sexta-feira, 18 de março de 2016

Toda sociedade precisa de uma Geni


O apresentador Rodrigo Hilbert, que capitaneia o programa “O Tempero de família” está no centro de uma polêmica. Num de seus programas, ele mostrou desde a escolha até o abate de um cordeiro para fazer um churrasco. A maior parte das cenas foi exibida em seu programa com a naturalidade com que as pessoas no campo estão acostumadas para realizar este tipo de ação. Foi o estopim para um sem número de pessoas acessarem suas contas em redes sociais e, entre xingamentos e críticas ferozes, deplorarem as cenas explícitas da morte de um cordeiro.
A questão ganhou proporções exageradas como costuma acontecer neste mundo de manada de pessoas excessivamente sensíveis que defendem coisas sem atentar para o ridículo de suas posições. Ongs diversas, Sociedades protetoras de animais e toda uma fauna de gente delicada queria mostrar sua indignação. A crítica era por exibir as cenas cruas da retiradas das entranhas, a decapitação e a separação do couro do cordeirinho. Sobrou até para sua mulher, a também apresentadora Fernanda Lima. Os revoltados, impedidos de acessarem com novos posts a conta de Rodrigo, atacaram os perfis da apresentadora. A sanha por defender “sua causa” pedia sangue, fosse de quem fosse. Mesmo de quem nada tinha a ver com a história.
A coisa toda cheira a uma imposição desrespeitosa e ditatorial que é como essas pessoas agem. Elas estão certas e quem discorda será execrado em praça pública. Uma espécie de descarnamento e esquartejamento moral. Elas detêm a verdade. Encarnam os novos valores da sociedade que, frouxa e louca, perdeu todos os referenciais e quem mais grita na internete é o que tem o poder de fazer estas suas imposturas. Os outros seguem, fazem likes.
Está certo que nem todos estão aptos para ver as cenas. E nada tem que ver com as esdrúxulas posições do politicamente correto, mas por desgostar e isso não está ideologizado. Nem por isso recusam um bom churrasco de cordeiro ou deixam de se alimentar de carne.
A questão aqui não é, por suposto, as cenas que não se prestam para fazer juízo de valor sobre a pessoa de Rodrigo, mas que não impediu o apresentador de ser associado a um sádico ou coisa pior. Mas à imposição de posições ideológicas que devem ser aceitas por todos. Vivemos a era do constrangimento público – urbi et orbi. É claro que o apresentador correu para tirar as cenas dantescas de sua conta na rede. É claro que deve ter ensaiado alguma desculpa ou explicação para aplacar a fúria das sensibilidades de seus críticos. O programa precisa de audiência. Os patrocinadores ficariam menos entusiasmados com seu nome associado a um matador de cordeiros. A hipocrisia está na moda e elevada ao nível do paroxismo nos comportamentos reais e virtuais.
Há uma lógica no comportamento de manada. Que o digam os gnus correndo nas planícies do Serengueti. Evolutivamente faz todo sentido. Nos humanos é que vem o sentimento de pertença, o sentido de identidade, a segurança. Estes só se percebem como parte de seus iguais. Mimetizados uns nos outros como espelhos passivos da reprodução de imagens amordaçadas em ideias que se replicam como vírus.
Parece que tudo tem agora um tipo de valor moral/social. Ao mesmo tempo, todos os valores que nortearam esta mesma sociedade, dizendo que isso é certo e aquilo não, estão corroídos e vistos como, no mínimo, ameaças ao bem comum.  Pensar diferente não é mais o exercício da liberdade, mas a candidatura para sofrer patrulhamento, censura e perseguição na rede, lugar que oferece certo anonimato e que, por isso, instiga as mais abjetas intenções e covardias das pessoas.
As muitas fôrmas (abomino que tenham retirado os acentos diferenciais) são meras camisas de força. Forjam indivíduos apenas customizados, a essência é a mesma. Em toda sociedade, sempre houve um modelo aceitável de ser e se apresentar perante os outros, mas vive-se a robotização em massa. O pensamento único. Uma agenda determina o que se pode pensar e, claro, falar, sob pena de instantâneo julgamento. A coisa chegou num nível que já não se espera a cobrança, fazemos nós mesmos a autocensura. Tornamo-nos capatazes de nossa consciência e não me refiro ao superego.
Curioso. Ao mesmo tempo em que é de bom tom defender todo tipo de minoria, parece que algumas classes podem ser esculachadas e até há um apelo para que se faça. O cristianismo é um dos clássicos. Mas ser conservador – no sentido de Roger Scruton ou Theodore Dalrympletambém sofre o dedo em riste da manada de “modernos”. Toda sociedade precisa de uma Geni. Todo grupo precisa de seu bode expiatório. A questão é, você que pensa diferente quer se tornar este zumbi mutante que só pensa numa coisa: devorar o cérebro do outro?

