quarta-feira, 17 de junho de 2009

Entre perdedores e mascarados


Cedo aprendemos a esconder nossas mazelas. Cuida disso em nós o onipresente meio social que funciona como força coercitiva. Queremos sempre parecer bem, donde sociedades competitivas como a americana qualquer sinal de suposta fraqueza, alguém logo é taxado de loser (perdedor). Não à toa esta mesma sociedade produz sua contraparte em sociopatas (serial killers). Mas sociedades cuja alma se revela menos castradora, também produzem seus desconjuntos humanos. Basta, afinal, estar na companhia do outro para agir sob sua influência. Subjetivamente julgamos aquilo que o outro pensa ou pensará a nosso respeito e isso nos mobiliza em várias direções, para o bem e para o mal.

Ele, aos sete anos, já manifesta suas primeiras incursões neste mundo tão cheio de aparências. Você gosta de judô? Gosto um pouco, diz ele. Não gosto de perder dos meninos de faixa cinza. Quando eu perco, faço um sorriso forçado e vou sentar no meu lugar. Como é seu sorriso forçado? Ele mostrou, despertando em mim um misto estranho de sentimentos que me invadiu.

Jung chama esta atitude de máscara. É aquilo que revelamos publicamente. É nossa alma vestida para o mundo. Está longe da compreensão comum de alguém que revela falta de caráter. Trata-se de um mecanismo de proteção e comunicação. Como tudo no ser humano, tem aspecto duplo: positivo e negativo. Não mente, portanto, aquele que o faz, apenas não revela o que não convém num ambiente não propício, isto sim, sujeito a julgamentos desnecessários dos outros. Estranhamente, para além dos movimentos internos do sujeito – em permanente busca de equilíbrio –, agir assim é sempre uma contrapartida às forças do meio externo.

Ocorre-me dois casos interessantes na Bíblia. O primeiro encontra-se em 2 Rs 4.25-28 e relata a história da mulher que perdeu o filho e quando perguntada pelo ajudante de profeta Elizeu se ia tudo bem respondeu com um “tudo bem”. No entanto, seu filho jazia morto. O segundo caso está em João 21.3. Pedro diz a um grupo de amigos: Vou pescar. O contexto, porém, revela uma situação de crise. Apesar das aparições de Jesus entre os discípulos, parece que todo o grande projeto do reino havia morrido. Pedro, em particular, carregava uma profunda decepção consigo. Estava triste e envergonhado.

As duas pessoas e o menino usaram máscaras, segundo o conceito junguiano. Cada qual quis, a seu modo, esconder algo que lhes parecia incômodo. Coisas com as quais tinham dificuldade de lidar e que pediam enfrentamentos pessoais e soluções, demandavam respostas deles, mas que, ou não tinham ânimo ou estavam de tal modo afetados que lhes era custoso qualquer decisão.

O perigo mora nos vãos deste frágil equilíbrio que as pessoas buscam. A mulher não quer revelar sua dor para qualquer um. Pedro, desnorteado, decide fazer qualquer coisa, inclusive voltar à sua antiga profissão. O menino não quer revelar sua frustração diante da derrota. A máscara serve para um momento, não para a vida toda. Quer dizer, a máscara nunca pode tomar o lugar verdadeiro de quem você é, caso contrário, haverá a perda da identidade real do indivíduo, posto que estará em constante insegurança, pois aquilo que lhe diz o que ele é vem das nuances e variações externas, do meio social e não dele mesmo. O que um se torna ou é, nasce dos enfrentamentos, dos lugares que se fazem na dor do crescimento. Inclui escolhas em interação como o meio, não há dúvida, mas não somente por estes definidas, porque haverá sempre a opção de não seguir a onda. Contradizê-la exigirá resistência, afirmação.

Ou por outra. O indivíduo deve conviver consigo mesmo, aprender a saber-se, mesmo que tome rumos que não lhes sejam os adequados. É possível que isto descambe para um individualismo tosco, mas uma maneira de saber por que se faz isto ou aquilo é escarafunchar as nossas motivações. Quem ou o quê me move nesta direção? O menino, por necessidade, precisa da orientação paterna em quase tudo, ainda não tem seu senso de valores desenvolvido o suficiente, não é o caso da mulher sunamita e Pedro.

Pedro e a sunamita carregam uma dor profunda. A mulher perdeu o filho, Pedro o valor de si mesmo. Ela encontrará o alívio diante do profeta. Para ele ela dirá tudo sem pejo. Pedro enfrentará aquele de quem se envergonha, depois de um enorme esforço debalde naquela noite sem peixes, às margens do lago, diante de uma “mesa” onde terá a oportunidade de reafirmar seu amor voltando, simbolicamente, ao lugar da negação.

