontrara desafetos reais que ali colocara por vingança, dizem, mas absteve-se de colocar qualquer Papa no lugar.
Longa espera. Ele resolveu falar. O Papa acabou com o purgatório, você pode imaginar isso? Perguntou e, sem esperar uma resposta, que eu não tinha, emendou: como é que vai ficar tudo? Se mexer no purgatório, onde é que fica o céu e o inferno? Sua Santidade afirmou que o purgatório não é um lugar. Passei a vida sabendo que é um lugar. O catecismo dizia. Os velhos professores de religião tinham certeza. Um lugar com endereço fixo. Abrigou milhões por não sei quanto tempo e agora, assim sem mais nem menos, desapareceu. Onde essa gente foi parar? Despejados como moradores de rua incômodos. Estou sem chão e agora, sem purgatório.
Quando eu imagino que a gente quase podia fazer um turismo mental no purgatório, tamanho eram os detalhes que nos diziam: pracinhas, ruas simpáticas com vendedores de bugigangas chinesas, lugares legais para comer e conhecer gente. Claro que teria falta d’água, apagões, malandros, políticos corruptos, poluição, mas nada insuportável. Quer dizer, antes de estar lá, você como que desenvolvia uma relação afetiva com o lugar e de repente acabou. 
Estou com medo, queixou-se. Agora é céu de um lado, inferno do outro e no meio o nada. Sem uma estação intermediária para resolver aquelas pendências que a gente tem, você sabe, procurou minha solidariedade, talvez, é como um cara ou coroa. Quer dizer, uma coisinha assim de nada pode me jogar nos quintos, pois a balança vai pesar pra um dos lados e aí, já era.
 O Papa disse que o purgatório é tipo um fogo purificador dentro de nós. Não sei não, desde que o mundo é mundo purgatório é um lugar onde as almas semidanadas descontam o excesso de pecado. Precisa mesmo ser um lugar, para acolher esse monte de gente. Ter instalações adequadas e os locais com profissionais experientes para fazer a limpeza ou ensinar seja lá o que se precisa para aliviar o peso. O Papa deve saber o que diz, mas quero ver como é que a gente transforma um lugar numa abstração.
Tem mais. Este novo purgatório interior acontece antes ou depois da morte? Não ficou claro. Tem um estágio de aprendizado de como carregar o purgatório inteiro nas costas? É portátil? Tipo: cabe num pen drive? Há que pensar também na temperatura deste fogo purificador interno. Como se sabe, o purgatório antigo era quente, mas suportável, pois quente mesmo é o inferno. Convenhamos, uma coisa é um fogo fora, você se afasta, se esconde atrás de algo, coloca os recém chegados na frente. Mas com o fogo dentro de si fica difícil. Haverá algum tipo de termostato para regular o calorão? Estou cheio de dúvidas, você me entende? Eu não entendia. Nunca cogitei o purgatório e nem sabia que havia tantos pormenores envolvidos nesta moradia, ainda que temporária, segundo disse meu amigo.
De qualquer modo, estava penalizado pelo desamparo do meu amigo. Pensei em dizer que o Papa falou apenas figuradamente, que fez um exercício retórico teo-filosófico, mas não adiantaria. Não estava sendo fácil para ele suportar que aquele lugar simplesmente tenha desaparecido. Pensei em sugerir que estava ocorrendo um programa imobiliário celestial e que precisaram do espaço que estava meio decadente como os centros velhos de uma metrópole, com montes e montes de gente sem fazer nada, esperando o tempo passar para poder subir de degrau espiritual. Mas até eu achei a ideia meio maluca.
Meu amigo continuava confuso. Com esta mudança, disse ele, depois de longo embatucamento, acabo virando protestante, pois eu lhe pergunto, de que adianta um católico sem purgatório? De repente, seu rosto se iluminou, quem sabe, já meio arrependido de ser protestante. E se o santo padre mandasse construir um purgatório novo, num lugar menos mal afamado? Espaço entre o inferno e o céu não falta.