Uma empresa francesa vai fabricar perfumes que recriam o odor de uma
pessoa falecida a partir de roupas que ela usava.
Katia
Apalategui, fundadora da pequena empresa Kalain (uma alusão à palavra calin ou
"carinho", em francês) contou à BBC Brasil que a ideia surgiu há sete
anos, quando seu pai faleceu por motivos de saúde.
Fonte: Daniela Fernandes De
Paris para a BBC Brasil (18/06/2015)
Os franceses são especialistas em perfumes. Dizem as más línguas que
esta habilidade foi elevada ao estado da arte, porque eles não são chegados a
banho. Mas povo educado e sofisticado que é, sabe que não pega bem na
convivência com outros os nossos cheiros naturais, ainda mais depois de dias
longe de uma bucha, água e sabonete.
A mais nova invenção no mundo dos olores artificiais foi criada por uma
mulher que, até então, nada entendia de perfumaria. Uma necessidade de sentir o
cheiro do pai morto, desejo que percebeu na mãe também, que se dedicava a
cheirar, de vez em quando, fronhas e roupas do falecido para matar a saudade. A
partir destes objetos pessoais e alguma química, foi extraído um grupo de
moléculas que era o cheiro do tal homem quando vivo. As duas se lambuzaram com
o cheio do morto e... descobriram um nicho de mercado.
Esqueçam fotos, filmes, histórias, cartas e o que mais nos faz lembrar os
nossos entes falecidos. Basta uma peça de roupa e o laboratório arrancará o
odor de quem tiver partido. Não importa o tempo. A empresa não explica que tipo
de roupa é mais conveniente a retirada do cheiro. Suponho que uma cueca ou
calcinha dormida não seja indicado, embora há de ter quem queira esse cheiro
mesmo. Vai se saber.
Os amantes experientes sabem que para uma relação dar certo é preciso
cultivar muita coisa. Mas se seu nariz refuga o cheiro do ser amado, a situação
fica difícil. Uma hora o amado ou a amada não poderá disfarçar seu cheiro
característico que, dizem os especialistas, é função da comida, materiais de
higiene pessoal e até doença que a criatura tenha. Uma boca mal cuidada, uma
barriga desonerada aumentam substancialmente as variações de cheiros emitidos
por seu docinho de côco. Tudo misturado, tem-se a assinatura olfativa
inconfundível e, possivelmente, insuportável.
Mas de morto tudo se perdoa. A saudade bate, o luto aperreia e lá um se
esquece que o pobre, agora defunto, fedia. E não se fala aqui do estado
putrefacto em que se encontrará em dias post mortem. É que essa ressurreição
olorífera pode criar problemas. O danado é que de tanto cheirar o falecido a
pessoa jamais elabore o luto. Como é que as lembranças do defunto vão para o
arquivo morto? Não corre o risco de virar um fantasma imorrível?
Se é possível extrair o cheiro escondido nas coisas do defunto, é também
possível do cachorro falecido. Gente tudo bem, mas cachorro não fede tudo
igual? Não exalam o cheiro inconteste de pano sujo molhado? Pois há candidatos
a querer ressuscitar o cheiro do seu cachorro morto. Penso que bastava um
cafungada no pano da cozinha e deixar a imaginação rolar. Mas a fantasia é mais
foi forte que o real.
Um cadáver famoso, tipo artista muito importante, um Michael Jackson da
vida, a família poderia ganhar milhões vendendo a catinga do dito cujo em
frasquinhos tipo loló importada do Paraguai. É só tomar cuidado pra não ter
overdose, o que poderia ocorrer se a cheirada fosse embalada por Thriller.
Excesso de estímulo cerebral pode dar concussão.
É claro que se pode fazer o perfume de gente viva. Pensei em marinheiros
que deixariam para trás um frasquinho com seu perfume para a mulher. Não sei se
evitaria que a mulher cheirasse outros cheiros, mas valeria a tentativa. Acho a
ideia ridícula, como acho a primeira mórbida, mas se há quem queira pagar, que
mal tem?