A máscara nos lembra que é preciso ter idéia clara do dentro e do fora, quero dizer, nossa intimidade é algo que deve ser preservada. Nossa casa deve ter portas e não ser um terreno baldio que se presta para tudo e todos. De algum modo, entretanto, esta casa deve ser acessada por nós mesmos, revisitando antigos cômodos para arejá-los, espanar pó e deixar entrar luz. Nesse processo de voltar a antigos quartos, o outro de nossa confiança é necessário, sem prejuízo da indispensável oração a Deus que sempre tem seu valor terapêutico, para além das fórmulas que concebemos como modelos.

segunda-feira, 15 de junho de 2009

De postiçagem eu entendo

A Polícia Rodoviária Federal apreendeu nesta sexta-feira 30 kg de cabelo humano com duas pessoas que viajavam sem documentação fiscal em Campo Grande (MS).

Fonte: Folha Online

Tem procedência sim, senhor. De onde? Daqui, dali, de uns e outros. Não quero enrolar o senhor, deusmelivre, é que às vezes me procuram para vender, às vezes boto preço em quem encontro na rua. Bem... Deixe que eu me apresente. Meu nome é Chicabelo, se escreve tudo junto. Como o senhor vê, meu nome já carrega minha profissão. Pois não, compro e vendo cabelo. Sustentei até hoje meus filhos desta forma. Quer saber meu nome verdadeiro? Pois não. Franciseliton, é a mistura de Francisca e Wellington, meus pais. O senhor não quer saber? Desculpe. Era para quebrar o gelo. O senhor tem razão, não estamos no pólo norte. Ó, o documento...

Nas sacolas deve ter uns trinta quilos. Do bom, não vendo bucha piaçaba não. Não senhor, nunca pensei que precisasse nota. E precisa? Vixe. Nem imagino como fazer para dar nota. Meu negócio é autonômico. Sim, senhor, sozinho. Valha-me nossinhora, tráfico de mulher? Nunca na minha vida! Vejo uma mulher do cabelão – homem também – chego junto e ofereço: dou tanto pelo cabelo. Vendo a quilo, mas compro mesmo é no olho. Tá assim ó – junta os dedos – de gente que quer comprar. É para um tal de megarré. Recebo muita encomenda. Esse aqui, lorinho, já tem uma mulher esperando.

Nas sacolas pequenas tem unha, pestana, sobrancelha. O senhor não vai acreditar, o povo tá todo postiço. A moda, dizem por aí, começou lá em Brasília. Com quem? Com os políticos, ora. Sim, nóis bota eles lá, mais depois os bichos se transforma, só postiçagem. Me perdoe, não quero ensinar nada ao senhor, não. E como é que nóis fica? Em minha capanga, tá os pagamentos, quê que isso tem com os cabelos? Num tô robando... Ilegal? Só por causa de um pedaço de papel? Como confesso sonegação? E o senhor já viu dá nota fiscal para dona Mariinha que me vende cabelo a cada seis mêis? Ela vai estranhar, até pensar que quero denunciar ela por causa disso. O cabelo é dela, faz o que quiser. Entre nós é no fio do bigode, não tem papel. É verdade, bigode hoje não vale mais nada. Mas não todos.

Nunca vi falar em seri... como é que é, serialré? O quê que é isso meu amigo? Um sujeito que tá cortando os cabelo das mulher na rua? Isso deve de ser algum concorrente que quer me queimar. Só compro cabelo no teto. O que é isso? É modo de dizer, cabelo na cabeça dos donos. Pago bem. Em São Paulo não há cabelo que chegue, inda mais agora com esta marmota de parada dos homossexual do gênero masculino – aqui a gente chama de qualhira. Olhe, tanto tenha como vende. Ficam tudo parecidinho com mulher, até confunde uns e outros. Mas deixa pra lá, são bons pagadores e bons fregueses, por mim tinha parada duas vêiz no ano.

É como eu disse. Só comercializo cabelo e estes adjutóriozinhos aqui. Tem gente que tem unha podre e coloca uma dessas, é melhor que as de plástico e dura que só vendo. Nem todo mundo é Zé do Caixão, né não. É verdade, não tem graça. Ser falso, quero dizer, postiço, é melhor. Um tira e bota o que quer. Tem dia que uma mulher que ser uma lôra de unha grande. Outro dia quer um cabelo preto e liso.

O senhor nem queira saber, tem homem que põe bigode. Agora mesmo é moda, deu no jornal. Sei não senhor. O senhor fala daquele que manda naquela cuia emborcada lá nas Brasília? Difícil, o bigode dele é pintado e postiço, é freguês antigo. Os modistas diz que o sujeito fica com a cara mais macha e as mulher gosta da cosquinha na cara. Vi na tv. Aqui, só pro senhor, fui eu que vendi aquele cocó gigante daquela menina cantora... aquela dos estrangeiro... lembrei! Amy Anirrouse. Mas isso é segredo, num posso espalhar por aí, boca de siri, ouviu?

Não faça isso comigo, tenho freguês esperando aqui em São Luís. E isso é lá função do senhor, prender os produto da gente? Não senhor, não quero ser saído, mas o senhor tá tirando a comida da boca de minha família. Que tal, este vermelho aqui não é pintado não, raridade, fica para o senhor. Não, quero dizer, pra sua mulher. Na volta arranjo outro se ela quiser. Não diga isso, é só um presente, não quero subornar ninguém. A sua senhora lhe mata porque esta era a cor do cabelo da sua ex...? iiiiihhhhh.