domingo, 13 de março de 2016

Fé não é mágica - Little Boy

E se de repente você descobrisse que é capaz de mover os objetos com o poder de sua fé (mente)? E se esta descoberta acontecesse numa idade em que fantasia e realidade se interpenetrem sendo difícil discernir em qual dos lados se está? Suponha que este grande evento, a descoberta deste “poder”, aconteça em meio à primeira grande crise de sua história como pessoa. Uma separação de alguém que você ama e com ela mantém uma belíssima amizade, uma cumplicidade, e que esta pessoa lhe seja companheira de aventuras imaginárias fantásticas.
Este é o enredo de Little boy, segundo longa do diretor mexicano Alejandro Monteverde. Pepper é um garoto de 8 anos cujo pai vai para a guerra. A separação é terrível, mas ele imediatamente busca uma forma de trazer o pai de volta. Mágica e fé em sua cabecinha são a mesma coisa. De um lado, seu heroi de quadrinhos, Ben Eagle, uma espécie de Mandrake. Quem lembra? De outro, o padre e sua homilia sobre mover montanhas com a fé: se você tiver a fé, mesmo do tamanho de uma semente de mostarda.
Pepper, o Little boy, leva as duas ideias ao pé da letra e tem-se uma história sobre fé e descrença. O diretor simula uma fábula inocente. O lugar é paradisíaco. A vila O’hare é idílica. Encravada no sopé de um belo monte e à frente a imensidão do oceano. O colorido das casas, a luz viva do sol sugere um lugar atemporal, embora a história se desenvolva no período da segunda guerra.
Entre a perseguição de garotos mais velhos e malvados e sua luta por cumprir as regras ancestrais – uma série de atos bons que lhe deu o padre, acrescido da missão de tornar-se amigo do único japonês existente no lugar – aumentaria a fé de Pepper e, em consequência, ele poderia trazer o pai de volta.
O padre é um homem bom e acolhedor, mas parece ter uma fé que tem dificuldade de ficar em pé. Principalmente diante de questionamentos do pequeno Pepper. Hashimoto, o japonês, é o cérebro, o homem que não tem fé. Mas mantém uma saudável relação com o padre com quem joga cartas de vez em quando. Chama Deus de “amigo imaginário” do padre, que nunca se sente ofendido.
A amizade entre Pepper, o garoto perseguido pelos outros, e um japonês residente nos EUA durante a segunda guerra, parece improvável, mas ambos são muito próximos na condição. A região e a casa do japonês, ao contrário das demais, é cinza e não há jardim. Ele é o inimigo. O mal. Só haverá luz do sol na casa dele no final do filme. O filme fala, portanto, de tolerância também.
Quanto à fé, o diretor a desconstrói com as falas do Hashimoto, com as equivocadas interpretações da comunidade que, pouco a pouco, vai notando em Pepper um garoto especial. Pepper tem a fé de uma criança. Ele crê de uma forma absolutamente concreta que se sua fé chegar ao tamanho do grão de mostarda, ele trará o pai de volta. A prova é mover a montanha logo atrás da cidade. Bem, este momento chega. A coincidência com um terremoto no momento exato leva a vila quase inteira a acreditar nos poderes do garoto.
Há incréus aqui e ali. Diferentes do Hashimoto, são apenas cínicos, confusos, ressentidos. O amigo do garoto que o aceita em sua infantilidade e que o ajuda a cumprir com as “regras ancestrais”, o respeita em sua infantilidade. Teme por sua fé mágica quando sugere ao padre que a decepção de um deus que não responde – não traria o pai do menino de volta – arrasaria com ele. O padre apenas responde que o “amigo imaginário” cuidaria dele.
Por fim, o diretor parece dizer que a fé é algo para gente simples de mente e crianças que não sabem separar o poder de um mágico e os acontecimentos que a fé produz. Cegos, tomam uma coincidência por resposta de Deus. Parece perguntar: para que serve mesmo mover uma montanha e lançá-la ao mar? Mas esta é apenas uma pergunta que Little boy (Pepper) faria.